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O anúncio da Nike com Colin Kaepernick em exibição em Nova Iorque. | ANGELA WEISS/ AFP
O anúncio da Nike com Colin Kaepernick em exibição em Nova Iorque.| Foto: ANGELA WEISS/ AFP

Em 1996 o legendário jogador de basquete e promotor da Nike Michael Jordan teria recusado um pedido de endossar o candidato negro ao Senado Harvey Gantt, que disputava o lugar de Jesse Helms, dizendo: “Republicanos também compram tênis”. Agora, 20 anos mais tarde, a Nike parece estar determinada a pôr essa ideia à prova com sua nova e polêmica campanha publicitária com Colin Kaepernick, o jogador de futebol americano atualmente inativo que ficou conhecido por ter sido o primeiro a se sentar (e mais tarde se ajoelhar) quando o hino nacional era tocado antes das partidas, em um gesto de protesto contra a injustiça racial. A campanha de Kaepernick para a Nike, construída em torno de uma mensagem – “Acredite em alguma coisa. Mesmo que isso signifique sacrificar tudo” – inclui closes extremos do quarterback e seu penteado afro, sugerindo um heroísmo icônico associado a figuras do passado do movimento pelos direitos civis. A Nike vai contribuir para a organização Conheça Seus Direitos, do ex-jogador, um acampamento de verão para jovens em situação de risco operado pela Fundação Colin Kaepernick, cuja missão é “combater a opressão de todos os tipos globalmente por meio da educação e do ativismo social”.

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Há dois anos Kaepernick vem sendo uma figura que divide opiniões entre os torcedores e mesmo entre pessoas que não acompanham o futebol americano. Seus defensores citam o fato de ele não ter encontrado um lugar de quarterback na NFL como evidência clara e inequívoca do racismo institucional da liga, que Kaepernick teria “sacrificado tudo” para combater. Mas as reivindicações específicas do jogador são pouco claras, na melhor das interpretações. Um perfil recente dele publicado pelo “New York Times” destacou seu silêncio conspícuo e “ensurdecedor”, retratando-o como uma tática poderosa. Quando Kaepernick de fato fala, porém, o quadro que ele descreve guarda pouca relação com a realidade. Em abril, ao receber um prêmio da Anistia Internacional na Holanda, Kaepernick disse que “policiais americanos continuam a aterrorizar as comunidades negras e morenas, abusando seu poder e depois escondendo-se atrás de seu muro azul de silêncio e das leis que permitem que eles nos matem com virtual impunidade”. Não é preciso ser politicamente conservador para reconhecer que tais declarações são hiperbólicas ao extremo. 

Reivindicações específicas

Kaepernick não oferece nada que explicite suas reivindicações, exceto por uma lista de direitos contendo dez pontos e que inclui “o direito de ser amado”. Ele não tem proposta específica a não ser mais protestos e ativismo. Ele se nega a votar. Seus protestos se converteram de uma crítica do tratamento dado pela polícia americana aos afro-americanos a um protesto geral contra “a opressão de todos os tipos globalmente”. 

Outros jogadores da NFL que se consideram conscientizados politicamente trabalham com a liga para financiar organizações que defendem seus pontos de vista. Após negociações com jogadores ativistas representados por Malcolm Jenkins, do Philadelphia Eagles, a NFL prometeu doar US$ 100 milhões a organizações de defesa da justiça social. O acordo provocou um cisma com Kaepernick e outros, para os quais os US$ 100 milhões são um suborno que visa silenciar a dissensão dos jogadores. Mas não está claro o que a NFL poderia fazer, se é que poderia fazer alguma coisa, para satisfazer os jogadores de linha dura, convencendo-os a ficar em pé durante as cerimônias que precedem as partidas. Mesmo após o acordo com a NFL, Jenkins continua a levantar um “punho cerrado do poder negro” enquanto o hino nacional é tocado. 

