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Equipe médica trata paciente com coronavírus em um hospital de Wuhan, na província central de Hubei, na China (19 de março de 2020).
Equipe médica trata paciente com coronavírus em um hospital de Wuhan, na província central de Hubei, na China (19 de março de 2020).| Foto: AFP

Em 2008, o Google anunciou o lançamento de um sistema para revolucionar a capacidade de prever a disseminação de casos de gripe. O Google Flu Trends utilizava os dados gerados pelas buscas na internet para identificar padrões a partir das buscas por informações sobre sintomas e tratamentos. A empresa americana previa que os dados seriam 97% mais confiáveis do que os gerados pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos.

Em agosto de 2015, depois de uma série de fiascos, o serviço fechou, de forma discreta. O site parou de ser atualizado e os dados coletados até então foram enviados para o Boston Children’s Hospital. O que deu errado? E agora, em 2020, por que a inteligência artificial não evitou que o COVID-19 se tornasse uma pandemia?

“O sistema encontrou dificuldade em lidar com o aumento súbito de buscas durante crises de gripe. Falhou em acompanhar a dinâmica do contágio”, respondeu, a respeito do Google, o sociólogo Vincent Duclos em artigo sobre o assunto, publicado em 2019. Em outras palavras: o sistema de busca não conseguiu diferenciar os casos reais daquelas situações em que as pessoas buscavam informações, mas não estavam doentes.

“O pessoal do Google imaginou que, com base num volume enorme de dados, poderia superar todo mundo”, escreveu o cientista da computação especializado em biologia Steven Salzberg, em 2014. “O problema é que a maioria das pessoas não sabe o que é um resfriado, e confiar nas buscas de Google feitas por pessoas ignorantes sobre o assunto não produziu nenhum resultado útil”. Procurado, o Google não se manifestou.

Triagem inteligente

O caso do Google deixa claro que existem limites para a aplicação das máquinas para prever epidemias. Os padrões de disseminação de doenças, afinal, são mais complexos do que poderia parecer para os analistas de big data de 12 anos atrás.

Ainda assim, no caso da pandemia atual, a inteligência artificial conseguiu, sim, identificar o risco dias antes da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Uma startup de Toronto, no Canadá, a BlueDot, divulgou no dia 30 de dezembro um relatório para seus clientes. Com base na análise de 100 mil artigos e notícias por dia, em 65 diferentes idiomas, o sistema havia identificado uma epidemia na cidade chinesa de Wuhan cuja disseminação seguia padrões parecidos com o que havia acontecido com SARS (Sigla em inglês para Síndrome respiratória aguda grave), em 2003.

Outros algoritmos, do Boston Children’s Hospital e da empresa Metabiota, de São Francisco, também identificaram o risco antes de a OMS, que só divulgou seu primeiro alerta público nos primeiros dias de janeiro. O que aconteceu, neste caso, é que a informação não foi transformada em medidas imediatas de contenção.

“Algumas empresas desconfiaram da doença e emitiram alertas, mas faltou coordenação com os órgãos de saúde pública”, afirma o pesquisador Alexandre Chiavegatto Filho, professor do Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), onde atua com machine learning em saúde. Um dos projetos mais recentes conduzidos pelo pesquisador permitiu monitorar com precisão o risco de morte entre pacientes do surto de febre amarela registrado em São Paulo a partir de 2016.

Chiavegatto explica que os algoritmos precisam ser treinados. Quanto mais dados disponíveis, mais eficazes eles são. É por isso que eles funcionam muito bem, por exemplo, para identificar casos suspeitos de câncer de mama a partir de exames de imagem – sistemas de inteligência artificial foram submetidos a milhares de tomografias, até conseguir traçar padrões e identificar sinais de risco com mais rigor do que os olhos humanos dos médicos. No caso do COVID-19, não havia informações em quantidade suficiente. Essa situação está começando a mudar. “Esta é uma doença nova, então a princípio não tínhamos dados para treinar os algoritmos. Agora estão começando a aparecer os dados e estamos iniciando parcerias com os hospitais”.

Neste estágio da pandemia, diz ele, o objetivo é desenvolver um software capaz de identificar as pessoas com maior risco de estar infectados. E, entre eles, listar quais sofrem maior risco de vida.

“Vão faltar testes de COVID-19, leitos de UTI e respiradores mecânicos. Nesse cenário, a inteligência artificial vai ser fundamental para a gestão hospitalar, porque vai permitir identificar os casos prioritários com mais agilidade e precisão”.

Quando os sistemas estiverem prontos, o atendente vai preencher uma simples planilha de dados, e o programa vai oferecer orientações rapidamente. “Ensinar o algoritmo demora alguns dias. Quando ele está treinado, oferece respostas em meio segundo. O machine learning tem totais condições de analisar, identificar padrões e entender a interação de fatores que pode orientar a triagem”.

Ferramenta útil

Em outra frente, dezenas de empresas estão utilizando inteligência artificial, neste momento, para encontrar medicamentos eficazes no combate ao novo vírus. A companhia chinesa Alibaba desenvolveu um sistema de big data para reunir dados tanto sobre a estrutura genética do COVID-19 quanto a respeito da eficácia de diferentes tratamentos e medicamentos.

Já a inteligência artificial utilizada pela startup americana Insilico Medicine precisou de poucos dias para identificar centenas de moléculas que poderiam se tornar medicamentos contra o vírus. Agora a empresa está sintetizando as 100 mais promissoras – e tudo isso está disponível em uma plataforma aberta, de forma que empresas e centros de pesquisa do mundo inteiro possam se beneficiar das pesquisas e aplicar seus próprios algoritmos em busca de uma cura.

Em situações normais, sem pandemias paralisando a economia e a circulação de pessoas, nos próximos anos a inteligência artificial vai se disseminar entre os laboratórios e os consultórios. “Ela não vai tomar o emprego dos médicos, vai servir como um suporte, uma ferramenta capaz de analisar dados de forma muito mais rápida e confiável”, diz o professor Chiavegatto.

“Os médicos temiam a inteligência artificial. Mas estão percebendo que, com ela, vai valer mais a pena, para o paciente, ir ao consultório, porque a consulta será mais eficaz, vai resolver de fato o problema”.

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