• Carregando...
Lico Kaesemodel, piloto da Stock Car, desembolsou R$ 38 mil para comprar o simulador em que treina para competir na pista de Interlagos e em circuitos da Europa | Marcelo Elias/ Gazeta do Povo
Lico Kaesemodel, piloto da Stock Car, desembolsou R$ 38 mil para comprar o simulador em que treina para competir na pista de Interlagos e em circuitos da Europa| Foto: Marcelo Elias/ Gazeta do Povo

Opinião

Em pouco tempo os simuladores suplantarão os jogos reais

Ewandro Schenkel, titular da coluna Overgame, do caderno Tecnologia da Gazeta do Povo

Choveria no molhado se começasse este texto falando do extraordinário avanço tecnológico no qual chegaram os jogos eletrônicos. Qualquer um que tenha passado por uma loja de eletrônicos nos últimos anos pode confirmar o grau de realismo presente naquelas caixas comumente chamadas de videogames. Já é fato que não se pode mais ver diferenças entre o real e o simulado apenas olhando para uma tela. Muitas vezes o mundo tridimensional parece até mais verdadeiro que o de carne, osso e chuteiras (substitua pelo acessório do seu esporte preferido).

No começo era necessário ter muita imaginação para considerar que um quadrado sambando de um lado ao outro da televisão se tratava de um jogo de tênis. Hoje, num planeta infestado de Wiis, muitos manejam o controle com tamanha habilidade e aplicam raquetadas que nem um Federer poderia desferir num dia de inspiração. Num pretensioso exercício de futurologia, não seria loucura afirmar que em pouco tempo os simuladores suplantarão os jogos reais.

Alguns casos nos quais a simulação está num nível de perfeição que quase substituem a prática: Microsoft Flight Simulator, fiel na reprodução do funcionamento de um avião que se tornou obrigatório na formação de pilotos; American’s Army, usado pelo exército americano para treinamento das tropas e para recrutamento; Guitar Hero, impossível não se imaginar um Deus do rock ao empunhar a guitarra de plástico. Este último não simula o assédio das fãs. Um ponto a se melhorar.

A coisa está tão séria que equipes da NBA chegaram a usar videogames para simular partidas do campeonato. Segundo a agência Lancepress, diretores usaram o jogo NBA Live 09 para analisar o desempenho de suas equipes em partidas futuras. Com isso, puderam prever jogadas e o desempenho de cada jogador por meio de estatísticas. "Mas, infelizmente, não é possível saber o que acontece após uma noitada ou a relação do jogador com os companheiros", afirmou gerente geral do Houston Rockets, Daryl Morey, ao Los Angeles Times. Ainda não é possível, frise-se.

Além disso, videogame é uma espécie de esporte do futuro. Veja o caso do Wii Fit, um acessório que permite às pessoas realizarem acrobacias na sala de estar. Entre os exercícios, um fez a alegria da galera, o tal do bambolê. Você marmanjo que lê este texto deveria se emocionar com o "revival" desta antiga modalidade. Por culpa da Nintendo, uma avalanche de vídeos caseiros apareceu na internet. Tudo autoria de namorados mostrando a performance das parceiras na prática da rebolação. Deveriam criar um canal a cabo só para isso. Ou você prefere acompanhar o campeonato sul-mato-grossense de bocha, o curling do pantanal?

Os primeiros testes para a estreia na Stock Car 2010, em Interlagos, feitos em um game de corrida de Fórmula 1. Um título do Campeo­­nato Paranaense de futebol en­­saiado no Wining Eleven. Luta­­dores de tae kwon do treinando no Street Fighter para a Olimpíada de Pequim. Não se trata do Second Life (um mundo virtual na internet), tampouco de algum filme nacional nos moldes de Avatar: é na vida real mesmo.

O videogame começa a virar suporte para setores imprescindíveis da sociedade. A polícia do Amazonas, por exemplo, utiliza um jogo de simulação para a reciclagem de seu policiais. Na Medicina, o médico James Rosser Jr., de um hospital de Nova Iorque, tem um X-Box e um Playstation 2 e neles se prepara para realizar cirurgias delicadas. E se no esporte a utilização do brinquedo para fins "sérios" não é uma novidade tão grande, está ganhando cada vez mais espaço como forma de planejamento e treinamento.

