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Criança andando pela Zavaleta, um dos bairros mais pobres de Buenos Aires, Argentina
Criança andando pela Zavaleta, um dos bairros mais pobres de Buenos Aires, Argentina| Foto: EFE/ Juan Ignacio Roncoroni

"Um plano comum de paz e prosperidade para as pessoas e para o planeta, agora e no futuro." Assim são definidos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) propostos pela ONU para o período 2015-2030. A iniciativa, conhecida como Agenda 2030, é um programa bastante ambicioso e não isento de polêmicas. Depois de decorrida a metade do prazo, pode-se tentar um primeiro balanço para ver se o programa está no caminho certo para ser cumprido.

A ONU já tinha um plano para os quinze anos anteriores (2000-2015): os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM). Os atuais ODS são seus sucessores, aprovados pela Assembleia Geral em setembro de 2015, com o consentimento dos 193 países representados. Também foram definidos objetivos específicos para cada ODS e indicadores para medir o progresso.

Não é que os ODM tenham sido excedidos. De 17 metas quantificáveis, apenas 5 foram alcançadas: reduzir a pobreza extrema pela metade (caiu de 47% para 14% da população), eliminar a disparidade de gênero em todos os níveis educacionais (de 98 a 103 alunas foram atingidas a cada 100 alunos), os casos de malária pararam de aumentar, o mesmo aconteceu com a tuberculose, e caiu pela metade a proporção de pessoas sem acesso à água potável (a queda foi de 25% para 9%).

As demais metas não foram alcançadas, mas houve avanços importantes na redução da fome, da mortalidade materna e da mortalidade infantil; na escola primária; na redução de novos casos de AIDS e no tratamento de soropositivos; na atenção às gestantes e no uso de anticoncepcionais, que nos documentos da ONU também faz parte da saúde reprodutiva; e no acesso ao saneamento.

Antes mesmo de se saber se os ODM seriam alcançados ou não, na Conferência de Desenvolvimento Sustentável (Rio de Janeiro, 2012) – conhecida como Rio+20 em referência à Cúpula da Terra realizada na mesma cidade em 1992 –, a ONU decidiu estabelecer novas metas para o próximo período. Na lista aprovada posteriormente, em 2015, foi escolhido o “ainda mais difícil” e os objetivos foram ampliados: de 8 ODM passou para 17 ODS, com um total de 169 metas específicas. Cada meta corresponde a um ou mais indicadores para medir o progresso, chegando a quase 250.

Os ODS e as metas específicas cobrem um grande número de aspectos do progresso material e social, desde as necessidades humanas básicas – erradicação da pobreza (ODS 1), alimentação (ODS 2), saúde (ODS 3), educação (ODS 4) – até aspirações elevadas de harmonia e justiça, como "promover sociedades pacíficas e inclusivas" (ODS 16). A sustentabilidade está presente sobretudo nos seis objetivos mais diretamente relacionados com a ecologia (ODS 6-7 e 12-15): proteção da natureza, gestão de recursos, energia, alterações climáticas, consumo...

Ambição

A Agenda 2030 marca resultados ambiciosos, incluindo ODMs não alcançados, como a redução da mortalidade materna. Mais uma vez se propõe que todas as crianças do mundo concluam o ensino primário (ODM que por pouco não foi atingido, pois ultrapassou os 90%), mas acrescenta-se o mesmo para o ensino secundário (meta 4.1), que ainda está muito longe.

Alguns objetivos não são apenas ambiciosos, mas absolutos. Por exemplo, exorta-se a erradicar a pobreza (ODS 1); desnutrição (meta 2.2); as epidemias de AIDS, tuberculose e malária (meta 3.3.); todas as formas de violência contra as mulheres (meta 5.2) e também a garantir pleno emprego e trabalho decente para todos (meta 8.5).

Outras metas são genéricas, como 12.7, sobre contratos de fornecimento para administrações públicas: “Promover práticas de compras públicas sustentáveis, de acordo com as políticas e prioridades nacionais”. Há aqueles que parecem um brinde ao sol: "Garantir que todos os alunos adquiram os conhecimentos e as competências necessárias para promover o desenvolvimento sustentável, através de meios como a educação para o desenvolvimento sustentável e estilos de vida sustentáveis, bem como para os direitos, a igualdade de género, a promoção de uma cultura de paz e não violência, cidadania global e valorização da diversidade cultural e da contribuição da cultura para o desenvolvimento sustentável” (4.7).

Muitas metas

Várias críticas têm sido dirigidas aos objetivos da Agenda 2030. A primeira é que são muitos. Um número tão grande dificulta a coordenação e favorece a dispersão de energias.

