• Carregando...
"O mercado nada mais é que as pessoas fazendo trocas, trabalhadores com salários mais altos, mais opções de compra. Maior liberdade econômica tende a um maior bem-estar", afirma o economista Ricardo Hammoud
“O mercado nada mais é que as pessoas fazendo trocas, trabalhadores com salários mais altos, mais opções de compra. Maior liberdade econômica tende a um maior bem-estar”, afirma o economista Ricardo Hammoud| Foto: Bigstock

O Brasil subiu seis posições no Índice de Liberdade Econômica da Heritage Foundation, durante o último ano da gestão Paulo Guedes, mas analistas ouvidos pela Gazeta do Povo apontam que, com as medidas adotadas pelo PT neste início de governo, o prognóstico para os próximos anos não é bom. Nesta edição do estudo, o país foi da 133ª para a 127ª posição, em um ranking com 176 nações, mantendo uma pontuação estável nos últimos quatro anos. Apesar da melhora, o Brasil segue mais próximo de países considerados repressivos, como China (154ª) e os lanternas Venezuela (174ª), Cuba (175ª) e Coreia do Norte (176ª), do que daqueles economicamente livres, como Cingapura, Suíça e Nova Zelândia, líderes do índice. Abaixo das médias regional e mundial, a pontuação brasileira padece em quesitos como integridade governamental, direitos de propriedade, eficácia judicial e liberdade monetária.

“As pontuações de corrupção e direitos de propriedade do Brasil são relativamente baixas e seu sistema judicial permanece vulnerável à influência política. A presença do estado em muitas áreas da economia continua considerável, prejudicando o desenvolvimento de um setor privado mais vibrante”, afirma a publicação.

Na avaliação do economista Claudio Shikida, professor do Ibmec-MG, como os dados analisados pela Heritage são relativos a meados de 2021 até junho de 2022, não chegaram a captar algumas mudanças implementadas pelo governo Bolsonaro. “Apesar das intenções da equipe de Paulo Guedes, as mudanças teriam impacto a partir de 2022 e 2023. O índice não pegou isso e mesmo assim talvez não pegue no próximo, porque o novo governo está revertendo toda política liberalizante. O Lula faz um jogo de atacar a política monetária, o que prejudica o índice. O Supremo Tribunal Federal também parece legislar cada vez mais que o próprio Legislativo, o que gera insegurança jurídica. Nossa posição nos próximos anos depende de como os outros países vão melhorar ou piorar, mas não tenho dúvida de que o esforço do governo, com seu discurso contrário à liberdade econômica, é para piorar”, antevê.

Outros fatores importantes para a liberdade econômica que têm retrocedido no governo Lula, na opinião de Shikida, são a regulação, as políticas trabalhistas, a tributação e a liberdade de comércio. “O Brasil tem uma burocracia muito resistente à mudança. O servidor público, que não pode ser demitido, nem sempre é simpático a ideias liberais. Quando a medida é liberalizante, o corpo mole acaba sendo maior. O cidadão quer trabalhar, empreender, e o governo que gasta muito não ajuda nesse sentido”, diz.

Shikida acrescenta que não se trata de “estado é mínimo ou máximo”, mas daquele que “com menor custo, consegue gerar mais benefício ao cidadão”. Para ele, avanços nos últimos anos foram a desburocratização de processos e o acesso digital a documentos. “Uma parte importante é o estado ser mais ágil no atendimento às demandas. O governo liberal não afasta o empreendedorismo e a inovação, mas abraça e faz com que seja o mais fácil possível, criando regulação apenas para impedir coisas absurdas. O objetivo é facilitar a vida de todos e estimular a competitividade”, defende.

