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Petraglia comandou a revolução atleticana em 1995. | Arquivo/GRPCom
Petraglia comandou a revolução atleticana em 1995.| Foto: Arquivo/GRPCom

Não houve “soco na mesa”, nem surto de atleticanismo. A tomada de poder do grupo liderado por Mario Celso Petraglia no Rubro-Negro foi arquitetada antes da goleada por 5 a 1 para o Coritiba, episódio célebre do processo de transição, que nesta quinta-feira (16) completa 20 anos.

O processo que derrubou o presidente do clube, Hussein Zraik, ocorreria de qualquer forma. Mesmo se o atacante atleticano Paulinho Kobayashi protagonizasse o clássico daquele domingo, com três gols, e imitasse os saltos de um coelho, como fez o centroavante coxa-branca Brandão.

A comissão provisória que inaugurou a Era Petraglia foi oficializada um mês e dez dias depois do clássico. Apenas o desfecho de uma novela de ameaças e indecisões que começou a ser escrita ainda em 1994, no auditório da casa na esquina das ruas Buenos Aires e Engenheiros Rebouças, em frente à Baixada.

No princípio, os oposicionistas, liderados por Petraglia, pretendiam suceder Hussein Zraik democraticamente, nas eleições de dezembro do ano seguinte. E José Carlos Farinhaki seria o candidato à presidência.

“Houve a eleição do José Henrique Faria para o Conselho Deliberativo no final do ano. Foi um passo para que eu voltasse como presidente, no lugar do Hussein. Minha eleição era certa”, recorda Farinhaki, mandatário de 1990 a 93.

Já em 1995, os dissidentes prepararam o lançamento da chapa. Entretanto, o propósito vazou precocemente e adiou o início do debate político no Joaquim Américo. Mas o silêncio não demorou a ser arruinado.

O time do técnico Hélio dos Anjos passou a vacilar no Paranaense e a insatisfação – o técnico acabaria demitido e substituído por Sérgio Cosme. Àquela altura, o enredo era bem mais grave: havia a necessidade de encontrar uma forma de arrancar Zraik da sala da presidência.

Veio o Atletiba da Páscoa, que entrou para a história como capítulo da origem da renovação no Joaquim Américo. Durante o intervalo do confronto, apesar dos 3 a 0 no placar, a torcida do Atlético, posicionada na curva da Igreja do Perpétuo Socorro, reagiu entoando o hino do clube.

Abrigado nas sociais do estádio alviverde, acompanhado dos filhos, ainda desconhecido de todos, Petraglia ficou sensibilizado. E o homem que ao longo dos últimos 20 anos se tornou o cartola-mor do Furacão percebeu que era o momento de atacar.

No dia seguinte, durante a exibição do Globo Esporte da hora do almoço, tocou o telefone da residência de Carneiro Neto, colunista da Gazeta do Povo. Do outro lado da linha, Petraglia pediu uma indicação de alguém para assumir a presidência – Farinhaki já não servia mais.

Do outro lado, na mesma segunda-feira, o Atlético anunciou mexidas na gestão, acertadas na semana anterior ao duelo catastrófico. A principal delas, o retorno de Valmor Zimermann para ocupar o departamento de futebol, no lugar de Samir Haidar, licenciado.

“Eu nunca me neguei a ajudar o clube e aceitei”, recorda Zimermann, presidente por duas vezes (1984/85 e 88/89). Desta vez, no entanto, não deu tempo nem para esquentar a cadeira de vice-presidente da bola. O mandato foi recorde: três dias.

Zimermann saiu por ter sido alertado por Petraglia que uma guerra iria estourar na Baixada. Um ato de consideração por quem levou o comandante da insurreição para dentro dos corredores atleticanos, na posição de diretor financeiro, em 1984. A administração do clube começou a ser atacada na imprensa.

