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Gustavo Kuerten hoje toca projetos sociais. | ANDRE RODRIGUES/Gazeta do Povo
Gustavo Kuerten hoje toca projetos sociais.| Foto: ANDRE RODRIGUES/Gazeta do Povo
“O jogo com o Agassi foi inesquecível”, recorda Guga

Quanto a derrota para o Agassi, na primeira rodada, mexeu com você?

A obsessão era tão grande por um objetivo muito difícil que a vida deixou de ter importância em um pequeno momento. E eu não sou assim. A grande transformação depois da derrota para o Agassi foi a noite em que passei com a minha mãe no quarto do hotel. Recuperei a tranquilidade.

A derrota do Marat Safin (então número 1) na semifinal te permitiu sonhar de novo com o topo. Como foi esse momento?

Cheguei para a semifinal com o Pete Sampras cheio de esperança. O Safin tinha tomado uma escovada para o Agassi na outra semi. Então, ele sai de quadra e passa pelo Sampras e fala: “Boa sorte, Sampras, eu dependo de ti”. E eu ali atrás dele. A decisão voltou para a minha raquete, mas tinha pela frente um gigante do tênis.

Como foi vencer Sampras pela primeira vez e chegar à final?

Eu perco o primeiro set em um detalhe, uma bola que pega na rede. Ele jogava uma bola incrível, mas me ganha por 7/6, apertado. Quando sento no banco no intervalo, tinha na cabeça a certeza de que iria vencer: “Não adianta, Sampras, tu é o melhor de todos os tempos, mas hoje o Guguinha vai ter que te derrubar”. Volto para o segundo set, e as coisas funcionam com uma fluidez. Ele era o favorito, mesmo eu sendo o número 2. Isso porque estava jogando na quadra que ele dominava, e eu nunca tinha vencido um torneio em quadra rápida. Antes mesmo de fazer o último ponto, já estava enxergando o Agassi na final.

Como foram os momentos antes da decisão?

Falo até que é parecido com Matrix, eu acordei no domingo enxergando tudo. Eu me via derrotando ele, levantando a taça, comemorando. Eu não estava enfrentando o “Zequinha-ali-da- esquina-do-bairro”. Era o Agassi que eu tinha de derrotar para virar número 1. Quando quebro o saque dele no primeiro game, essa certeza aumenta. Eu passo essa mensagem para ele tantas vezes que ele chega a sair do prumo. Uma hora, ele erra a virada de quadra antes de terminar o game. Esse jogo com o Agassi é a minha melhor performance na vida, um jogo irretocável. Cometo erros nas horas em que é possível cometer. Nos momentos decisivos, sou agressivo e acerto tudo, e em momento de pressão isso é mais difícil. Mas foi fundamental a minha família. Olhar para o lado e ver aquelas pessoas que se sacrificaram para eu estar ali, desfrutando daquela momento que é de pura emoção.

Depois da conquista do título, a tua avó Olga pede uma foto com o Agassi. Como pedir isso depois de derrotá-lo?

Essa foto da minha avó com o Agassi foi muito bacana. Primeiro não sei porque ela cismou em tirar foto com o Agassi, ela nunca tirou foto com ninguém. Ele era o mais carismático que conheci no tênis. Ele tinha uma generosidade comigo, basta ver o que falou depois da final, para eu aproveitar o momento porque tudo passa muito rápido. Essa foto ela tem em um álbum de Lisboa, guarda com carinho. São essas histórias que dão um tempero especial à conquista.

Nos braços da mãe, Alice Kuerten, Guga encontrava consolo. A derrota para Andre Agassi no primeiro jogo do Masters Cup de 2000, em Lisboa, Portugal, foi avassaladora. O jogo não saía da cabeça do tenista. O erros da partida mexeram com a confiança do catarinense. A noite foi longa, Gustavo Kuerten só foi dormir às 4h, no colo da mãe. Poucas palavras foram trocadas. Não havia frases de incentivos nem de cobrança, apenas carinho e amor, tudo aquilo que apenas uma mãe pode dar ao filho.

