A carne de onça servida no Quintal 68.
A carne de onça servida no Quintal 68.| Foto: Gean Cavalheiro/Divulgação

Identificada como a comida de boteco mais curitibana de todas, os primeiros registros da carne de onça datam de mais de 80 anos. O preparo, "tombado" como patrimônio imaterial de Curitiba em 2016, aguarda um novo reconhecimento: o de indicação geográfica (IG).

“Uma indicação geográfica acontece quando um produto tem fama e notoriedade”, explica Maria Isabel Guimarães, consultora do Sebrae/PR, instituição que apoia o registro do prato como IG. O registro é um instrumento de propriedade industrial que busca distinguir a origem geográfica de um determinado produto ou serviço para perpetuar sua história, inclusive do “saber fazer”.

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“Há notícias sobre a carne de onça em publicações de 1935, por exemplo. Nacionalmente já é reconhecida como um produto curitibano, além de presença constante nos eventos gastronômicos da cidade. Por esta razão, precisa ser protegida”, conclui.

Criador do site Curitiba Honesta e especialista em carne de onça, Sérgio Medeiros foi o responsável pela pesquisa e encaminhamento da solicitação de patrimônio imaterial há sete anos. Desde aquele ano, ele organiza anualmente um festival temático para o prato, que ganha ingredientes e releituras de alguns chefs e cozinheiros da cidade, mas mantendo a essência da tríade pão-carne-cebola – estes últimos, crus.

Para Medeiros, uma receita tradicional de carne de onça é composta por uma fatia de broa de centeio; carne bovina magra (a mais comum é patinho); cebolinha verde e cebola branca, ambas bem picadas; bastante azeite de oliva extravirgem; sal; e pimenta-do-reino, de preferência moída na hora. A mostarda escura é opcional.

Carne de onça do Maia Box, no Mercado Municipal. Foto: Gean Cavalheiro
Carne de onça do Maia Box, no Mercado Municipal. Foto: Gean Cavalheiro

A IG também estimula o senso de pertencimento da população, dá razão ao turismo e ao desenvolvimento de outras ações que acarretam ganho financeiro e de valorização do mercado gastronômico.

“Estamos no início [do pedido de IG]”, comenta Maria Isabel. “Faremos a sensibilização e organização dos envolvidos com o produto, bem como na disseminação do que é uma Indicação Geográfica, busca de dados e das histórias, pesquisas, entrevistas com os interessados e na organização de uma associação que será o proponente da IG junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI)”.

 Maria Isabel Guimarães, do Sebrae/PR:  indicação Geográfica acontece quando um produto tem fama e notoriedade. Foto: Sebrae-PR/Divulgação
Maria Isabel Guimarães, do Sebrae/PR: indicação Geográfica acontece quando um produto tem fama e notoriedade. Foto: Sebrae-PR/Divulgação

Entre os trabalhos que precisam ser desenvolvidos para a aprovação da IG, estão a estruturação do pedido; criação do signo; caderno de especificações e delimitações até o depósito do registro; e a disponibilização atendimento para ações de mercado.

Atualmente, o Paraná possui 12 IGs em todo o estado, como a bala de banana de Antonina, o barreado do litoral do estado e o queijo da Colônia Witmarsum, entre outros.

Origem do nome

O nome do prato, entre os turistas, gera uma divertida confusão. Por desconhecimento ou ingenuidade, muitos até pensam que a carne possa mesmo ser de onça. No entanto, a fauna silvestre nunca foi ingrediente para o prato.

A carne de onça servida no Silzeu's. Foto: Gean Cavalheiro/Divulgação
A carne de onça servida no Silzeu's. Foto: Gean Cavalheiro/Divulgação

“Ligeirinho”, falecido dono de bares de Curitiba e ex-jogador do Britânia, contou a Medeiros a história.

Na década de 1940, o clube de futebol Britânia havia sido sete vezes campeão paranaense. Anos depois, houve uma fusão entre clubes e formou-se o Paraná Clube. O diretor do Britânia, à época, era Cristiano Schmidt, que acumulava as funções de dirigente com a administração de um boteco no centro da cidade, o “Buraco do Tatu”.

Nas comemorações das vitórias do time, Schmidt espalhava a carne crua moída sobre fatias de broa compradas na panificadora vizinha, de um alemão, e incluía a cebola branca e cebolinha verde bem picadinha. Por fim – e só no fim – temperava com sal e azeite de oliva.

“Um belo dia o Duia, que era o goleiro, reclamou: ‘Poxa, Schmidt, você só serve essa carne aí, que nem onça come’”, relembra Medeiros. “Aí, surgiu a ‘carne de onça’. A partir deste dia, os clientes do Buraco do Tatu começaram a pedir a carne que nem onça comia e, em pouco tempo, outros bares da cidade também começaram a servir”.