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É raro ver alguém conscientemente construindo um elefante branco, mas foi isso que testemunhei em Brasília em 2012. Em pleno centro da cidade, na principal avenida da capital, os operários estavam concluindo um estádio com capacidade para 70 mil pessoas. O Estádio Nacional é um de doze estádios para a Copa do Mundo. E mesmo antes do final do campeonato, já será supérfluo. Os clubes de futebol de Brasília raramente atraem mais de mil torcedores. Os Rolling Stones também não vão visitar com frequência a cidade para lotar o Nacional. Brasília poderia muito bem demolir o estádio após o último jogo da Copa, economizando assim os custos de manutenção. Outras cidades-sede como Manaus e Cuiabá poderiam fazer o mesmo.

É esse tipo de desperdício que levou os brasileiros às ruas em junho do ano passado, manifestando-se contra seu país ser sede da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos em 2016. Numa faixa de um dos manifestantes estava escrito: "Já temos estádios de primeiro mundo – agora só falta construir um país em volta deles." No mundo inteiro – de Atlanta, nos EUA, à sede do Comitê Olímpico Internacional, em Lausanne, na Suíça – há pessoas chegando à mesma conclusão: abrigar eventos esportivos não traz riqueza. É provável que essa tomada crescente de consciência influencie a maneira como a Fifa define os locais-sede da Copa do Mundo.

Sempre que um país organiza o campeonato, os políticos prometem que será ótimo para a economia: multidões de visitantes loucos para fazer compras, nova infraestrutura transformadora, e publicidade gratuita para as cidades-sede nas redes de tevê no mundo inteiro. Num café da manhã em Joanesburgo durante a última Copa, o então ministro do esporte do Brasil, Orlando Silva Júnior, me disse: "Acho que a Copa serviu para estimular o desenvolvimento e a infraestrutura aqui, e nós vamos seguir o mesmo caminho no Brasil." Lamentavelmente, mais tarde Silva teve de pedir demissão em meio a um escândalo de corrupção. Independente disso, sua hipótese estava errada. A maioria dos economistas acadêmicos concorda que para os locais-sede, "os impactos econômicos mensuráveis são insignificantes", afirma Stefan Szymanski, professor de economia da Universidade de Michigan e coautor do nosso livro Soccernomics. Szymanski acrescenta: "Há literatura acadêmica considerável e bem fundamentada que demonstra que na verdade acontece o contrário: sediar grandes eventos esportivos é um ônus para a economia."

É o caso da África do Sul, onde todos os políticos prometeram um milagre econômico. No final das contas, apenas 309 mil visitantes estrangeiros foram para a Copa – menos da metade do número médio mensal de visitantes ao país em 2010. Na realidade, o crescimento econômico da África do Sul diminuiu durante o campeonato. John Saker, diretor de operações da KPMG África, afirmou: "O grande impulso econômico não aconteceu."

Saker acredita que a África do Sul se beneficiaria "de propaganda boca-a-boca por muitos anos". Quem sabe, quiçá. Os economistas têm dificuldade em encontrar evidências de que os locais-sede de eventos esportivos ou de estádios cresçam mais rapidamente que os demais. E nas palavras de Andy Zimbalist, especialista americano em economia do esporte, "o Brasil já é muito bem conhecido como destino turístico internacional." O Rio já é a cidade mais visitada do hemisfério sul. De qualquer forma, ser sede nem sempre promove o local. Às vezes até prejudica, como descobriram as cidades-sede dos jogos olímpicos como Munique, Atlanta e Atenas. Pode ser que a Copa do Mundo transforme as percepções que alguns estrangeiros têm do Brasil como sendo um país com alta taxa de criminalidade e infraestrutura inadequada. Ou pode ser que concretize essas percepções.

A nova infraestrutura também não vai transformar a economia brasileira. O país está gastando cerca de R$ 8 bilhões (muito além do orçado) com estádios, financiados quase totalmente pelos contribuintes. Levando em conta outros elementos de infraestrutura relacionados à copa do mundo, o Tribunal de Contas da União prevê que o total dos gastos públicos com o campeonato alcance os R$30 bilhões. Isto é "dinheiro suficiente para pagar duas vezes a conta anual do Bolsa Família do país inteiro," observa o historiador britânico do futebol, David Goldblatt, em seu novo livro Futebol Nation. O autor afirma que a copa de 2014 é "a Copa do Mundo mais cara de todos os tempos".