“Eu sentia uma dor imensa depois da derrota, principalmente a sensação de terminar o ano com o desgosto de ver o número 1 tão perto e escorrer pelas minhas mãos. Naquele ato de afeto, ela conseguiu reacender essa chama”, recorda, emocionado, Guga, que nesta quinta (3), completa 15 anos de seu maior feito: chegar ao topo do ranking mundial ao conquistar o torneio com os oito melhores do mundo em Portugal.

Atrás de um tenista existe um staff com técnico, preparador físico, entre outros, mas no fim das contas o que importa é a luta dentro de quadra, quando o atleta está sozinho. É um esporte que demanda força mental – a confiança é essencial para acertar a bola no outro lado da quadra sucessivas vezes ao longo de uma partida. Era isso que o catarinense recuperou nos braços de Alice.

Kuerten tinha sofrido uma lesão na derrota para Agassi. As costas doíam demais. Depois de certo suspense se continuaria ou não no torneio, o então número 2 do mundo foi à quadra mais três vezes até chegar à final contra o americano, outra vez. Antes da revanche com o 8º do ranking, o catarinense derrotou Magnus Norman, Yevgeny Kafelnikov e Pete Sampras, o último pela primeira vez na carreira.

Em 3 de dezembro de 2000, um confiante e predestinado Manezinho da Ilha – como Guga também era chamado – entrou em quadra para presentear os fãs de tênis com uma atuação espetacular que deixou Agassi atordoado. No final, o brasileiro aplicou um triplo 6/4 no americano. Foi a consagração de Guga. Em cinco anos entre os profissionais, o brasileiro atingia o topo do mundo, feito que o elevava ao mesmo patamar de ídolos como Pelé e Ayrton Senna.

“O tenista excepcional já existia em mim, mas precisava trazer o garoto de Floripa de volta. Minha vida seria transformado por completo se terminasse a minha carreira com o número 2 do mundo, que também é extraordinário. Conquistar essa cerejinha no bolo, o número 1, teve um incômodo desnecessário. Mas a mãe, através de um cafuné, fez tudo mudar. Que bom ter a minha família do meu lado. Sem eles lá, não conquistaria o título”, afirma o eterno número 1 do Brasil.

Novos ídolos

Em novembro, o Brasil voltou a ter um melhor do mundo no tênis, quando Marcelo Melo assumiu a liderança do ranking de duplas. Apesar de a repercussão do feito não ser igual à da conquista de Guga há 15 anos, o país tem uma nova oportunidade para desenvolver o esporte.

“Hoje a confederação está muito mais estruturada do que na época do Guga. Com certeza vamos aproveitar isso ao máximo para aumentar a prática do tênis. Isso seria muito bom para o esporte brasileiro”, espera Melo.

A melhor estrutura oferecida pela Confederação Brasileira de Tênis é sustentada pelo patrocínio dos Correios. “Hoje temos mais investimentos no tênis se comparar com a época em que o Guga ainda jogava”, diz Thomaz Bellucci, o melhor brasileiro no ranking (37º).

Em 2015, a CBT também firmou uma parceria com a Federação Francesa de Tênis em busca de melhorias não só com atletas. “”Estudamos o modelo de gestão da área de Roland Garros e estamos utilizando como base para apresentarmos o plano de absorção do legado olímpico para depois do Rio-2016”, diz Jorge Lacerda, presidente da CBT.

É fato que o Brasil não aproveitou a empolgação criada pelos títulos de Guga, mas o maior tenista da história do país continua inspirando a evolução do esporte. O ex-campeão espalhou pelo Brasil 30 unidades da Escolinha Guga Kuerten, que atende crianças de cinco a 10 anos. “Em alguns anos poderemos ter 70 escolinhas. E a longo prazo, daqui a 20 anos podemos estar falando de quantos tenistas vamos ter no top 10”, diz Guga.

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