• Carregando...
Diogo G. R. Costa, FEE
Diogo Godinho Ramos Costa, que já presidiu a Enap e foi CEO do Instituto Millenium, agora é presidente da Foundation for Economic Education (FEE), importante think tank liberal dos Estados Unidos. Confira a entrevista com a Gazeta do Povo.| Foto: Escola Nacional de Administração Pública

Nascida há 77 anos, a Foundation for Economic Education (sigla FEE, em tradução livre Fundação pela Educação Econômica) é um dos mais importantes think tanks do pensamento político liberal nos Estados Unidos. Foi descrita certa vez por Friedrich Hayek, filósofo e laureado do Nobel, como nada menos que um instrumento de "defesa da nossa civilização contra o erro intelectual". Pela primeira vez, a FEE tem um presidente brasileiro, Diogo G. R. Costa; anunciou a fundação na semana passada (21).

Costa, que tem passagem de pós-graduação em ciência política pela Universidade Columbia (EUA) e em economia política pelo King's College em Londres, além de ter encabeçado o Instituto Millenium e a Escola Nacional de Administração Pública (Enap) no Brasil, deu a entrevista abaixo para a Gazeta do Povo a respeito de seu novo cargo.

Gazeta do Povo: Diogo, parabéns pela sua nomeação. Como ela aconteceu?

Minha nomeação ocorreu por meio de um processo seletivo com mais de 100 candidatos. A instituição está buscando se adaptar aos novos desafios digitais, combinando o impacto que ela tinha em seus programas e publicações com a escala que ganhou com seu conteúdo. Eles procuravam alguém com experiência em transformação institucional, que combinasse uma compreensão sólida do ideário liberal com a liderança do impacto em larga escala. Essa combinação direcionou o processo seletivo e resultou na minha escolha. Fico muito agradecido pela confiança do conselho diretor e espero atingir e superar suas expectativas.

O que é a FEE e que tipo de atividades ela promove?

Fundada em 1946 por Leonard Read, a FEE é o mais antigo think tank de vertente liberal clássica e libertária dos Estados Unidos. Desde a sua fundação, a FEE teve papel maior na liderança do liberalismo no século XX, contando com contribuições de figuras como Ludwig von Mises, Friedrich Hayek, Milton Friedman, George Stigler, Henry Hazlitt, entre outros grandes nomes. Hoje a FEE realiza produção de conteúdo e eventos, seminários e aulas, visando a educação econômica e liberal das novas gerações.

A FEE foi fundada no pós-guerra, mais ou menos junto com o lançamento d'O Caminho da Servidão de Hayek. O filósofo ainda é o norte da organização? Como essas ideias se desenvolveram do século XX para o XXI na organização?

A FEE conseguiu historicamente congregar intelectuais diferentes dentro do guarda-chuva do liberalismo. Certamente, Hayek é um dos mais importantes liberais históricos do século XX e deixou sua marca na instituição. Mas o fundador da FEE, Leonard Read, teve o papel de abrir esse guarda-chuva. Como dizia a tese liberal de Read, que as pessoas sejam capazes de realizar seus planos, desde que sejam pacíficos — a função do governo é manter a paz. Agora, no século XXI, existem também outros movimentos e tendências dentro desse guarda-chuva liberal. Faz sentido para a FEE conversar com as comunidades de estudos de progresso, da agenda de abundância ou da filosofia do florescimento humano.

No Brasil, a ideia de think tank ainda não parece plenamente desenvolvida e presente na cabeça da população. A que você atribui isso?

Organizações da sociedade civil são historicamente um aspecto forte da cultura cívica americana. O pensador francês Alexis de Tocqueville já admirava no século 19 as associações que os americanos faziam entre pares em torno de ações cívicas. Think tanks são uma versão mais recente dessas associações da sociedade civil, com foco na promoção de ideias e de agendas de políticas públicas. No Brasil, essas associações estão mais ligadas a setores econômicos específicos. Ainda assim, o país hoje conta com talvez mais think tanks do que em qualquer outro ponto do seu passado. O Instituto Millennium, de onde estou saindo, é um desses think tanks.

Há uma piada popular entre liberais brasileiros que até pouco tempo atrás todos os seguidores dessa corrente política caberiam em uma Kombi. Agora já enche um ônibus?

