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Mari (com a bandeira nas costas) engrossa o “bolinho” das jogadoras na quadra, logo após a decisão: na coletiva, a oposto “emprestou” sua medalha para Zé Roberto Guimarães. | Alexander Demanchiuk/ Reuters
Mari (com a bandeira nas costas) engrossa o “bolinho” das jogadoras na quadra, logo após a decisão: na coletiva, a oposto “emprestou” sua medalha para Zé Roberto Guimarães.| Foto: Alexander Demanchiuk/ Reuters

Bi, Zé Roberto paga "dívida com o Brasil"

Zé Roberto Guimarães entrou definitivamente para a história do vôlei mundial. Ele é o único treinador no planeta duas vezes campeão olímpico dirigindo equipes de sexo diferente. Em Barcelona-92 com os homens, e agora, em Pequim, no comando das mulheres.

A marca passou quase despercebida durante a celebração individual do treinador. Enrolado numa imensa bandeira do Brasil, Zé Roberto preferiu desabafar. Mas não um desabafo de protesto, igual ao da atacante Mari e o de Bernardinho, técnico do time masculino, que aproveitaram as vitórias sobre os Estados Unidos e Itália, respectivamente, para cutucar aos críticos.

A resposta do treinador era direcionada ao povo brasileiro. "Tive de criar forças para refazer um trabalho. Estava em dívida com o Brasil, mas pude pagar com juros e correção monetária. Tirei um peso enorme das minhas costas. Era como se tivesse deixado um pedaço de mim em Atenas. Não sorria, só tinha vontade de me esconder num buraco", revelou ele. "Só que no fundo eu sabia que um dia aquela bola da Rússia cairia. E caiu aqui em Beijing (Pequim)", acrescentou.

Zé Roberto virou um especialista no universo feminino. Atendendo a um conselho do colega Nikolai Karpol, técnico da Rússia responsável pela traumática eliminação do Brasil em 2004, o bicampeão olímpico resolveu se dedicar apenas às mulheres.

"Acho mais difícil trabalhar com mulheres do que com homens. Elas são mais sensíveis", afirmou, entregando em seguida uma tática usada pela equipe para controlar a Tensão Pré-Menstrual (TPM) durante a vitoriosa campanha na China. "Atrasamos a menstruação de algumas delas. Deu certo na maioria dos casos. Mas em outros não. O mau humor continuou", disse, rindo, sem revelar nomes.

Com a alma lavada, ele já adiantou que segue no cargo, pensando em renovação, em encontrar uma substituta para a levantadora Fofão, que se despediu oficialmente da seleção. "Mas quero pensar nisso depois. Hoje (ontem), não vou nem dormir para comemorar", ressaltou ele, que, durante a entrevista coletiva, pediu emprestada a medalha dourada de Mari para pendurar no pescoço. Afinal, ela é sua também. (CEV)

O desabafo partiu de Fabi. A líbero pegou a ponteira Mari pelas mãos e a levou em frente às câmeras. As duas, dedo indicador sobre a boca, pediram silêncio aos críticos, que teimaram em perseguir a "Mulher de Gelo" por longos quatro anos, desde a derrota para a Rússia em Atenas – a jogadora desperdiçou ataques importantes no quarto set, quando o Brasil precisava de apenas um ponto para fechar o jogo e se classificar à final.

"Ninguém merece mais essa medalha do que a Mari. Ela foi crucificada sem ter culpa. Viveu quatro anos perturbada por causa de uma bola", disse a carioca. "Para quem criticou, silêncio total. Agora, vão ter que aplaudir de pé, pois somos campeãs olímpicas", acrescentou a atacante criada em Rolândia, Norte do Paraná.

Ontem era mesmo o dia da redenção de Mari. A jogadora comemorou seu aniversário de 25 anos sendo bombardeada pelas americanas. Na tentativa de desestabilizar a atleta, os Estados Unidos direcionaram a maioria dos saques para cima da camisa 3, principal arma ofensiva do time de Zé Roberto.

"Isso é tática. Quiseram me tirar do ataque, mas não conseguiram", explicou a maior pontuadora do Brasil, com 14 acertos. "Foi coisa de Deus ganhar um presente desses. Não foi fácil, a gente passou por muita coisa. Essa é a prova do nosso trabalho. Tínhamos motivos para desistir, achar que éramos fracassadas, mas não fizemos isso. Essa medalha é a prova", prosseguiu.

Zé Roberto também saiu em defesa da jogadora. O técnico contou passo a passo a estratégia que formulou para recuperar o voleibol da atacante, afastada da seleção no ano passado por não "estar com a cabeça no lugar".

"Quando eu decidi ir para a Itália (treinar Scavolini Pesaro), levei a Mari comigo. Precisava acompanhá-la de perto e adaptá-la a uma nova função (deixou de ser ponteira para ser oposto, assumindo o lugar de Sassá na seleção). Ela focou a equipe e deu a volta por cima. Merece tudo o que está acontecendo."

Passada a euforia inicial, Mari retomou a velha frieza, característica principal da descendente de russos e alemães. Não sem antes mandar outro recado aos detratores. As palavras, escolhidas a dedo.

"Não vivo por causa de uma bola. Sou atacante e bato não sei quantas bolas por jogo. Aqui ninguém mais comenta nada sobre Atenas. Costumo olhar para frente. Se fosse me apegar a este tipo de coisa, não teria sido campeã agora", comentou, encerrando a entrevista e entrando no vestiário, onde foi ovacionada pelas companheiras. Enfim, a "Mulher de Gelo" voltou a sorrir.

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