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Dentro da aliança Cambiemos, Patricia Bullrich se apresenta como a figura mais determinada a aplicar imediatamente uma política de choque com medidas que freiem a inflação
Dentro da aliança Cambiemos, Patricia Bullrich se apresenta como a figura mais determinada a aplicar imediatamente uma política de choque com medidas que freiem a inflação| Foto: EFE/ Demian Alday Estévez

Restam apenas cinco meses para o término do mandato do governo de Alberto Fernández (Frente de Todos). Os números mostram uma inflação galopante de 108,8% em termos anuais, levando o país a níveis alarmantes de pobreza, com 40% da população abaixo da linha da pobreza. Quatro economistas argentinos opinam sobre a origem do problema e a necessidade de redesenhar a política econômica, independentemente do vencedor das próximas eleições.

No dia 22 de outubro, os argentinos irão às urnas para escolher o presidente. Uma sensação de déjà vu envolve os eleitores: "inflação" é o mantra que se ouve no país há mais de sete décadas; "hiperinflação" é o fantasma de um passado que se aproxima.

Os últimos dados do INDEC (Instituto Nacional de Estatística e Censos) indicam que a inflação no país pode atingir 130% ao ano, enquanto outros estudos mostram que 62% das crianças mais pobres estão em risco alimentar. Os argentinos irão votar mais uma vez em um país imerso em uma profunda crise econômica. O mito do eterno retorno às urnas na esperança de que isso mude de uma vez por todas.

"Cambiemos" foi o nome da coalizão opositora liderada por Mauricio Macri, que chegou à presidência em 2015 prometendo realizar as reformas estruturais necessárias para tirar o país desse estancamento crônico. O fracasso desse governo e o retorno do kirchnerismo com políticas que aprofundam as raízes da crise, agravadas pelo governo de Alberto Fernández, levantam a questão: o que aconteceu? Para que isso não aconteça novamente…

Um Estado gigantesco

O que está acontecendo na Argentina para que o país que, há um século, oferecia as melhores perspectivas de desenvolvimento, devido à sua capacidade de gerar alimentos e energia, atinja hoje níveis alarmantes de pobreza?

"A mãe de todos os problemas na Argentina é a criação de um Estado gigantesco que nenhuma economia é capaz de sustentar", explica Aldo Abram, economista e diretor da Libertad y Progreso, um centro de pesquisa em políticas públicas que, há 12 anos, promove na Argentina os valores e princípios de uma República Representativa Federal.

A origem desse modelo de Estado autárquico remonta aos anos seguintes à Segunda Guerra Mundial. "Enquanto os países desenvolvidos desmantelavam suas barreiras protecionistas e se beneficiavam de uma recuperação fenomenal do comércio internacional, a Argentina — já governada pelo peronismo — aprofundou seu desenvolvimento industrial protegido e voltado para o mercado interno, desestimulando qualquer iniciativa exportadora", explica Martín Lagos, ex-vice-presidente do Banco Central Argentino.

A política protecionista iniciada pelo peronismo provocou um estagnação geral da economia.

Sete décadas se passaram com diferentes tipos de governos, mas a política econômica teve poucas mudanças em relação ao modelo introduzido pelo peronismo em 1946. "Os resultados estão à vista: uma inflação galopante, descontrolada, e um estagnação geral que fez o país retroceder em comparação não apenas com as economias mais desenvolvidas, mas também com nossos vizinhos, níveis de pobreza que causam tristeza e, ainda mais triste, milhares de jovens que emigram ou sonham em deixar o país", conclui Lagos.

Campeões do mundo

O modelo estatista não é o problema, existem países que também optam por esse caminho e têm sucesso: é assim que pensa Roberto Vassolo, professor de Economia do IAE Business School. "Nosso problema é a forma como decidimos financiar essa forte presença estatal, exercendo uma pressão tributária total sobre a rentabilidade das empresas", esclarece. Segundo ele, essa pressão é tão grande que invalida a Constituição Nacional, porque na prática a propriedade privada não existe na Argentina: com "um sistema redistribucionista, baseado em sindicatos, e um Estado que decide, é estruturalmente impedido que exista um setor empresarial forte", explica.

Em seu diagnóstico, Vassolo ironiza sobre a última Copa do Mundo de futebol que consagrou a Argentina e menciona outras três Copas do Mundo que os argentinos conquistam: "Somos campeões do mundo em cobrar impostos das empresas, em inflação e em regulamentação trabalhista".

"Temos uma legislação trabalhista que é um desestímulo constante"

Aldo Abram concorda ao afirmar que, juntamente com a reforma tributária — segundo o Banco Mundial, a Argentina ocupa a 21ª posição entre 191 países do mundo que mais tributam suas empresas — uma das batalhas mais importantes que o próximo governo deve enfrentar é a reforma trabalhista: "Temos uma legislação trabalhista que é um desestímulo constante. Mais de 50% dos argentinos que querem trabalhar estão desempregados, na informalidade ou com um seguro-desemprego disfarçado de emprego público. Além disso, existem mais de 67.000 regulamentações que sufocam o setor privado", explica.

