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Catedral Episcopal de São João, o Divino, em Nova York: obra inacabada
Catedral Episcopal de São João, o Divino, em Nova York: obra inacabada| Foto: Ajay Suresh/Wikimedia

O sexto maior templo cristão do mundo está em Nova York. A Catedral Episcopal de São João, o Divino, no bairro de Morningside Heights, tem 11.200 metros quadrados de área interna. É uma mistura impressionante dos estilos romanesco, bizantino e gótico, a dois quarteirões da Universidade de Columbia e a um do Tom’s Diner — o restaurante cuja fachada se tornou famosa por causa do seriado Seinfeld.

A igreja é um marco de Nova York: já recebeu uma visita do Dalai Lama, um sermão de Martin Luther King e um concerto de Leonard Bernstein.

Mas, do lado de fora, é possível notar que a obra não está pronta. Das duas torres frontais, uma está inacabada e a outra não começou a ser erguida. Outras partes do projeto original, inclusive uma torre central de 140 metros de altura, tampouco saíram do papel.

E nem vão sair tão cedo. Não há obras em andamento.

“Atualmente, os recursos são direcionados para priorizar o serviço à comunidade por meio da nossa programação e de nossas iniciativas sociais, além da manutenção da integridade arquitetônica da Catedral”, explica a igreja em sua página na internet. “A igreja de São João, o Divino, vai continuar sendo construída por muitos séculos”, diz o texto.

Mas a Igreja Episcopal talvez não sobreviva até lá. Um novo relatório divulgado no fim de setembro é o mais recente indicativo da decadência da denominação.

Mais enterros que batismos

O balanço de 2022 mostra que, mesmo depois que os templos voltaram a funcionar normalmente após a fase mais aguda da pandemia, os números continuam ruins.

A cada domingo, cerca de 370 mil fiéis comparecem aos templos episcopais nos Estados Unidos. Em 2013, este número estava acima dos 650 mil. A queda foi de 43% em nove anos. Antes da pandemia, em 2019, a frequência ainda estava perto dos 550 mil. A Covid-19 acelerou o declínio.

No ano passado, a igreja batizou 15,3 mil crianças e realizou 25,9 mil enterros. O número de batismos infantis caiu praticamente pela metade entre 2013 e 2022. O total de membros recuou 21% em uma década. Metade dos fiéis ativos tem mais de 65 anos. Na maioria das igrejas, há menos de 50 fiéis por missa.

É uma queda vertiginosa para uma denominação que, se nunca foi a maior dos Estados Unidos, é a que mais perto chegou de ser a igreja nacional.

“Eu não acredito que a Igreja Episcopal vai desaparecer nos Estados Unidos. Eu acredito que ela vai contrair e deixar de ser uma igreja de alcance nacional”, explica à Gazeta do Povo Jeff Walton. Ele é diretor do Programa Anglicano do IRD (Instituto de Religião e Democracia), uma organização com sede em Washington.

Walton estima que 55% das paróquias anglicanas estejam numa situação de declínio agudo: “Nós próximos 20 anos, um número elevado de paróquias vai provavelmente fechar ou se fundir”, diz. Walton acrescenta que aproximadamente 12% das congregações episcopais têm apresentado uma trajetória de crescimento. As outras vão ter de batalhar para sobreviver.

Origem anglicana

A Igreja Episcopal tem raiz na Igreja Anglicana. As duas se separaram com a Independência dos Estados Unidos, em 1776. E, embora os episcopais tenham sido readmitidos na comunhão chefiada pelo Arcebispo de Cantuária no século seguinte, mantiveram o seu nome próprio. Historicamente, ser episcopal significa ser um anglicano nos Estados Unidos.

“Todo episcopal é anglicano, mas nem todo anglicano é episcopal”, resume Jeff Walton. Ele explica que os episcopais sempre exerceram uma influência desproporcionalmente grande na vida pública dos Estados Unidos. “A Igreja Episcopal nunca teve uma grande parcela da população americana. Mas, funcionalmente, a Igreja Episcopal tem aspectos de uma religião civil. Se há um funeral de uma autoridade nacional, por exemplo, é comum que ele aconteça na Catedral Nacional”, diz ele.

O último desses funerais, o do ex-presidente George H. Bush, aconteceu em 2018. Assim como Ronald Reagan, Gerald Ford e Dwight Eisenhower, Bush foi velado na majestosa Catedral Nacional de Washington — que pertence à Igreja Episcopal e é o segundo maior templo cristão dos Estados Unidos.

As posses presidenciais de Barack Obama, Donald Trump e Joe Biden também foram marcadas por celebrações na Catedral Nacional.

Aliás, nenhuma outra denominação religiosa teve tantos presidentes: 11. O primeiro deles, George Washington, foi quem teve a ideia de construir uma catedral nacional na futura capital americana.

Guinada liberal explica declínio

É difícil saber se o progressismo da Igreja Episcopal é causa ou consequência das mudanças sociais que atingiram os centros urbanos da Costa Leste dos Estados Unidos, onde a denominação tem uma presença mais forte. O fato é que denominação se tornou uma igreja de teologia liberal (apesar da liturgia continuar tradicional).

E isso ajuda a explicar o declínio.

