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Pena mostra com orgulho seu acervo histórico | Henry Milleo/Gazeta do Povo
Pena mostra com orgulho seu acervo histórico| Foto: Henry Milleo/Gazeta do Povo

O dia 29 de junho 1958 entrou para a história quando Bellini ergueu a primeira taça do campeão do Mundo do Brasil, na Suécia. Essa data também mudou a história de um senhor de 70 anos, natural de Ponta Grossa, que, de um simples ouvinte, virou o repórter da história.

Por coincidência do destino, conhecemos o senhor Carlos Alberto Corrêa, ou, como ele gosta de ser chamado, Carlos Alberto Pena, exatos 60 anos depois desta grande conquista brasileira. Às 09h01 do dia 29 de junho de 2018, em um sobradinho cinza de uma rua sem saída do bairro Vista Alegre, Pena abriu em sua casa para falar sobre sua relação com a seleção brasileira, o futebol e o jornalismo.

De camisa e calça social, pediu à esposa sua boina preta “para ficar bem na foto”, já que, por conta de uma doença e da reação de um produto capilar, os fios de cabelo são raros. Assim que se sente pronto, começa a falar e logo se vê o porquê tornou-se um radialista tão conhecido e requisitado no final do século passado em Curitiba. A voz ainda segue entoada e com uma grande sequência de palavras, herança de quem passou muito tempo improvisando nas ondas sonoras.

Antes mesmo da entrevista, Carlos Alberto Pena já mostrou um pouco do seu “museu”: uma réplica em miniatura da taça Jules Rimet, o troféu da Copa do Mundo até o ano 1970 (que ficou em posse definitiva da seleção brasileira após o tricampeonato mundial), um radinho e duas fitas especiais (que mostram suas entrevistas com o capitão Bellini e Mané Garrincha) e um quadro com uma foto sua ao lado de Pelé, seu grande ídolo no futebol.

Henry Milléo/Gazeta do Povo

Nascido em 1948, Carlos Alberto Pena se mudou para Curitiba em 1956, mas, até então, não era muito fã do esporte. Aos 10 anos, acompanhou pela primeira vez uma Copa do Mundo pelo rádio e se apaixonou logo de cara. Tanto que, até hoje, os jogos são acompanhados assim. “Eu assisto os jogos com a imagem da TV, mas o som é do rádio. O rádio é emoção”. E mal sabia ele que aquela paixão que começou na infância se transformaria em sua profissão.

Desde a infância, Pena ouvia música clássica. Então, a sensibilidade sempre esteve presente em sua pele. Com isso, depois de todos os acontecimentos do primeiro título da seleção, passou a acompanhar mais de perto as transmissões das partidas. Em 62, veio o bicampeonato, com Mauro Ramos levantando a taça. E, após oito anos, o título do Esquadrão de 70, com o xará Carlos Alberto Torres fazendo as honrarias. “Pergunte-me das seleções para frente, eu não sei, porque não me entusiasmaram. Aquela seleção de 94, por exemplo, era um retranca, não era o futebol brasileiro”, define.

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Humanizando um ídolo

E foi um ano depois do tricampeonato mundial brasileiro, em 1971, que Pena estreou no rádio, ainda como um repórter semiprofissional. Como a história estava em seu sangue, acabou se tornando profissional esportivo por conta de uma entrevista com seu maior ídolo: Pelé. Como todo iniciante, teve dificuldades com o equipamento pelo nervosismo da estreia, mas com a simpatia do Rei logo a entrevista fluiu. E dia 15 de setembro de 1973 ficou marcado na memória de Pena.

“Eu entrevistei ele num hotel, quando o Santos veio enfrentar uma equipe nossa. Eu fui o único a entrevistar ele naquele dia e tive de esperar nove horas. Esperei todas programações do dia e, depois do jantar, ele veio. Só eu e ele. A medida que eu fui fazendo as perguntas, ele foi gostando, porque eu fiz perguntas que ninguém faz, pessoais, humanas. No dia seguinte, saiu uma notícia, em um outro veículo, que o Pelé não gostou e ele não deu mais entrevista aqui [em Curitiba]. A partir daí, eu comecei a trabalhar com futebol”, contou emocionado.