Alarmado, o presidente Zraik atraiu Farinhaki logo em seguida para ser o seu novo escudo contra a rebelião. A artimanha serviria para duas frentes: abastecer o elenco com contratações e tentar amansar o ímpeto da oposição, com quem o “polaco” tinha abertura. Não funcionou.

Rapidamente, o Rubro-Negro foi asfixiado por Petraglia, que nasceu em Cruzeiro do Sul-RS. Peça importante na campanha que elegeu Jaime Lerner governador do Paraná em 1994, o empresário usou sua influência para barrar empréstimos de bancos ao clube, completamente endividado.

Ao mesmo tempo, o Conselho Deliberativo ajustou a manobra para afastar Zraik. Um novo artigo prevendo a existência de uma comissão gestora foi elaborado e, com aprovação geral, acabou incluído no estatuto rubro-negro, com o auxílio de João Augusto Fleury, membro do departamento jurídico.

“Foi um jeito que encontramos, com muitas reuniões e discussões de todos, de achar um caminho correto para os anseios do clube. O desejo de mudança já era quase uma unanimidade”, comenta José Henrique de Faria, então presidente do Conselho Deliberativo.

Mesmo solitário e enfraquecido, Zraik não aceitou renunciar e propunha, no máximo, antecipar as eleições. Acabou convencido por uma “proposta” irrecusável: caso não pulasse fora, poderia ter de arcar, pessoalmente, com encargos do Atlético. Além disso, concordou com a chance, mais honrosa, de declarar-se impedido de comandar o clube.

Foi o que aconteceu no dia 17 de maio, corrido pouco mais de um mês do Atletiba. E para que a comissão provisória alcançasse o poder, foi necessário ainda que tomassem a mesma atitude de Zraik o vice-presidente, Abílio Abreu Neto, o presidente do Deliberativo, José Henrique de Faria, e o vice do órgão, Raul Mazza Júnior.

“A política do Atlético entrou em completa ebulição. Eu estava com as ações esvaziadas e o Mario [Celso Petraglia] tinha muito poder e um plano ousado. Aceitei pensando naquilo que poderia ser melhor para o Atlético”, diz Hussein Zraik.

A pista estava livre, mas Petraglia tinha receio de ter de “pagar a conta”. E por causa disso, titubeou até o último momento. Até mesmo minutos antes da reunião para anunciar a comissão provisória, dia 26 de maio. Disse que não assumiria mais, preocupado com os débitos de cerca de R$ 2,5 milhões do Rubro-Negro.

A aproximação definitiva com o Atlético, há duas décadas, coincidiu com o afastamento gradativo do então novo cartola do controle da Inepar. Um dos conglomerados mais poderosos do Paraná, a empresa foi dirigida pelo gaúcho junto com os irmãos Atilano e Jauvenal de Oms.

O empresário conhecia o potencial do futebol para gerar dinheiro e tratava abertamente da disposição de transformar o clube do coração em negócio. Impulsionado por esse desejo de participar de grandes transações, a hesitação ficou para trás e Petraglia subiu o seu 1,90 m pelas escadas.

Discursou com entusiasmo para os conselheiros e abriu, oficialmente, os trabalhos da comissão. O conjunto dispunha, entre outros, de Ademir Adur, Ênio Fornea, Marcos Coelho e João Augusto Fleury da Rocha, personagens também importantes na evolução do Furacão, todos atualmente afastados.

Na mensagem, Petraglia fez questão de realçar o quanto a reação da torcida, cantando o hino nos 5 a 1 do dia 16 de abril, o empurrou até aquela passagem memorável. Passados vinte anos, tudo o que aconteceu no Atlético só reforça o impacto no cartola empreendedor do verso composto por Genésio Ramalho e Zinder Lins: “Atlético, Atlético, conhecemos teu valor”.

Mario Celso Petraglia foi procurado pela reportagem para falar sobre a revolução de 1995, mas o dirigente não concede entrevistas ao jornal.

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