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Direito

Uma história sem mocinhos nem bandidos

O processo de desapropriação da Arena não é uma história de faroeste, com mocinhos e bandidos. Para o doutor em Direito e professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Egon Bockmann Moreira, a comparação com gênero de cinema não se enquadra na discussão, já que a prefeitura também está de mãos atadas no caso.

"Não tem terrorista nem coitadinho. Estamos tratando de pessoas adultas que ou querem compor os interesses da coletividade promovendo um estádio para a Copa ou buscam uma indenização maior", explica. Segundo Moreira, o município não tem opção de negociar os valores, apenas pede e cumpre a avaliação de um perito. Portanto, não haveria como simplesmente pagar uma quantia maior para concretizar um acordo e evitar a decisão nos tribunais.

"Precisa ficar claro a diferença entre valor e preço. A casa onde criei meus filhos não vendo por menos de R$ 10 milhões. Mas, se o metro quadrado naquela área custa tanto, o imóvel, na verdade, vale uns R$ 500 mil", argumenta.

Interatividade

A prefeitura de Curitiba está certa em desapropriar uma área de 2 mil metros quadrados e entregá-la ao Atlético em nome da realização da Copa? Por quê?

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2 mil crianças

O investimento de R$ 12,5 milhões na desapropriação dos terrenos nos arredores da Arena daria para construir quase 10 creches com capacidade para atender 200 crianças. A prefeitura gastou R$ 1,3 milhão no Centro Municipal de Educação Infantil Arnaldo Bertone, no Sítio Cercado.

As duas partes envolvidas no processo de desapropriação dos terrenos para a conclusão da Arena da Baixada para a Copa de 2014, a prefeitura de Curitiba e os proprietários de 15 lotes (total de 6,4 mil m²) no entorno do estádio atleticano, têm visões diferentes sobre o mesmo assunto. Até agora, segundo apuração da Gazeta do Povo, houve acordo sobre dez imóveis – três a menos do que o confirmado pelo município. Dos cinco restantes, pelo menos dois "heróis da resistência" brigam na Justiça para conseguir uma compensação maior do que a oferecida pelo poder público, e três ainda não decidiram se cedem à pressão e aceitam o oferecido ou se arriscam tempo e dinheiro em uma disputa longa nos tribunais. A certeza que todos têm é de que, invariavelmente, seus futuros não estão mais ali.

"Há nove anos fiz o investimento contando com a permanência. Nunca pensei em sair", afirma, pedindo para não ser identificado, o proprietário do escritório de contabilidade ao lado da Arena. Somente ele e o dono da casa ao lado – que preferiu não conversar com a reportagem – tratam do assunto na esfera judicial. "Na minha visão, o que foi oferecido está 30% abaixo do mercado. Tenho avaliações dizendo isso e estou ciente dos riscos", emenda o responsável pelo imóvel de 460 m², reiterando que não quer ser empecilho para o Mundial, mas espera receber o que considera justo, sem citar valores.

Quem questiona o valor cotado pelos técnicos da prefeitura tem o seguinte cenário pela frente. Como o Decreto n.° 1.957 garante a desapropriação da área, 80% do valor total pode ser resgatado pelo proprietário do imóvel, enquanto 20% permanece em juízo até a decisão final da Justiça. Situação cujo risco de se alongar é bastante alto.

"Você não tem perspectiva de quando pode resolver. Dez anos? Pode ser que demore só dois, mas é imprevisível. Não posso esperar. Vai acontecer que vou acabar pegando mesmo...", lamenta um dos moradores indecisos, que também preferiu não se identificar.

"Receber 80%, ter de pagar um advogado sem saber o quanto vai render e em quanto tempo... Ou corre ou fica", completa o técnico mecânico Fernando Leludak, vizinho do estádio há 12 anos.

Segundo a reportagem apurou, mesmo nos casos de acordo amigável, nem todos ficaram totalmente satisfeitos com a oferta. Para os donos, quase sempre há a sensação de que o valor poderia ter sido um pouco mais alto.

"Não chegou naquilo que eu queria, mas, no montante, não foi de todo mal. Era mais ou menos o valor pelo qual eu venderia o imóvel", confirma a psicóloga Márcia Javorski Pacheco. Mesmo calculando uma perda de cerca de 20% na transação, ela diz acreditar que conseguiu evitar mais desgaste aceitando a proposta. "O preço foi justo. Mais alto do que me foi pago é especulação imobiliária", garante outro morador, que não quis se identificar.

Ao todo, de acordo com o Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TC-PR), a prefeitura conta com R$ 12,5 milhões para indenizar os moradores que sairão do entorno do estádio. Para o secretário municipal da Copa, Luiz de Carvalho, o município tem apresentado propostas exatamente dentro do valor de mercado, já que não há como mensurar o valor sentimental de um bem.

"Os valores são atualizados, bem feitos. Poucos não acordaram", aponta Carvalho. "Nossa obrigação é indenizar dentro do mercado. Quem não concorda tem todo o direito de buscar na Justiça", fecha.

Os primeiros ressarcimentos aos moradores devem começar a ser pagos no fim deste mês. A partir daí, os donos têm 30 dias para deixar o terreno.

Prefeitura muda discurso

A suspensão do repasse de verbas do governo estadual para as obras da Arena, na úl­­tima quinta-feira, modificou o discurso da prefeitura de Curitiba sobre o papel do Atlético na contrapartida das desapropriações do estádio.

De acordo com o Tribunal de Contas do estado, faltam transparência e rigor na obra. Por isso, os recursos só serão liberados quando o cronograma físico-financeiro e o termo aditivo do convênio entre o go­­verno, a prefeitu­­ra e o Furacão forem reajustados.

No acordo, o clube compensaria o poder público cedendo dois camarotes, além de 50% do espaço da sede ad­­ministrativa, por cinco anos, à secretaria municipal de esporte.

Agora, o discur­so é diferente. "A contrapartida será dentro da Lei. Não existe doação, nenhum benefício ao Atlético", disse o secretário municipal da Copa, Luiz de Carvalho. "O clube pode ressarcir em dinheiro, cedendo espaço. Pode levar um ano ou cinco, mas vai ter de totalizar esse valor [R$ 12,5 milhões]", explicou.

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