Contra essa objeção, argumenta-se que os ODS estão inter-relacionados, de modo que os diferentes esforços empreendidos para alcançá-los criam sinergias e, assim, a promoção de um contribui para o progresso dos demais. Por exemplo, a ação para mitigar as mudanças climáticas e suas consequências (ODS 13) favorece a saúde (ODS 3) e está interligada com a promoção de fontes sustentáveis ​​de energia (ODS 7) e com a adoção de padrões sustentáveis ​​de produção e consumo. (ODS 12) .

Na prática, apontam os críticos, vale o ditado: quem cobre muito, aperta pouco. Como os recursos são limitados, devem ser concentrados no mais urgente, básico ou produtivo; mas a Agenda 2030 não estabelece uma hierarquia clara de objetivos.

Além disso, a intenção original era bem diferente. O documento final da Rio+20, intitulado O Futuro que Queremos, afirma que os ODS devem “ser concisos e fáceis de comunicar, limitados em número e ambiciosos” (§ 247). O fato de o resultado, por outro lado, ter sido tão demorado é explicado, em grande parte, pelo procedimento com que os ODS foram selecionados. A Rio+20 determinou a criação de um grupo de trabalho formado por representantes dos Estados-membros: 70 no total, dos cinco continentes, escolhidos entre países em desenvolvimento (PDs) e países desenvolvidos. O grupo ouviria ONGs com status consultivo na ONU e as opiniões de indivíduos coletadas por meio de uma pesquisa online.

O método de trabalho escolhido não podia deixar de fazer das sessões de grupo, na expressão do The Economist, "uma massiva briga diplomática" em que cada um tentava colocar os seus objetivos. E como o grupo tomava decisões por consenso, acabou aceitando praticamente todas. Ao final, em 2014, o grupo de trabalho apresentou sua proposta: os 17 objetivos e 169 metas que a Assembleia Geral aprovou no ano seguinte.

Conflitos entre objetivos

A abundância e diversidade de objetivos faz com que, além das sinergias, existam conflitos entre eles. Isso é apontado por um trabalho (Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e seus trade-offs) de Fortunate Machingura e Steven Lally, publicado em 2017, pelo Overseas Development Institute [Instituto de Desenvolvimento Ultramarino]. Por exemplo, como conciliar a expansão da agricultura nos países em desenvolvimento, para eliminar a fome e a desnutrição (ODS 2), com o objetivo do desmatamento e da conservação dos ecossistemas terrestres (ODS 15) e com o crescimento econômico sustentado (ODS 8)? A derrubada dos últimos anos na selva amazônica é uma amostra da dificuldade. Os autores também veem problemas em conciliar crescimento econômico e redução da desigualdade (ODS 10) – como revela a experiência dos últimos anos –; promover a industrialização e construção de infraestrutura (ODS 9) com redução das emissões de carbono (ODS 13) e proteção ambiental (ODS 14 e 15); e, em geral, entre objetivos econômicos e sociais.

Outra questão é quem deve promover os ODS. A Agenda 2030 pretende ir “além da ajuda” e principalmente mobilizar as energias de cada país. Assim, define quatro tipos de agentes aos quais a iniciativa corresponde: Estados, administrações públicas de nível inferior, empresas e sociedade civil. Esta descentralização, que no desenho da Agenda 2030 se apresenta como uma virtude, também implica limitações que alguns destacaram. Especificamente, o ponto fraco é a coordenação, ainda mais porque a aplicação é voluntária e, portanto, os agentes a fazem de acordo com seus interesses particulares.

De qualquer forma, é duvidoso que um programa tão amplo quanto os ODS possa ser executado com planos decididos de cima por meio de organizações internacionais.

Difícil de mensurar

Outra desvantagem dos ODS, em comparação com os ODM, é a maior dificuldade em medi-los. Existem, é claro, alguns com indicadores precisos: prevalência de AIDS, tuberculose e outras doenças (3.3.1-4); taxas de perda e desperdício de alimentos (12.3.1); taxas de desemprego (8.5.2); emissões de gases de efeito estufa (13.2.2).

Em outros casos, apenas pesquisas são possíveis: proporção de mulheres que tiveram sua demanda por contraceptivos satisfeita (indicador 3.7.1); tempo dedicado ao trabalho doméstico (5.4.1); proporção de pessoas que dizem ter sofrido discriminação (10.3.1).

Mas também há objetivos indeterminados. Mais de 30 marcam reduções ou aumentos "substanciais" ou "significativos": no comércio ilícito de armas (16,4), na poluição dos mares (14,1), na eficiência no uso da água (6,4). Em outros casos, a magnitude que teria que ser medida para encontrar o número ou proporção não está bem definida. Como são identificados os “países que desenvolvem, adotam ou aplicam políticas destinadas a apoiar a transição para o consumo e a produção sustentáveis” (indicador 12.2.1)?