Professor de Macroeconomia e Contas Nacionais no Ibmec-SP, Ricardo Hammoud observa que, por ser exportador de commodities, o Brasil é muito vulnerável a cenários externos. O país também sofre com um ambiente pouco favorável à tomada de decisões, o que atravanca investimentos em inovação. “Qualquer investimento tem um risco inerente. Se ainda adicionar insegurança jurídica, instabilidade macroeconômica, aumento da inflação e mudanças institucionais, haverá menos pessoas dispostas a fazer esse investimento. E esse ciclo se retroalimenta. Temos um capitalismo de compadrio, como na Rússia, em que só investe e cresce quem é amigo do governo. Em países com maior liberdade econômica, as regras são as mesmas para todos, há liberdade para empreender e a competição é maior”, compara.

Hammoud acrescenta que, embora o governo anterior tenha feito melhorias pontuais em direção à liberdade econômica (como a âncora fiscal do teto de gastos e uma maior independência do Banco Central), as reformas não se perpetuam. “É preciso criar mecanismos em que as mudanças sejam mais estáveis e se perpetuem. Não é algo só deste governo, o Brasil tem dificuldade de fazer reformas que sejam institucionalizadas, como políticas de estado e não política de governo. Essa ideia de que todo o governo muda tudo o que foi feito cria incerteza”, critica.

O professor reforça que há uma “correlação muito grande entre liberdade econômica e prosperidade”. “Os países mais livres são sempre os mais prósperos. É preciso aumentar as taxas de inovação e melhorar o ambiente de negócios, favorecendo não só o mundo corporativo mas o bem-estar das pessoas, pois a prosperidade gera bem-estar. O mercado nada mais é que as pessoas fazendo trocas, trabalhadores com salários mais altos, mais opções de compra. Maior liberdade econômica tende a um maior bem-estar”, reforça Hammoud.

Mestre em economia e especialista do Instituto Millenium (think tank brasileiro que promove valores como liberdade individual, economia de mercado, democracia representativa e Estado de Direito), Lucas Pedrosa acredita que a posição brasileira nesta edição se deve a dois fatores agregados: “a leve melhora do Brasil em algumas medidas do índice de liberdade econômica, fruto, em parte, de algum trabalho do governo anterior, aliado a uma piora de alguns outros países que estavam próximos do Brasil nas últimas edições do índice”. “Ainda assim, a melhora que houve ainda é praticamente irrelevante para quaisquer mudanças estruturais na condição de liberdade econômica do Brasil ou no aumento da sua velocidade de desenvolvimento econômico”, lamenta.

Solução é política

Para Pedrosa, criar um cenário de maior liberdade econômica no futuro passa, impreterivelmente, pela política. Além de eleger “lideranças políticas que são comprometidas com o tema da liberdade, tanto no Executivo quanto no Legislativo”, ele defende a necessidade de que o tema se torne mais palatável à população comum, de modo que a agenda ganhe apoio da sociedade.

“Quando se fala de liberdade econômica em termos técnicos para o ‘afegão médio’, ele não consegue entender como isso impacta direta e indiretamente a vida dele. Assim, em vez de dizermos somente ‘precisamos aumentar a liberdade econômica’, acredito que o correto seria impetrar um discurso falando: ‘o governo tem muita burocracia e isso atrapalha você de arrumar um trabalho, empreender, ganhar dinheiro, enriquecer’”, sugere.

Como o atual “governo não tem uma ótica liberal no sentido de aprimorar os mecanismos de liberdade econômica”, o especialista concorda que, “no curto prazo, não há muito o que esperar. O Brasil continuará sendo o que sempre foi”. “O governo anterior, ainda que tivesse grandes nomes do liberalismo brasileiro, possuía uma deficiência em articulação política que também não tornou possível a ocorrência de uma escalada satisfatória – ressalvados pequenos avanços – na direção de uma economia mais livre. Caso os políticos mais ligados à pauta econômica de liberdade conseguissem deixar seus discursos mais palatáveis ao público e conseguissem uma maior projeção midiática, talvez pudéssemos ter esperança para o médio e longo prazo na majoração da liberdade econômica no Brasil”, projeta.