"De certa forma, tudo que so­­­ma conhecimento para a gente acaba sendo usado", afirma Ra­­fael da Costa, presidente da Tech Front, empresa curitibana que criou jogos como Dracula Files, Burger Island e Puzzle City, conhecidos mundialmente. "Na maioria desses casos o game funciona como simulador. Se olhar na Fór­­mula 1, por exemplo, o Lewis Ha­­milton, no ano de estreia, conheceu todas as pistas do mundial assim (jogando)", lembra.

Não é preciso ir tão longe. O piloto curitibano de Stock Car, Lico Kaesemodel, utiliza os games desde 2004 como parte de sua preparação. Na época, corria na Maserati e foi convidado para participar de uma corrida em Monza, com pilotos de Fórmula 1. Não conhecia o circuito. "Comprei um CD de computador com um jogo de Turismo e fiquei jogando. Ajudou muito, principalmente no traçado", conta o corredor. Ele reclama apenas de não existir ainda nenhum jogo da Stock brasileira. "Mas a gente treina ao menos em Interlagos, que tem em qualquer jogo de Fórmula 1", comenta.

Empolgado com a novidade, Lico mandou fazer um simulador ao custo de R$ 38 mil. Nele, senta no cockpit, à frente de uma tevê de 42 polegadas, e disputa várias provas do game Fórmula 1, que roda em um Playstation 3, misturando diversão com treino.

Essa talvez seja a forma mais direta e conhecida do auxílio dos games ao esporte. Mas há variações. Na Inglaterra, às vésperas da Olimpíada de Pequim, a seleção de tae kwon do do país agregou aos treinos o jogo de luta Street Fighter, para aumentar a atenção e motivação dos atletas.

"Hoje em dia o aspecto motivacional em uma luta é muito importante. E o uso do videogame é uma situação diferente. E tudo que é diferente ajuda nesse sentido", afirma Fernando Madureira, técnico da seleção do Brasil.

Mais curioso é imaginar que os games, criados como uma forma de simular a realidade, estão alterando-a. Nos Estados Unidos, por exemplo, o quarterback Kyle Orton, do Denver Broncos, tinha apenas 28 segundos para virar uma partida de futebol americano e conseguiu graças a uma jogada que aprendeu no game licenciado da NFL. No Brasil, ano passado, Jorge Henrique e Elias garantiram a vitória do Corinthians sobre o Santos copiando um lance que haviam usado no videogame da concentração. No Paraná, em 2007, uma das armas para o ACP conquistar o paranaense teria sido o Wining Eleven. Ao menos é o que garante o zagueiro do Pa­­raná, Diego Correia, na época no Vermelhinho.

"No Paranavaí, o Amauri (treinador) e o Robert (auxiliar) montavam o esquema no videogame e depois arrumavam em campo", conta.

A única divergência sobre o assunto no futebol é quanto à verdadeira semelhança do jogo com a realidade. Vale aqui a lembrança do conhecido caso do goleiro Marco Amelia, do Palermo, que em 2008 pegou um pênalti batido por Ronaldinho e afirmou ter se baseado nas características do brasileiro no game Fifa.

"Aí já não acredito. É muito diferente. Isso deve simplesmente ter sido coincidência", opina o goleiro Neto, do Atlético. "Para mim, videogame é muita mentira, o futebol é bem menos fantasioso", completa Marcos Paulo, volante do Coxa.

Mas o especialista os contraria: "Nesses jogos as características do jogador não foram copiadas, mas são exatamente as mesmas. Pois é feito com uma tecnologia que captura os movimentos dos atletas que vendem os direitos com sensores. Sou capaz de dizer que, daqui a alguns anos, quando os atuais jogadores pararem, o videogame servirá como uma espécie de livro de história virtual", afirma Rafael da Costa.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]