• Carregando...
 |
| Foto:

Rio – Os moradores do subúrbio carioca costumam dizer que existem dois Rios de Janeiro: o dos turistas, que fica de frente para o Cristo Redentor, na famosa Zona Sul, e o de verdade, atrás do grande símbolo da cidade, onde imperam o crime, o tráfico e a pobreza. Guardadas as devidas proporções, é possível dizer que há dois Pans. Um, dentro das instalações esportivas, onde os principais atletas da América irão buscar medalhas e recordes; e outro, para quem vive no entorno de ginásios e estádios, cheio de incerteza e sem nenhum glamour.

A exatos cem dias da abertura, a maior competição esportiva das Américas virou sinônimo de dor de cabeça e desapropriação para moradores de duas favelas e um bairro carioca. A abertura e alargamento de novas vias de acesso para o Estádio Olímpico João Havelange, o Complexo do Autódromo e a Vila Pan-Americana vão provocar o desaparecimento parcial ou total da Favela do Anil, da Vila Autódromo e de casas no bairro Engenho de Dentro.

A situação mais preocupante é a da Favela do Anil. Criada nos anos 50 como uma vila de pescadores, a comunidade abriga, atualmente, mais de 1.200 famílias. O local foge do estereótipo da favela carioca. Ao invés de ocupar um morro, os moradores construíram casas em volta de um rio, o Canal do Anil (disposição semelhante à Vila das Torres, em Curitiba, vizinha do Rio Belém). A área é considerada de risco de enchente, algo facilmente comprovado pelos menos de dez metros que separam os barracos da rasa margem do rio, além de se localizar em uma região de preservação ambiental.

A localidade entrou na rota do Pan por ser vizinha à Vila Pan-Americana. A prefeitura carioca pretende transformar a margem do rio em uma via canal, o que resolveria o risco de enchente e criaria uma nova opção de acesso ao condomínio que irá abrigar os atletas durante os Jogos.

Para dar espaço à obra, 250 casas foram literalmente "marcadas para morrer". Há algumas semanas, a prefeitura numerou 250 barracos erguidos na margem do canal. Antes disso, já havia oferecido de R$ 3 mil a R$ 10 mil para cada proprietário para pôr as moradias no chão. A maioria achou o valor baixo e o impasse foi inevitável. Na semana passada, alguns moradores fecharam três pistas da Avenida Ayrton Senna, em frente da Vila, para protestar.

"Não é justo um evento grande como esse, onde estão investindo milhões, provocar a desapropriação de até 450 famílias", afirma Francisco Alberto dos Santos, presidente da Associação de Moradores do Anil.

Ele diz acreditar que interesse maior é das construtoras que vão comercializar os apartamentos da Vila Pan-Americana depois dos Jogos. No entendimento de Santos, um imóvel vizinho a uma favela teria menor valor de mercado.

Essa é a mesma idéia de Moisés Miguel Vieira, morador da Favela do Anil há 45 anos. Ele possui um barraco de madeira construído sobre uma árvore, bem na ponta do canal. Da janela do seu quarto é possível ver a Vila, obra que pode fazê-lo trocar de casa.

"O Pan está sendo usado como desculpa. O interesse maior na nossa saída é das imobiliárias", diz ele, que separa os Jogos do risco de desapropriação. "Os atletas não têm nada a ver com isso. Vou assistir às competições pela tevê e torcer pelo Brasil", garante.

No Engenhão, as ruas de acesso, onde mal passam dois carros, serão alargadas para dar vazão ao fluxo de veículos. "As desapropriações já foram autorizadas pela Justiça e o dinheiro está depositado em juízo", afirmou o presidente da Empresa Municipal de Urbanização (Rio-Urbe).

No caso da Vila Autódromo, o "algoz" é a obra do complexo que abrigará ciclismo, esportes aquáticos, basquete e ginástica. Mais uma vez, a razão da desapropriação seria a abertura de novas vias de acesso.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]