Pena trabalhou na Rádio Cultura, na Rádio Universo, na Rádio Clube, passou pela Independência, Rádio Globo, na época Rádio Cruzeiro do Sul, e pela Rádio Positiva. Não trabalhou oficialmente na Banda B, mas suas principais e marcantes reportagens às vezes são colocadas no ar pela emissora. Pena se orgulha em contar que dividiu transmissões e jornadas com nomes como Amilton Correia, Dirceu Graeser e Lombardi Júnior. E garante que “o futebol só é popular graças ao rádio, à televisão e aos jornais”.

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Repórter do aeroporto

Mas, antes de trabalhar com o esporte mundial, Carlos Alberto Pena foi um grande e sagaz repórter do aeroporto Afonso Pena. O apelido e composição do “nome profissional” também vêm deste período. Pena conta que muitos repórteres receberam a oportunidade, mas não conseguiam trazer noticiais relevantes. Ele não. Adaptou-se rapidamente até por conhecer um pouco de aviação, já que serviu a força aérea quando mais jovem. E foi graças ao seu trabalho no aeroporto que Carlos Alberto Pena conseguiu grandes entrevistas. Uma delas, inusitada, faz parte daquelas que ele mais tem orgulho – e que, não à toa, estava numa das fitas separadas por ele no começo da conversa.

“Em 76, eu encontrei o Mané (Garrincha) no aeroporto. Ele veio inaugurar uma cancha de esportes em Curitiba, e os caras o deixaram esperando duas horas no aeroporto. Eu o vi no bar, mas ele não estava bebendo. Então, fui conversar, pedi uma entrevista, e ele aceitou. Eu fiz ele contar um pouco de sua história, carreira e tudo. Não sou aquele cara que pergunta só o que está na pauta”, afirma.

Pena ainda revela que, no período em que trabalhou no aeroporto, de 1980 a 1983, trazendo notícias do tempo e dos voos, também salvou um avião de uma explosão. “Uma vez, eu fiz um avião voltar da cabeceira da pista com quase 150 pessoas a bordo. Eles esqueceram uma peça, e o avião ia explodir durante a viagem. Eu poderia perfeitamente ter ficado quietinho e esperado para dar a notícia. Mas não, eu tenho espírito franciscano”. A lembrança deste dia, ele traz no punho esquerdo: um relógio que ganhou de presente de um funcionário da empresa de aviação por ter evitado a tragédia.

Carlos Alberto Pena não conseguiu trabalhar in loco em nenhuma Copa do Mundo, mas conseguiu mais do que muitos repórteres. Entrevistas exclusivas feitas anos depois dos títulos com Bellini, Pelé, Garrincha e Mauro Ramos que são seus trunfos e motivos de orgulho.

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Acervo de historiador

Atualmente, Carlos Alberto Pena tem um acervo de dar inveja aos amantes do futebol. O repórter da história preserva jornais, revistas, tabelas das Copas do Mundo, almanaques, pôsteres das seleções ainda em preto e branco, revistas especiais dos mundiais e discos de vinil. E, como um bom repórter, tem guardadas em sua casa quase mil fitas com transmissões de partidas, entrevistas e especiais que marcaram época por emissoras de todo o Brasil, todas conservadas em uma caixa de madeira, que ele diz ser o seu segredinho para mantê-las intactas, e separadas por cores.

Hoje, um historiador e enciclopédia ambulante, como o próprio se define, Pena guarda todos estes momentos em sua memória e tenta compartilhar tudo o que pode com quem se interessa por seu “pequeno museu”. Apesar de casado há mais de 40 anos, Pena não tem filhos, por isso, todo seu acervo ainda não tem um futuro definido. Questionado sobre o que irá fazer com os arquivos, ao contrário das outras respostas, ele é curto: “não sei”.

Depois de toda a conversa, que somou quase quatro horas, Pena ainda fez questão de mostrar os seus arquivos guardados em computador. Ainda que sem grandes habilidades com o notebook, abriu seu programa de edição, separou alguns áudios e mostrou com brilho nos olhos os especiais e as entrevistas que produziu na época de repórter. Depois de tudo isso, não há quem questione que ele não seja, realmente, o repórter da história.

“O mais importante como repórter e profissional é você valorizar a pessoa humana, se você for um artista e não for gente, eu não te entrevisto”.

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