Ao abrir mão da ortodoxia cristã e se transformar em uma espécie de clube social, a Igreja Episcopal deixou de cumprir sua função de igreja e não foi capaz de competir com os clubes sociais de verdade. Os fiéis mais ortodoxos se mudaram para igrejas tradicionais. Os fiéis menos ortodoxos passaram a procurar outros clubes.

Se o número de membros é um indicador da influência de uma igreja, o auge episcopal foi por volta de 1965. De lá para cá, a queda — que já foi lenta — se acelerou. Hoje, são pouco menos de 1,6 milhão de pessoas distribuídas por 6,8 mil congregações.

Embora a maior parte das igrejas esteja enfrentando uma queda no número de membros, o declínio da Igreja Episcopal é mais rápido e coincide com o processo de liberalização da igreja.

Já nos anos 1960, as lideranças episcopais abraçaram a agenda progressista em temas como o aborto, o divórcio e a sexualidade. Nos anos 2000, a inclinação à esquerda aflorou de vez. Isso levou algumas congregações se desfiliarem. Cinco dioceses inteiras deixaram a denominação e formaram a ACNA (Igreja Anglicana na América do Norte), que mantém o rito anglicano mas não responde nem à Igreja Episcopal, nem à Igreja Anglicana com sede no Reino Unido — que também passou por um processo de liberalização. De certa forma, a ACNA é mais anglicana que o Arcebispo da Cantuária. São 125 mil membros em pouco menos de mil congregações.

Além da politização, a Igreja Episcopal parou de crescer porque parou de fazer proselitismo para atrair novos fiéis. “A Igreja Episcopal não é mais evangelística. A abordagem predominante é a de que Jesus é uma dentre muitas opções, e de não há consequências eternas para a forma como você se relaciona com ele”, diz Walton.

A cisão na América do Norte reflete um movimento global que dividiu o anglicanismo e que deu origem, em 2008, à a GAFCON (Conferência Global do Futuro Anglicano). A entidade, da qual a ACNA faz parte, tem o reconhecimento de cerca de metade dos anglicanos no mundo, mas não mantém comunhão com Cantuária.

A dissidência também se refletiu no Brasil.

Divisão anglicana no Brasil

No Brasil, um pequeno grupo se desprendeu da (já pequena) Igreja Anglicana histórica e fundou a Igreja Anglicana no Brasil.

Os dissidentes mantém os ensinamentos históricos sobre a natureza de Jesus Cristo, o caminho da salvação e também sobre temas envolvendo a sexualidade.

O Diocesano da Igreja Anglicana no Brasil em Vitória, Márcio Simões, afirma que o caso da Igreja Episcopal é representativo. “Não é só nos Estados Unidos. Todas as províncias de linha teológica liberal sofrem o declínio de membresia", afirma.

Simões acredita que a guinada liberal não tem freios. “O liberalismo, eu diria, não tem níveis excessivos; ou se é ou não. A partir da aceitação de ensinos não amparados nas Escrituras, a porta se escancara para os abismos”, diz.

Segundo ele, a conferência global conservadora serve para manter a ortodoxia anglicana. “O principal papel atual da GAFCON é acolher bispos, clérigos e dioceses que estejam pressionadas a ceder no seu posicionamento ortodoxo”, explica Simões.

Finanças (ainda) vão bem

Na Igreja Episcopal dos Estados Unidos, as finanças são o menor dos problemas.

Em 2022, a denominação fechou no azul: arrecadou US$ 2,4 bilhões e gastou US$ 2,3 bilhões [mais de R$ 11 bilhões na cotação atual]. As contribuições dos membros responderam por US$ 1,3 bilhão das receitas. Esse indicador tem permanecido estável — e, como o número de fiéis está em queda, isso significa que os que restaram estão doando mais dinheiro. A explicação tem a ver com a idade. Conforme a igreja envelhece, o nível de contribuições financeiras tende a aumentar (e muitos fiéis deixam doações generosas quando morrem).

Além disso, o patrimônio imobiliário episcopal — por ser uma igreja antiga, a denominação possui imóveis nas áreas mais valorizadas das grandes cidades americanas — serve como um colchão de segurança.

Em Plainfield, New Jersey, a igreja decidiu recentemente vender um templo de 130 anos de idade O prédio, com capacidade para 500 pessoas, abrigava cerca de 25 fiéis a cada domingo. As despesas eram de US$ 225 mil por ano, com receitas de US$ 34 mil.

Na Filadélfia, a catedral Episcopal vendeu um prédio anexo, que foi demolido e se transformou numa torre residencial de 25 andares. No ano passado, a diocese de Chicago colocou à venda sua sede, um prédio de quatro andares no centro da cidade.

A Catedral de São João, o Divino, fez algo parecido: em 2006, passou adiante parte do próprio terreno, que virou um prédio residencial . O aluguel de um apartamento pequeno não sai por menos de R$ 30.000. Além disso, a nave principal do templo agora pode ser alugada para eventos privados não-religiosos.

Isso seria inimaginável quando a obra da Catedral foi lançada, em 1892. A denominação vivia um momento de otimismo. Hoje, a fachada inacabada é um retrato da Igreja Episcopal. A fé no futuro acabou antes da obra.

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