Existe consenso de que a Argentina precisa se redesenhar para romper a inércia de uma economia estagnada. O sistema que sobrecarrega as empresas com impostos gera um mercado informal que cresce ano após ano. Isso cria novos empregos e dá um pequeno alívio à economia formal tão castigada, mas com sua própria limitação: por não ter faturamento oficial, não tem acesso a crédito ou ao sistema bancário. Paradoxos de um modelo que se orgulha de sua proteção às empresas e à geração de emprego genuíno.

A desculpa da divisão

"A divisão" é outro mantra que ressoa nos ouvidos dos argentinos que se preparam para votar em outubro. É a expressão popularizada pelos meios de comunicação para se referir a uma divisão que tem uma longa história: peronistas e antiperonistas.

Os anos, as crises e os conflitos carregaram "a divisão" de conteúdo a ponto de parecer que ela mesma está unindo os argentinos em um mesmo desejo: acabar com a divisão e resolver os problemas estruturais que estão quebrando o país.

"A divisão" convém àqueles que não estão dispostos a sofrer o custo político de enfrentar a reforma profunda que a Argentina precisa. Segundo Vassolo, aqui reside a chave para entender o fracasso do governo de Mauricio Macri: "Seu erro foi a impaciência, a falta de resistência às demandas da mudança e cair na polarização com a ex-presidente Cristina Kirchner. Politicamente, a polarização lhe foi funcional, mas não aos mercados".

Por sua vez, Martín Lagos destaca que o governo de Cambiemos lidou rapidamente com questões urgentes, como a unificação e liberalização do mercado cambial, a resolução dos conflitos remanescentes do default de 2002, o reajuste dos preços de energia e eletricidade. Ao mesmo tempo, ele considera que, em outras áreas, como a redução dos gastos públicos, o déficit fiscal e a diminuição do protecionismo aduaneiro, percorreu um caminho muito gradual. "Em 2018, novamente a Argentina havia esgotado o crédito externo e, apesar da ajuda recebida do Fundo Monetário Internacional, os ajustes improvisados que Macri foi obrigado a fazer levaram, em 2019, ao governo de Alberto Fernández".

Gradualismo ou choque

A partir de 10 de dezembro, quando o novo governo assumir, abre-se uma nova oportunidade para que a Argentina abandone o que Aldo Abram descreve como uma cultura adolescente, que responde a "uma tradição caudilhista que nos leva a delegar responsabilidades e esperar tudo de um candidato." Segundo Abram, o cenário político atual demonstra maturidade no sistema democrático. A oposição está dividida, até mesmo dentro da aliança Cambiemos, mas possui um diagnóstico comum sobre os problemas fundamentais que o país enfrenta, o que torna mais viável e poderosa a possibilidade de uma reforma real.

Há consenso de que a Argentina precisa de uma mudança profunda, mas não sobre a velocidade com que ela deve ocorrer.

Juan José Llach, economista e sociólogo, ex-ministro da Educação da Nação, não hesita em afirmar que o próximo governo terá que promover um choque de crescimento e encontra nos candidatos da oposição diferentes posturas em relação ao ritmo de implementação.

Dentro da aliança Cambiemos, Patricia Bullrich se apresenta como a figura mais determinada a aplicar imediatamente uma política de choque com medidas que freiem a inflação, enquanto Horacio Rodríguez Larreta é mais gradualista, talvez excessivamente, opina Llach. No extremo oposto, ele coloca Javier Milei, do Partido La Libertad Avanza: "Seu plano é um ultra-choque, pois buscará dolarizar o país, e isso é algo que a Argentina não está preparada para assumir. Primeiro é necessário reduzir os gastos e aumentar a arrecadação."

Desde que o presidente Alberto Fernández anunciou um mês atrás que não buscaria a reeleição, seu partido, o Frente de Todos, tem mostrado cada vez mais indefinição: sem candidato, sem plano e levando o país ao abismo, é difícil imaginar que o kirchnerismo se mantenha no poder após as próximas eleições.

Em 13 de agosto, ocorrerão as eleições primárias, abertas, simultâneas e obrigatórias (PASO), um método pelo qual se vota no candidato final de cada partido. Uma grande pesquisa eleitoral que serve ao Estado para esclarecer o cenário político e o futuro imediato do país.

"A Argentina está sofrendo as dores do parto de um novo rumo", considera Aldo Abram, e com um otimismo realista semelhante, Martín Lagos acredita que quanto mais difícil for 2024, melhores serão os anos seguintes.

©2023 Aceprensa. Publicado com permissão. Original em espanhol: "Argentina toca fondo y piensa en octubre"
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