
Ouça este conteúdo
Com os votos de Alexandre de Moraes e Flávio Dino pela condenação de Jair Bolsonaro e dos outros réus por tentativa de golpe de Estado, resta o pronunciamento de três ministros da Primeira Turma: Luiz Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin. Mesmo Moraes e Dino ainda podem alterar seus pareceres. Em tese, os acusados poderiam se livrar da condenação.
Também em tese, há razões que sustentariam essa hipótese. Desde que as defesas foram ouvidas na semana passada, surgiram questionamentos sobre ilegalidades no processo, sem mencionar as possíveis sanções que os ministros podem sofrer com a investida do governo Donald Trump que já aplicou a Lei Magnitsky contra Moraes e ameaça punir outros envolvidos em violações de direitos humanos.
Na prática, porém, a percepção dominante é de que o futuro de Bolsonaro já está selado: pelo histórico das votações na Primeira Turma e pela falta de fatores que influenciem os ministros a decidir pela absolvição, ele deve ser condenado à prisão no julgamento previsto para terminar na sexta-feira.
O pessimismo de advogados e aliados
Apesar da possibilidade teórica de uma absolvição, juristas e advogados ouvidos pela Gazeta do Povo se mostram céticos sobre essa possibilidade. Para eles, ainda que os vícios processuais sejam graves o suficiente para justificar futuras anulações, a chance de revisão é pequena.
O advogado Paulo Faria, que representa o ex-deputado Daniel Silveira em outro processo no STF, critica o atual modelo sob relatoria de Alexandre de Moraes, que dificulta recursos. “Quando cabe recurso, o próprio relator nega seguimento e muitas vezes impede que o colegiado analise”, diz. Para Faria, a chance de nulidade é “remota” no cenário atual, mas poderia crescer caso haja mudanças no sistema de revisão processual.
Na mesma linha, o advogado doutor em ciências criminais Marcelo Sant’Anna afirma que as ilegalidades na condução do processo são tão graves que “o único caminho possível seria a nulidade absoluta de todos os atos praticados”.
O precedente: ministros tendem a acompanhar Moraes
O maior obstáculo à absolvição de Bolsonaro é o histórico de julgamentos: dos cinco ministros da Primeira Turma, três têm acompanhado integralmente Alexandre de Moraes no inquérito sobre o suposto golpe de Estado: Dino, Cármen Lúcia e Zanin. Apenas Luiz Fux demonstrou discordâncias.
Dessa forma, mantido o histórico, o placar mais otimista para Bolsonaro é uma derrota por 4 a 1 — ou, eventualmente, 5 a 0 em que Fux aceita apenas parte das acusações.
Embora uma decisão contra os réus possa ser interpretada como política, apenas Luiz Fux teria essa preocupação. “Fux sempre foi juiz e eu acho que ele pode carregar uma mancha do julgamento político”, afirma a advogada e mestre em Direito Zizi Martins. Votar pela absolvição, portanto, preservaria a coerência histórica do ministro, mas não de Zanin e Cármen Lúcia, que chegaram ao STF por afinidade política com o presidente Lula e seus aliados.
O medo do impeachment e de sanções
Um dos pontos de esperança dos réus está em possíveis revisões na eventual sentença de condenação. O endurecimento das sanções por parte do governo americano é uma hipótese realista. Além disso, a renovação de 54 das 81 cadeiras do Senado em 2026 poderia alterar o equilíbrio político no Congresso e tornar mais crível a ameaça de impeachment de ministros do STF.
Mas, por ora, não há sinais de que esse receio vá afetar o julgamento na Primeira Turma.
Quanto à hipótese de que o risco de impeachment afete o comportamento dos ministros, Sant’Anna vê a possibilidade distante. “Ter maioria no Senado para iniciar o processo é apenas o primeiro passo”, destaca. “O julgamento do mérito exige quórum qualificado, com dois terços dos senadores votando de forma nominal e aberta”, afirma, lembrando que isso torna a aprovação de um eventual impeachment ainda mais difícil.
O julgamento também tem repercutido no cenário internacional. A Lei Magnitsky, aplicada pelos EUA a Alexandre de Moraes, prevê punições severas, podendo incluir outras autoridades acusadas de violar gravemente direitos humanos. Decisões desproporcionais nesse caso podem expor os demais magistrados a maiores restrições internacionais.
Paulo Faria acredita que a divergência de Fux se deve às sanções. “Depois da Magnitsky e dos cancelamentos de visto, ele mudou”, diz. Segundo Faria, Fux será “o ponto fora da curva”, tentando “se livrar dessas aplicações de sanções próximas, que certamente virão”.
Mas, por ora, não há indícios de que esse temor vá afetar o voto de Zanin e Cármen Lúcia.