E mesmo que tudo pudesse ser contado e pesado, outro problema é que faltam dados, principalmente dos países em desenvolvimento. Há uma grave escassez de números no que diz respeito a metas como disponibilidade de água corrente e saneamento (6.1-3), produtividade e renda dos pequenos produtores de alimentos (2.3), etc. No site SDG Tracker, que avalia o progresso dos ODS a partir do banco de dados Our World in Data, da Universidade de Oxford, há um mapa-múndi para cada indicador, com países coloridos por grau de conformidade. Existem muitos mapas com a maior parte da superfície riscada, para indicar que não há dados.

Uma nova ordem mundial?

Além disso, a Agenda 2030 foi criticada por suas abordagens substantivas.

Do lado ambiental, eles são repreendidos pelo fato de os ODS não enfatizarem a sustentabilidade, porque não priorizam o meio ambiente e propõem uma visão econômica e materialista do desenvolvimento. No trabalho coletivo The Political Impact of the Sustainable Development Goals [O impacto político dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (Universidade de Cambridge, 2022)], objeta-se que os ODS se baseiam na "ideia fixa de que o crescimento econômico [ODS 8] é uma condição para lançar as bases do desenvolvimento sustentável". Em vez disso, de acordo com os autores, conter a degradação ambiental requer "limitar o crescimento econômico". Além disso, dizem eles, os ODS pecam pelo individualismo, com sua insistência nos direitos antes dos deveres; a que se poderia acrescentar a atenção praticamente nula que dão à família.

Outros críticos consideram a Agenda 2030 um plano das elites ocidentais progressistas para estabelecer uma nova ordem mundial. Em particular, eles apontam para dois projetos encobertos que, segundo eles, querem implementar por meio dos ODS: ideologia de gênero e controle de natalidade.

Os temas típicos da ideologia de gênero não aparecem nos ODS. Não há menção a gênero fluido ou transexualidade, nem mesmo orientação sexual. O termo “gênero” é utilizado para se referir à igualdade entre mulheres e homens, e nesse contexto é equivalente a “sexo”, que é a palavra mais utilizada. Assim, quando o plano foi aprovado, um professor britânico que acompanha essas questões afirmou: “As metas da ONU mais uma vez ignoram os direitos LGBT”.

Em vez disso, outros veem um plano secreto ali. Mateo Requesens, no seu livro O Grande Segredo da Agenda 2030 (2021), sublinha “a insistência da ONU em utilizar o conceito de igualdade de gênero e não o de ideologia de gênero, com o único objetivo de camuflar as verdadeiras intenções de engenharia que pretende em seu programa”. Especificamente, “na nova ordem mundial que a Agenda 2030 busca, devemos construir uma sociedade na qual o conceito de homem/mulher seja superado”.

Controle de natalidade

As dúvidas têm mais fundamento em relação ao controle de natalidade e ao aborto, embora os ODS também não os mencionem. Eles falam sobre saúde reprodutiva e direitos reprodutivos (metas 3.7 e 5.6), e a esse respeito se referem ao Programa de Ação da Conferência sobre População do Cairo (1994): "Em nenhum caso o aborto deve ser promovido como método de planejamento" (§ 8.25).

No entanto, sabe-se que, desde então, os termos "saúde reprodutiva" e "direitos reprodutivos" têm servido de justificativa para campanhas de divulgação de anticoncepcionais e de pressão pela legalização do aborto em países que não admitem isto. O Fundo das Nações Unidas para a População, embora declare oficialmente que não promove a legalização do aborto em nenhum país, na verdade defende o acesso ao aborto em suas publicações e programas assistenciais, sob o pretexto de que, o que quer que a lei diga, é prática, e deve-se garantir que seja feito em condições seguras. A Organização Mundial da Saúde também afirma expressamente que o aborto pode ser feito sem impedimentos e, para isso, pede até que a objeção de consciência seja restringida.

Gaveta de alfaiate

A questão é até que ponto a Agenda 2030 promove tudo isso. Por um lado, a promoção do controle da natalidade e do aborto é muito anterior, e a Agenda 2030 não traz novidades nem necessariamente representa um impulso significativo.