Os apoiadores famosos de Kaepernick fazem uma reivindicação específica, mas ela não diz respeito à violência policial ou outras questões sociais: eles querem que Kaepernick seja aceito como quarterback em um time da NFL. O próprio Kaepernick está movendo uma ação contra a NFL alegando que a liga conspirou para lhe negar um emprego, e essa queixa virou sutilmente o foco principal de atenção do movimento de protesto. De acordo com os ativistas, o fato de nenhum time querer Kaepernick prova que a NFL está conspirando para frustrar os protestos silenciosos do jogador. Para eles, os times até se dispõem a aceitar quarterbacks menos talentosos, desde que eles não sejam agitadores. Será que é verdade? Kaepernick teve uma fase breve de grande sucesso, até a NFL redescobrir a verdade de que quarterbacks altamente velozes podem ter sucesso apenas por tempo limitado, antes que as defesas e as lesões reiteradas acabem os fazendo desacelerar. Robert Griffin III jogou em estilo semelhante, ganhando prêmios e elogios em uma temporada brilhante de jogador novato em 2012, até que lesões nos joelhos e jogadas fortes de ataque acabaram cobrando um preço de sua forma física. Hoje ele se considera “abençoado” por ter conseguido sobreviver aos cortes pré-temporada para tornar quarterback de terceira linha em Baltimore. Griffin tem 28 anos; Kaepernick terá 31 em novembro. 

Hoje em dia alguns quarterbacks de fato continuam a jogar até quase os 40 anos, mas eles são, em sua maioria, jogadores que tiveram carreiras contínuas de sucesso quase ininterrupto, como Tom Brady, Drew Brees ou o agora aposentado Peyton Manning. Em San Francisco, Kaepernick foi relegado ao banco de reservas em favor de Blaine Gabbert. Não foi exatamente um sinal de endosso de seus talentos por parte dos treinadores, que precisam colocar os melhores jogadores em campo sempre se quiserem continuar a ter emprego. Kaepernick não joga desde 2016, quando iniciou 11 partidas para um time pobre de San Francisco que ganhou apenas uma delas. Seu recorde de carreira como jogador iniciador é 28-30. Vale observar que foi apenas depois de ser deixado na reserva que Kaepernick decidiu dar vazão à sua consciência política. 

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Kaepernick pode ser melhor do que os piores quarterbacks ativos no esporte hoje, mas os times da NFL são empreendimentos comerciais que precisam satisfazer muitas partes investidas em seu êxito, incluindo os torcedores. Se Kaepernick fosse o melhor quarterback aí fora, com certeza algum time decidiria que a publicidade negativa que ele atrai pesaria menos que a perspectiva de seu time ganhar o Super Bowl. O modo como os donos dos times da NFL lidam com distrações fora do campo varia, mas é fartamente conhecido que eles evitam jogadores (mesmo quarterbacks) que possam prejudicar sua marca. Tim Tebow ganhou várias partidas da NFL com muito brilho, mas seu fervor religioso – somado à eficácia limitada de seu estilo próprio de quarterback corredor – levou times a evitá-lo, mesmo para atuar como quarterback de reserva ou mesmo terceira linha. Hoje ele joga beisebol numa liga de segunda divisão. 

A Nike acaba de assinar um contrato de 1 bilhão de dólares com a NFL. A empresa global de calçados, roupas e equipamentos esportivos certamente terá feito uma pesquisa de mercado que terá sugerido que Kaepernick pode beneficiar sua marca. No clima atual de polarização política e combatividade intransigente, isso pode de fato ocorrer. Mas é bom lembrar que a Coca-Cola fez pesquisas que deram resultados supostamente certeiros sobre a nova Coca, assim como a Pepsi sobre a Pepsi Crystal e a Ford sobre o Edsel. O tempo dirá qual será o resultado da aposta da Nike. 

Emmett Hare, do Brooklyn, é consultor político.

Tradução por Clara Allain

©2018 City Journal. Publicado com permissão. Original em inglês

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