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Emily Jones no campus da Universidade Nacional  Australiana, em Canberra: depois de escrever um artigo condenando o sexismo na universidade, ela foi abandonada pelos amigos | DAVID MAURICE SMITH/NYT
Emily Jones no campus da Universidade Nacional Australiana, em Canberra: depois de escrever um artigo condenando o sexismo na universidade, ela foi abandonada pelos amigos| Foto: DAVID MAURICE SMITH/NYT

Estudantes do sexo feminino que denunciaram agressões sexuais e assédio em universidades australianas encontraram seus dormitórios inundados.

Outras se depararam com portas quebradas e urina em seus colchões. 

Quando Emily Jones, aluna do terceiro ano, pediu a um grupo de homens que parassem de cercar mulheres durante uma tradição dos bares – em que os homens abaixam as calças e cantam enquanto a música australiana “Eagle Rock” toca –, foi abandonada por seus amigos e condenada pela imprensa por se juntar à “polícia contra a diversão”. 

“Ao invés de ficarem felizes por fazer um acordo já que tantas mulheres estavam se sentindo inseguras, eles apenas continuaram a se divertir”, contou Jones, de 22 anos, em uma entrevista no campus. “Fiquei muito desapontada.” 

A Austrália tem uma das maiores taxas de agressões sexuais do mundo, segundo as Nações Unidas, e no ano passado um fluxo constante de agressões no campus, misoginia ritualizada e retaliações cruéis provocaram uma discussão nacional sobre gênero, poder e responsabilidade. 

Um relatório de janeiro do grupo de defesa End Rape on Campus Australia (Pelo Fim dos Estupros no Campus) descobriu que as universidades falham frequentemente na hora de oferecer apoio às vitimas de agressões sexuais e assédio. Em alguns casos, segundo o documento, elas procuraram ativamente encobrir as agressões sexuais para evitar danos à sua reputação. 

E apesar de o problema ser global, cada novo escândalo aqui tem levado a mais denúncias de mulheres, assim como a respostas irritadas do que muitos australianos consideram um elemento chave da identidade do país: uma cultura hipermasculina. 

“É o padrão, na verdade, que quando uma aluna expõe sexismo ou misoginia em sua universidade ela quase sempre se depara com forte reação e ostracismo horrendos, incluindo represálias”, afirma Nina Funnell, defensora de vítimas e escritora. “Isso é incrivelmente comum na Austrália.” 

As autoridades das universidades australianas – especialmente das duas escolas de elite que enfrentam a maioria das críticas, a Nacional Australiana e a de Sydney – insistem que estão lidando com o problema de frente. 

A Universidade de Sydney criou uma linha direta de denúncia de estupros e melhorou o treinamento da equipe, afirma o vice-reitor Tyrone Carlin. Este ano, a ANU iniciou um curso de treinamento em consentimento sexual para todos os alunos do primeiro ano, conta o vice-reitor da universidade, Richard Baker. 

A Comissão Australiana de Direitos Humanos está conduzindo uma pesquisa de 39 mil alunos em 39 universidades do país para mapear a extensão real do problema. 

“Todas as universidade estão fazendo um esforço enorme”, diz Belinda Robinson, executiva chefe da Universidades Austrália, uma associação das escolas de graduação do país, que ajudou a financiar a pesquisa. “É a primeira vez no mundo que se faz essa abordagem do setor como um todo.” 

Punições leves

Muitos alunos, no entanto, questionam o compromisso das instituições. Eles dizem que ainda é comum que reclamações permaneçam sem uma resposta das escolas, que os homens acusados de, por exemplo, classificar os corpos das mulheres nas redes sociais recebam punições leves e que exista pouca coordenação em nível nacional. 

Na ANU e na Sydney, os problemas são óbvios há muito tempo. No ano passado, em uma carta aberta às autoridades da Universidade de Sydney, mulheres que participaram de um governo estudantil escreveram: “Há uma década levamos questões de agressões sexuais e assédio no campus para a administração. Por uma década temos visto resistência a mudanças”. 

Na Universidade de Sydney, por exemplo, o Grupo de Trabalho de Comunidades mais Seguras estabelecido mais de um ano atrás para, em parte, lidar com agressões sexuais é encarado por alguns alunos como uma solução de fachada. 

“Eu estava muito esperançosa, talvez ingenuamente, vejo agora, achando que poderíamos levar as preocupações dos alunos até lá e haveria uma solução”, diz Anna Hush, de 23 anos, estudante de Filosofia que fez parte do grupo no ano passado. “Mas era muito mais eles nos falando o que estavam fazendo do que nós contribuindo para a tomada de decisões.” 

Alguns homens do campus reconhecem um problema maior – “o tratamento das mulheres primeiro como objetos sexuais”, como colocou Harry Licence, de 20 anos, estudante do segundo ano de Mídia e Comunicações. 

“Arpoar uma baleia”

Em um escândalo recente, um aluno do St. Paul, uma faculdade residencial de elite, publicou uma provocação no Facebook comparando sexo com mulheres grandes a “arpoar uma baleia” e oferecendo conselhos de como “se livrar de uma garota” depois de “comê-la”. 

Licence, que tem amigos no St. Paul, diz que em qualquer lugar que alunos privilegiados estejam concentrados em escolas só de homens, há uma falta de experiência na hora de tratar as mulheres como iguais. 

“Acho que surgem problemas significativos quando se vive dentro de uma bolha”, diz ele. 

Em Canberra, Jones ainda está lidando com as consequências de seu isolamento. 

O incidente “Eagle Rock” aconteceu na pista de dança de um bar em sua antiga faculdade, a Burton e Garran, durante um encontro de calouros em agosto do ano passado. Desde abril, quando escreveu sobre as críticas que recebeu depois de reclamar do que havia acontecido no bar, ela diz que não se sentia bem vinda lá. 

Os moradores do seu dormitório começaram a tocar “Eagle Rock”, um rock australiano de 1971 frequentemente ouvido durante as partidas de rugby e em bares, nos corredores. Alguns de seus amigos pararam de falar com ela e a ignoravam na cafeteria, táticas comuns, segundo os especialistas. 

Campus da Universidade Nacional AustralianaDAVID MAURICE SMITH/NYT

Karen Willis, diretora executiva do Serviço de Violência Doméstica e Estupro da Austrália, conta que outros atos de retaliação comuns são inundar os quartos, urinar nos colchões e publicar insultos nas redes sociais. 

Jane O’Dwyer, porta-voz da Nacional Australiana, afirma que a Universidade está trabalhando para resolver o problema. 

“É uma questão cultural na Austrália. Temos uma sociedade hipermasculina”, acredita ela. 

Essa cultura, segundo defensores, significa que casos sérios seguem sem punição. 

“Todos conhecemos mulheres que foram estupradas”, conta Jones. “O que acaba acontecendo com o agressor é que eles ou não fazem nada ou o mudam para outra faculdade. Isso me lembra a maneira com que a igreja católica troca os padres de lugar.”

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