Por outro lado, a aplicação dos ODS depende dos planos nacionais que os países elaboram, e estes, em geral, não falam sobre controle de natalidade ou aborto quando mencionam saúde reprodutiva e direitos reprodutivos. Mas há alguma exceção. O “Plano de Implementação dos ODS 2020-2030” da Nigéria, elaborado por um comitê assessor da Presidência da República, tem um tom claramente malthusiano. No que diz respeito à erradicação da pobreza, elogia o caso da China, que teve sucesso, em grande parte, diz, ao implementar a limitação da natalidade; então ele se propõe a imitá-la na Nigéria. A diferença é que não seria uma política de filho único – como a adotada pela China em 1979 e já abandonada – e sim de quatro filhos (também no caso da poligamia, especifique-se: o máximo seriam quatro filhos por marido).

No ano passado, o governo nigeriano aprovou uma nova política populacional, visando baixar a taxa de fecundidade de 5,25 para 4 filhos por mulher, mas sem limites obrigatórios, por meio da disseminação de anticoncepcionais. No entanto, essa medida não tem origem na Agenda 2030: é a atualização da política anterior, em vigor desde 2004.

Em suma, os ODS são uma espécie de miscelânea que pode ser invocada a favor de finalidades muito diversas: para a contracepção e o aborto, ou para a natalidade (generalizar a assistência de pessoal qualificado nos partos: indicador 3.1.2); para o pleno emprego (meta 8.5) ou para o reconhecimento do trabalho doméstico não remunerado (meta 5.4). É por isso que se presta a debates e diferentes interpretações. E o contraste entre a letra dos documentos oficiais da ONU e a prática de algumas de suas agências convida você a ler nas entrelinhas. É revelador que não poucos artigos e livros críticos aos ODS apontam, desde os próprios títulos, para “o que está por trás” ou “o que está escondido” na Agenda 2030.

Pouco progresso

Em todo o caso, pode-se tentar perceber se há avanço no cumprimento dos ODS, na medida em que os dados disponíveis o permitem. Eles podem ser encontrados, entre outras fontes, no mencionado SDG Tracker; no Relatório Quadrienal de Desenvolvimento Sustentável Global, elaborado pelo Fórum Político de Alto Nível, órgão de monitoramento instituído pela ONU; e no Global SDG Index and Dashboard Report anual, publicado pela Bertelsmann Foundation e pela Sustainable Development Solutions Network.

O último Relatório Global (2019) não foi otimista: “O mundo não está a caminho de atingir a maioria dos 169 objetivos”, e em alguns houve retrocesso: igualdade econômica, luta contra as mudanças climáticas, redução de resíduos. E pouco depois foi declarada a pandemia de Covid-19, o que provocou um atraso geral.

Esta é a situação em algumas metas notáveis:

  • Eliminar a pobreza extrema (1,1): o índice vinha caindo até 2019, mas houve um retrocesso devido à pandemia (71 milhões de pessoas a mais). A meta não será atingida: em 2030 a taxa ficará em torno de 6%.
  • Eliminar a fome e a insegurança alimentar (2,1): o índice, de quase 9% da população, mantém-se estável desde 2014, o que em termos absolutos significa cerca de 60 milhões de pessoas a mais desde então. E a desnutrição grave, que também deveria ser reduzida a zero (2,2), passou de 8,3% para 9,7% entre 2014 e 2019.
  • Reduzir a mortalidade materna global para menos de 70 por 100.000 nascidos vivos (3.1): a taxa atual está estagnada há mais de 200 anos.
  • Reduzir a mortalidade infantil para menos de 25 por mil nascidos vivos (3,2): foi alcançada em mais de 120 países e outros 20 a alcançarão; mas a média mundial caiu apenas de 42 para 38 por mil. O problema está em cerca de cinquenta países, a maioria africanos, que registram taxas em torno de 70 por mil.
  • Cobertura universal de saúde (3,8): no ritmo que está levando, em 2030 estará em torno de 50%.
  • O acesso universal à eletricidade (7.1) já é uma realidade ou quase na maioria dos países; apenas em parte da Ásia e da África subsaariana o acesso não chega a 80%.

Não há dados suficientes para muitas outras metas, e provavelmente em 2030 não saberemos se elas terão sido cumpridas. De outros, os indeterminados, nunca saberemos.

De modo geral, segundo o citado estudo O impacto político..., a Agenda 2030 não está mudando o mundo. Não se vê que os recursos necessários foram alocados para atingir os ODS; acima de tudo, a maioria dos países continua com suas políticas de desenvolvimento que tinham antes, e “sustentabilidade” é, na verdade, pouco mais que um rótulo.

Talvez fosse demais esperar que os estados revertessem drasticamente suas políticas em 169 campos de uma só vez. Mas se em 2030 houver um progresso significativo em algumas metas básicas de pobreza, alimentação, saúde, educação... pode-se dizer que a vida de milhões de pessoas melhorou.

© 2023 Aceprensa. Publicado com permissão. Original em espanhol.

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