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Quando menino, eu adorava jogar basquete. Mais do que futebol. E olha que eu gostava de jogar futebol. Alguém podia dizer que essa preferência se explicava porque eu era perna-de-pau. Quem vê hoje a insignificância do basquete brasileiro não pode imaginar o que ele já foi. Mesmo assim, não consigo achar normal os meninos brasileiros serem fãs somente de jogadores da NBA. Os meus ídolos eram jogadores brasileiros.

Morava em São José dos Campos e, naquela idade em que a gente começa a entender melhor como o jogo funciona, havia dois grandes times muito próximos. Na virada dos anos 60 para os 70, era o Trianon, de Jacareí. Um dos melhores jogadores daquele time, armador da seleção brasileira, era Edvar Simões, meu professor de Educação Física na escola primária. No início da década de 80, foi a vez de o Tênis Clube de São José dos Campos ser bicampeão paulista, com um time que tinha o genial e já então veterano Ubiratan, Carioquinha, Nilo, Zé Geraldo e Pipoca, que se transformaria em ídolo mais adiante.

Foi exatamente nesse período que craques como Oscar e Marcel apareceram. Como se esquecer da cesta de Marcel no último segundo do jogo que garantiu a terceira colocação no Mundial das Filipinas em 1978? E como esquecer o desapontamento de um garoto que se lembrava mal da Copa de 70 e só pôde ver a decepcionante seleção de 74?

De todo jeito, gosto de imaginar que não é uma coisa só que explica o fato de um garoto brasileiro preferir o basquete ao futebol naqueles tempos. São todas essas coisas juntas. Agora, se é difícil explicar por que preferimos um esporte a outro, mais difícil ainda é explicar por que o nosso maior ídolo naquele esporte não é alguém que joga no time da gente. Nem é o cestinha. O meu ídolo jogava na Francana – e, claro, na seleção. Era o Adílson, que morreu nesta semana em Campinas.

O Adílson chamou a minha atenção porque, num jogo visto pela televisão, eu o vi dando um toco incrível, perfeito. Sempre achei que a jogada mais espetacular e difícil do basquete é o toco. Nada exige maior precisão. O defensor tem que prever o movimento rápido do adversário para a cesta e tocar na bola, sem encostar nele.

Além de tocos e rebotes, ele sabia conduzir a bola, ainda que de um modo um pouquinho desengonçado, e arremessar bem de média distância. Era versátil. Se jogasse anos depois, quando seu 1,95 m passasse a ser regra e não exceção entre os jogadores brasileiros, certamente teria sido um ala.

Uma noite fui ver um jogo da Francana. Um pouco antes de começar, desci até junto da quadra, para atravessar para o outro lado. E eis que o meu ídolo estava ali, falando para uma rádio. Não sei que altura eu tinha, mas tive a nítida impressão de que ele era um gigante: eu batia na altura do umbigo do Adílson. Eu nem parei, apenas passei do lado dele. E fiquei para sempre com a impressão de que ele era um gigante.

E é incrível, para quem já foi aquele menino, que o Adílson tenha desaparecido. Pensando bem, não, é normal. Afinal, o menino que viu aquele gigante também já não existe mais inteiro e, embora não tenha desaparecido, virou uma outra coisa. E o próprio mundo virou outra coisa: um lugar em que o basquete brasileiro vive uma decadência sem fim, e um mundo em que um jogador de 1,95 m parece normal. Morreu o Adílson, um homem como qualquer outro. Mas o gigante fica. Pelo menos enquanto o menino não desaparecer de vez e for capaz de ver o Gigante.

Luís Bueno, professor de Letras na UFPR, mestre e doutor em Teoria e História Literária.

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