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As conversas privadas entre Jair Bolsonaro e Silas Malafaia recentemente divulgadas pelas Polícia Federal revelam um poder que poucos líderes políticos brasileiros detêm. Além de orientar e aconselhar o ex-presidente, o pastor possui intimidade suficiente com os Bolsonaro para distribuir broncas pesadas nos membros da família.
Essa postura ao mesmo tempo incisiva e segura, que resumiu nos áudios vazados o sentimento de uma boa parte da direita nacional, faz de Malafaia um porta-voz natural desse campo ideológico. Principalmente devido às restrições judiciais impostas ao "capitão" a partir de 2023.
Mais do que isso. Malafaia não só tem sobrevivido à ofensiva do sistema contra os principais aliados de Jair Bolsonaro, mas também se consolidou como uma peça indispensável para qualquer projeto que sonhe em derrotar o PT em 2026.
Sua trajetória no cenário político, no entanto, começou no polo da esquerda. Ainda na campanha de 1989, o líder religioso apoiou Leonel Brizola. Mais tarde, esteve ao lado de Lula — chegou, inclusive, a integrar conselhos ligados ao governo petista.
Em 2010, ele apoiou José Serra e, quatro anos depois, Aécio Neves. Contudo, foi como escudeiro de Bolsonaro que Silas Malafaia realmente se transformou em um protagonista de fato, colocando seu prestígio junto à comunidade evangélica em jogo.
Líder em um “novo mundo”
Para o cientista político Gustavo Macedo, professor do Insper, o pastor é capaz de se adaptar ao poder e, muitas vezes, consegue realizar uma leitura precisa dos nomes em ascensão. “Ele faz apostas e, eventualmente, acerta”, afirma.
Já Cláudio Preza, docente da PUC do Rio Grande do Sul e também especialista em Ciência Política, não interpreta os posicionamentos de Silas Malafaia como interesses estratégicos. “Talvez ele tenha visto uma oportunidade de se colocar como líder em um novo mundo”, diz, referindo-se ao crescimento neopentecostal e ao advento das redes sociais.
Frederico Junkert, advogado e comentarista do programa “Sem Rodeios” (do canal da Gazeta do Povo no YouTube), atribui a migração de Malafaia à guinada da pauta pública para o debate identitário. “Como os temas de costumes não estavam no centro da agenda, alianças com setores à esquerda eram possíveis.”
Os três analistas, contudo, concordam que sua entrada definitiva no ambiente da política acontece entre a eleição presidencial de 2010 e o ápice dos protestos contra Dilma Rousseff, em 2013. “É quando a gente percebe que o Brasil entra de fato nessa nova dinâmica da polarização”, afirma Macedo.
Bolsonarismo “retroalimentado”
Mas nada se compara, em termos de exposição e influência, à função que Silas Malafaia passou a ocupar após a derrota de Jair Bolsonaro nas eleições de 2022. Na falta do ex-presidente, limitado por medidas cautelares impostas pelo STF, o pastor assumiu o posto de principal organizador e articulador dos atos em favor da direita.
“Mais do que preencher um vácuo, ele se tornou uma voz ativa em um cenário no qual muitas lideranças foram silenciadas por decisões judiciais. Como não ocupa cargo público, tem maior liberdade de ação e discurso”, afirma Frederico Junkert.
Mais crítico, Gustavo Macedo acredita que, por ter feito uma aposta alta na polarização, Malafaia tinha “muito a perder” com a derrota de Bolsonaro. E, como resposta, passou a usar as igrejas, “sua máquina política e econômica”, para alimentar um novo movimento de radicalização — e, consequentemente, “retroalimentar o bolsonarismo”.
Macedo, aliás, afirma que as conversas entre o pastor e Bolsonaro divulgadas pela Polícia Federal mostram um Malafaia acuado, sentindo estar “em maus lençóis” por perceber que o bolsonarismo começa a “perder centralidade na direita”.
Esse enfraquecimento, segundo o professor, ocorre devido à percepção da opinião pública de que a família Bolsonaro estaria disposta a trocar uma eventual anistia do ex-presidente por sanções prejudiciais à população e à economia. Nesse contexto, o campo conservador estaria voltando os olhos para Tarcísio de Freitas, “uma figura que Malafaia não controla”.
Mais fortalecido
Junkert, ao contrário, crê que os áudios potencializaram a imagem do líder religioso. “Malafaia aparece como alguém transparente em seus propósitos, sem ambiguidades no discurso ou nas ações. Isso reforça sua credibilidade junto ao público conservador”, diz.
Preza, por sua vez, pondera que Silas Malafaia pode sair fortalecido desse episódio — mas a partir de uma perspectiva mais abrangente, considerando-se “um projeto maior”.
“Talvez ele tenha feito uma análise realista”, explica o cientista político. “Tem uma expressão nas relações internacionais que às vezes até a gente usa na política, uma expressão em alemão, realpolitik (“poítica realista”). Talvez ele tenha pensado: ‘A situação é essa, temos que pensar em alternativas’.”
Comunicação e mobilização
Seja como for, os analistas são categóricos quanto ao peso político de Malafaia nas eleições de 2026. “Ele terá um papel muito importante. Porque o candidato da direita, sendo o Tarcísio ou não, vai depender dos votos da base religiosa evangélica para vencer o PT, para vencer o Lula em diversas regiões do Brasil”, afirma Gustavo Macedo.
Cláudio Preza fala até em uma possível candidatura. “Por que não? Bolsonaro foi ridicularizado no momento em que se candidatou, mas acabou sendo eleito presidente de forma legítima.”
Frederico Junkert, no entanto, lembra como Silas Malafaia já deixou claro, em diversas ocasiões, sua falta de interesse em ser candidato. “A força dele não depende de mandatos ou cargos, mas de sua capacidade de comunicação e mobilização”, diz o comentarista.
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