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Populoso e violento, o Sítio Cercado, bairro que vai abrigar a Espanha, mostra um Brasil sem maquiagem para os estrangeiros | Daniel Castellano/ Gazeta do Povo
Populoso e violento, o Sítio Cercado, bairro que vai abrigar a Espanha, mostra um Brasil sem maquiagem para os estrangeiros| Foto: Daniel Castellano/ Gazeta do Povo

Ser vizinho de Xavi, Inies­­ta, Casillas e Piqué, mesmo que por apenas alguns dias. Esse é o privilégio que os cerca de 115,5 mil moradores do Sítio Cercado, na região Sul de Curitiba, terão a partir de 8 de junho. O bairro será a casa da atual campeã do mundo, que chega ao Brasil como uma das favoritas ao título da Copa do Mundo.

INFOGRÁFICO: Veja um pouco do que a seleção da Espanha vai encontrar na região do CT do Caju

O time comandado por Vicente Del Bosque escolheu o Centro de Treinamento Alfredo Gottardi, o CT do Caju, do Atlético, que fica no bairro, como local de hospedagem. Uma série de atributos pesou na decisão: a fama de ser um dos melhores CTs do país; o clima com temperaturas mais baixas, semelhante ao europeu; e a privacidade, pois a Roja terá o local só para ela, em um endereço afastado do Centro da cidade, o que também significa fora do eixo festivo. Na Copa das Confederações, no ano passado, a equipe se envolveu em polêmicas extracampo, acusada de extrapolarem nas festas nos hotéis em que se hospedaram.

Com a escolha, a Fúria levou a vizinhança do Sítio Cercado de brinde, um acesso gratuito a um Brasil sem maquiagem: o dos bairros populosos da classe C emergente – o bairro curitibano tem 103 habitantes por hectare, mais do que o dobro da média da cidade (40,3 hab/ha) –, e que tem crescido com a arquitetura das casas com laje, que contrastam com as imagens de cartão-postal do Jardim Botânico ou das casinhas de madeira típica de imigrantes europeus que enfeitam os parques e bosques da cidade.

Curitiba em estado bruto: o Sítio Cercado é uma das áreas mais violentas da cidade. No ano passado, foram 51 homicídios e a população reclama da falta de policiamento. Mais pobre do que a média curitibana, a população do bairro ostenta, assim como boa parte da população brasileira na última década, um crescente aumento de renda. Hoje, a média salarial dos moradores é de R$ 726, cerca de R$ 130 a mais do que recebiam há 14 anos, de acordo com dados dos dois últimos censos. Pouco mais do que a metade do que o curitibano recebe em média (R$ 1.424).

Isolados nos 220 mil m² do CT do Caju – este equipado com oito campos oficiais, quadras poliesportivas e um hotel para 180 hóspedes – é pouco provável que os 23 convocados de Del Bosque tenham tempo para conhecer os meandros do Sítio Cercado, que pulsa especialmente na movimentada Rua Isaac Ferreira da Cruz e sua intensa rede comercial e ou descobrir que boa parte da diversão se concentra nos fins de semana nas quadras do Parque do Semeador, a 4 km de onde estão.

Talvez antevendo esse possível desinteresse da Fúria com a região, o bairro também pouco se empolgou em preparativos para os hóspedes ilustres e com a multidão de jornalistas e curiosos que a seleção deve trazer de arrasto consigo. "Estou achando o povo aqui um pouco frio. Mas quando faltar uns 15 dias para eles chegarem, esquenta", estima o comerciante Fernando Aparecido Robles, dono de um bar aos fundos do CT atleticano.

O comércio é o setor que mais movimenta a economia no Sítio Cercado, com 53,6% dos empreendimentos, seguido do segmento de serviços (28,7%). Os principais atrativos do estabelecimento de Robles são a cerveja a R$ 3 a garrafa, petiscos em conserva e o horário de funcionamento: o bar-lanchonete abre às 6 horas da manhã e fecha às 22 h, diariamente. Vai ter algo especial para atender uma possível clientela extra, de curiosos em espiar os espanhóis? A dona do bar e matriarca do clã Robles, Isabel Eduardo Robles, coça a cabeça: "Não preparamos. Eu queria colocar uma tevê grande para todo mundo acompanhar os jogos, mas ainda não sei se o fornecedor [de bebidas] vai colaborar", diz. Tampouco pretende incluir algum sabor hispânico – unas tapas ou una paella, quem sabe? – no cardápio.

Neto de espanhola, Fer­­nando conta que vai, sim, tentar ver a seleção treinando em seu território. "Já pensou? Meu bairro visto pelo mundo todo? Tomara que o David Villa seja convocado". A contar pela pré-convocação o comerciante pode se animar. A seleção definitiva da Roja será divulgada no próximo domingo.

Da entrada do CT, pouco será visto além da movimentação da imprensa. Vista privilegiada terão os moradores que dividem o muro com uma das laterais do terreno do Atlético. A manicure Carine Rodrigues é uma dessas vizinhas. Basta apenas esticar um pouquinho o pescoço além do portão de casa sobre o muro sem proteção e ela pode ver alguns dos campos em que a Roja irá treinar. Não que esteja muito interessada. "Não ligo muito para futebol. Ninguém veio me dizer se vai ter alguma alteração aqui na rua por causa disso. Já teve uma cerca no muro, que parecia elétrica, mas nunca funcionou", diz.

Os moradores terão a sua rotina minimamente alterada, assegura o secretário municipal de Copa, Reginaldo Cordeiro. Do lado de dentro do CT, os espanhóis contarão com seguranças privados e, do portão para fora, um forte esquema que vai incluir Guarda Municipal, polícias Civil e Militar e Exército em operações ostensivas que deve inibir a criminalidade na região durante as próximas semanas.

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