América Latina

No rol dos “majoritariamente não-livres”, o Brasil perde em liberdade econômica para os latinos Chile (22ª), Uruguai (27ª), Peru (44ª), Colômbia (62ª), Paraguai (76ª) e Equador (119ª), e fica atrás de países como Namíbia (102ª), Senegal (103ª), Nicarágua (121ª) e Nigéria (124ª).

O especialista do Instituto Millenium ressalta que a comparação entre Chile e Brasil é difícil, uma vez que o território chileno é bastante diferenciado e a população representa menos de 10% da brasileira. “Países de pouca população e governos centralistas são muito mais passíveis de rumarem num caminho sem divergências que o contrário. Todavia, ainda que comparado com os demais latinos, o Brasil está numa situação ruim”, observa Pedrosa.

Ele defende que um país melhor que o Chile para o Brasil se espelhar seria o Uruguai, porém com ressalvas. “Governos com tendências liberalizantes eleitos nos últimos anos têm feito o país rumar a um novo caminho de desenvolvimento, com maior riqueza, maior IDH e elevação da qualidade de vida da população. Todavia, vale a pena salientar, por pragmatismo, que o Uruguai tem uma população próxima de 3,5 milhões de pessoas – equivalente à população do estado do Mato Grosso. Assim, há uma facilidade maior para se engendrar novas políticas econômicas, em comparação com um país continental como o Brasil”, explica.

Encruzilhada mundial

Esta edição do índice considera as políticas e condições econômicas de 184 países soberanos (sendo que oito deles não foram ranqueados), entre 1º de julho de 2021 e 30 de junho de 2022”, revelando que a maior parte da economia mundial é “majoritariamente não livre”. “O Índice de Liberdade Econômica deste ano revela o quão frágil a economia mundial se tornou. O mundo e a América estão em uma encruzilhada”, diz Kevin Roberts, presidente da Heritage Foundation.

“Hoje, a liberdade econômica está cercada por todos os lados. O Partido Comunista Chinês (PCCh) está trabalhando para restringir a liberdade não apenas dentro de suas próprias fronteiras, mas em nações ao redor do mundo. Os burocratas estão mais poderosos do que nunca. Eles trabalham com organizações globalistas e corporações multinacionais para redigir regulamentos que sufocam a liberdade da classe média enquanto enriquecem os poderosos, sob o disfarce de emergências de saúde, aquecimento global e investimentos ambientais, sociais e de governança”, explica Roberts, no prefácio do índice.

Com Joe Biden na presidência, os Estados Unidos amargam, nesta edição, sua pontuação mais baixa de todos os tempos, ficando na 25ª posição. “Durante meses, o governo Biden ignorou os avisos de gastos desnecessários e políticas econômicas ruins, e o povo americano é quem está pagando por isso”, critica EJ Antoni, pesquisador do Centro de Análise de Dados da Heritage. “Os consumidores estão esgotando suas economias, que caíram mais de US$ 1,6 trilhão em 2022, e incorrendo em mais dívidas de cartão de crédito apenas para sustentar suas famílias.”

Pelo quarto ano consecutivo, Cingapura se mantém no posto de economia mais livre do mundo, graças a fatores como governo limitado, estado de direito sólido, eficiência regulatória e abertura de mercado. “O nível cumulativo de investimento estrangeiro direto dos Estados Unidos em Cingapura chega a mais de US$ 300 bilhões, superando nosso investimento estrangeiro direto na Índia, China e Coreia do Sul juntos”, analisa o editor do ranking da Heritage, Anthony B. Kim. “De fato, Cingapura demonstra na prática que o crescimento econômico e a prosperidade são um resultado poderoso de políticas que preservam e promovem a liberdade econômica”, completa.

A Heritage Foundation é um think-tank conservador dos Estados Unidos, responsável pela publicação do jornal Daily Signal, parceiro da Gazeta do Povo. Publicado anualmente desde 1995, o Índice de Liberdade Econômica da Heritage é um dos mais respeitados do mundo.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]