É importante diferenciar o liberalismo, o principal ideário político da civilização moderna, do movimento liberal. O liberalismo é marcado no Brasil por conquistas históricas, como a abolição da escravidão e a abertura dos portos, além de avanços mais recentes, como o Plano Real. O movimento liberal brasileiro, por outro lado, enfrentou um período de declínio durante a época conhecida como o fim da história, justamente quando o liberalismo era celebrado por derrotar o modelo soviético. Durante os anos 1990 e início dos anos 2000, o movimento liberal brasileiro foi reduzido a alguns poucos e valentes. Era um cenário muito diferente do atual, em que a comunicação política e intelectual dependia de intermediários como universidades, editoras e jornais. O movimento liberal brasileiro construído a partir da internet e da revitalização de espaços tornou-se muito mais vibrante. O Brasil superou outros países, criando um dos maiores movimentos liberais do mundo.

Alguns liberais brasileiros se firmaram como "liberais por inteiro", se opondo especialmente ao campo dos liberais que se aproximaram de Bolsonaro e enfatizam a parte econômica. Esses liberais com frequência defendem ideias meio controversas no liberalismo, como as cotas raciais. Como você vê esse racha?

O liberalismo sempre foi plural em seus movimentos, muitas vezes se contaminando de características de ideologias adversárias. Discordâncias nem sempre são saudáveis, mas são naturais e inevitáveis. Mesmo intelectuais próximos, como Friedman e Hayek, tinham várias discordâncias, especialmente em relação à política monetária, que não é um tema menor. Me considero um liberal bastante eclético, bebendo de diferentes correntes e tradições dentro do liberalismo, como o utilitarismo (teoria ética baseada nas consequências e na diminuição da dor) e a deontologia (teoria ética baseada nos em princípios e deveres morais), a economia austríaca e a neoclássica, e entendo que, apesar de ter algumas posições pessoais bem definidas, o movimento liberal permite margem para discussões e divergências.

Você tem planos de estreitar as relações da FEE com o Brasil?

A FEE vai continuar sendo uma instituição mais centrada nos Estados Unidos, porque grande parte da vanguarda do pensamento liberal continua acontecendo no mundo anglófono. Mas a organização já começou a ter uma presença internacional com a FEE em espanhol para a América Latina, e é natural que a gente consiga expandir essa presença global, inclusive, possivelmente, para o Brasil.

Como você vê a situação atual de proximidade entre o Executivo e o Judiciário no Brasil, especialmente no STF e TSE? Você acha que nossos ministros estão respeitando os princípios da democracia liberal, como tanto insistem desde 2019 em suas ações e decisões mais ousadas?

O Brasil continua preso a voluntarismos e ações estatais que atravessam e subjugam o Estado de Direito. Como diz David Boaz, a grande causa liberal na história é colocar o poder debaixo da Lei, colocar o arbítrio debaixo da liberdade humana. Os abusos do Judiciário são exemplos do que acontece quando indivíduos colocam o próprio poder acima do Estado de Direito. Vemos isso em alguma escala hoje na estrutura do Estado brasileiro, mas não é a primeira vez que isso acontece e não vai ser a última. Domesticar o poder arbitrário com a regra da lei vai continuar sendo a grande causa liberal.

O que você acha da legislação brasileira que trata das liberdades de expressão e econômica?

Basta ver os índices de liberdade de mídia da Freedom House (parcialmente livre) e de liberdade econômica do Fraser Institute (90º lugar) para termos uma ideia de como o Brasil ainda vai mal em ambos os quesitos. Parte importante do papel dos think tanks é conseguir dar essa visão para a sociedade, que às vezes está muito presa em narrativas políticas ou na sequência incessante de fatos políticos. Dar um passo para trás e perceber nossa posição no contexto global nos traz perguntas importantes: por que estamos tão mal? O que podemos aprender com outros países? E quais são as soluções viáveis para tornar nosso país mais livre e próspero?

Você tem esperança que o Brasil consiga ao menos seguir o exemplo do Chile em adotar posturas mais liberais na economia?

Acredito na possibilidade de o Brasil adotar reformas econômicas liberais sem seguir o mesmo caminho autoritário do Chile, mas sim através de processos republicanos que melhorem o ambiente de negócios. Sou otimista quanto à próxima geração de lideranças e instituições civis brasileiras. A melhoria do ambiente de negócios é uma pauta que, quando bem articulada, tem apelo popular e será do interesse de lideranças públicas atender a essas demandas. Importa termos estruturas de incentivos para que mesmo políticos errados façam a coisa certa.

E aí, imposto é roubo mesmo?

A tributação é uma instituição coercitiva considerada necessária por muitos economistas e filósofos políticos para a provisão de bens públicos. Se quisermos vislumbrar uma sociedade mais livre, precisamos de inovações culturais, institucionais e tecnológicas que aumentem a provisão de bens públicos desvinculada da coerção tributária.

Os leitores da Gazeta do Povo podem ler artigos traduzidos da FEE neste link.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]