É verdade que esses são montantes pequenos quando comparados com o cenário geral do país. No decorrer dos próximos anos, o Brasil pretende investir quase R$ 900 bilhões na melhoria de sua infraestrutura envelhecida. Mesmo assim, a maior parte dos gastos com a Copa do Mundo representa uma perda total. Isto porque as coisas necessárias para um campeonato de futebol quase sempre não são necessárias para a vida cotidiana. A General Electric construiu muito da infraestrutura para a Copa no Brasil, mas mesmo um executivo de alto escalão da GE reconheceu na Cúpula das Cidades Novas, realizada em São Paulo em junho do ano passado, que determinados estádios, em Natal ou Manaus, por exemplo, "talvez não tenham um legado tão positivo assim". Da mesma forma que as vias construídas para atender àqueles estádios. O dinheiro poderia ter sido investido com mais proveito em coisas menos inéditas, porém necessárias: na melhora dos portos, das estradas, das escolas e dos hospitais.

Em vez de ser uma força que impulsiona o crescimento econômico, a Copa do Mundo no Brasil se assemelha mais a uma série de transferências: das mulheres para os homens do Brasil (em média são eles que vão se divertir mais), dos contribuintes brasileiros aos torcedores de futebol do mundo inteiro, e dos contribuintes aos clubes brasileiros de futebol.

Os clubes vão se dar bem com o Mundial. Os estádios novinhos em folha financiados pelo contribuinte têm a capacidade de atrair milhões de brasileiros de classe média às partidas das ligas de futebol. Foi isso que aconteceu na Inglaterra depois de renovação dos estádios no início dos anos 1990. Juntos, o economista francês Bastien Drut e Szymanski demonstraram em um artigo recentemente que nos cinco anos depois de um país ter sediado a Copa ou o campeonato europeu, o número de torcedores que vão até os estádios assistir aos jogos aumenta em entre 15 e 25%. Um aumento ainda maior poderia ocorrer no Brasil que, em vez de ter alguns dos piores estádios do mundo, passará a ter alguns dos melhores. Finalmente, talvez os torcedores brasileiros – historicamente tratados com desprezo pelos cartolas dos clubes – possam assistir aos jogos com suas famílias em segurança.

Com mais torcedores nos estádios, os clubes brasileiros poderiam ficar mais ricos. Mais isso não é um estímulo econômico sério para o país como um todo.

Entende-se a Copa do Mundo no Brasil mais como uma festa. Não se oferece uma festa para correr risco. Festa é para se divertir, e os brasileiros vão se divertir. No entanto, há algo imoral em oferecer uma festa extravagante em um país onde milhões de pessoas precisam de comida, moradia, energia elétrica, médicos. Foi isso que incomodou os manifestantes. Como disse Romário: "Não há boas escolas, não há bons hospitais – como pode haver uma Copa do Mundo?"

Em todos os países, as pessoas estão percebendo que construir estádios não traz riqueza. Durante décadas, os americanos votaram a favor do financiamento de estádios para clubes cujos proprietários eram milionários. Em Nova Orleans, por exemplo, os contribuintes pagaram pelo estádio Superdome enquanto os diques ficaram sem investimento. A atitudes têm mudado com a crise econômica. Em Atlanta e em Minnesota pesquisas de opinião mostraram que o financiamento de estádios com o dinheiro dos contribuintes desagradou os eleitores locais.

O Comitê Olímpico Internacional não quer provocar a raiva dos contribuintes da maneira com a Fifa fez no Brasil. Esta é uma das razões porque escolheu Tóquio para sediar os jogos olímpicos de 2020. A cidade tem melhores condições econômicas para realizar os jogos do que seus rivais Istambul e Madri (e condições muito melhores do que o Rio de Janeiro). A associação europeia de futebol, Uefa, foi ainda mais longe: não escolheu uma sede única para o Campeonato Europeu de 2020. O ônus teria sido grande demais, explicou o secretário-geral da UEFA, Gianni Infantino, especialmente em tempos de crise econômica. Como solução, vários países vão sediar o evento.

A Fifa deve aprender com sua experiência no Brasil. Pedir para um país democrático financiar elefantes brancos só poderia resultar em manifestações. É mais fácil escolher para sediar a Copa do Mundo ditaduras como Rússia ou Catar, onde os manifestantes são reprimidos. O levante popular brasileiro contra a copa do mundo talvez possa mudar o futuro do campeonato.

Simon Kuper é colunista do jornal inglês Financial Times e autor de vários livros sobre futebol entre eles Soccernomics, em parceria com Stefan Zymanski (Ed. Tinta Negra).

Tradução: David Harrad

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