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Responda rápido: quando alguém diz a palavra cientista, qual a primeira imagem lhe vem à cabeça? Muito provavelmente, a de um homem de jaleco branco e cabelo desgrenhado, ao estilo Albert Einstein, embora muitas mulheres tenham contribuído de maneira fundamental para grandes descobertas da Ciência. Afinal, quem já ouviu falar de Lise Meitner? Certamente quase ninguém, já que a fissão nuclear, fruto dos estudos dela, acabou atribuída ao seu colega Otto Hahn, que chegou a ganhar o Prêmio Nobel de Química pelo feito.
Parece absurdo, mas passagens assim são para lá de comuns nas páginas da história mundial. Trazer à tona mulheres protagonistas, que foram à luta e marcaram seu tempo (ainda que anonimamente), é o que faz a autora Sam Maggs no livro recém-lançado no Brasil “Wonder Women: 25 mulheres inovadoras, inventoras e pioneiras que fizeram a diferença” (Primavera Editorial, 240 páginas).
“Há muito tempo que os homens recebem os créditos pelo trabalho de mulheres inteligentes. Nós estamos lutando para corrigir muito dessa falsa história, mas é difícil, se não for impossível, reparar totalmente os erros cometidos com as muitas cientistas do sexo feminino que foram tratadas de forma injusta pelos registros históricos em favor de seus colegas de trabalho do sexo masculino”, explica a autora.
A obra é a segunda publicada pela jovem Sam Maggs, que se autodefine como “estranha e geek e introvertida”. Para ela, o grande xis da questão atual é a representatividade: ou seja, que todos, independentemente de raça, gênero ou credo, possam se identificar com os personagens vitoriosos nas páginas e nas telas, mas, sobretudo, no mundo real.
“Não há nada de errado com uma mulher que opta por ficar em casa e ser uma grande apoiadora de sua família, contanto que essa seja sua escolha. Infelizmente, contudo, na maior parte do tempo na história, outras opções foram negadas às mulheres”, lamenta.
Os números poderiam facilmente atestar que mulher não se envolve com tecnologia, ciência, medicina e engenharia. Por exemplo: apenas 30% dos funcionários da Google e 22% dos desenvolvedores de jogos são mulheres, e somente 5% das patentes norte-americanas incluem o nome delas. Uma pesquisa bibliográfica mais cuidadosa, como a feita por Sam, no entanto, revela mulheres incríveis, talentosas e bem-sucedidas nas mais diversas áreas do conhecimento.
“Quanto mais eu pesquisava para escrever este livro, mais eu sabia que as histórias dessas mulheres tinham de ser contadas para o bem de todos os seres humanos, em toda parte do mundo”, ressalta.
Por meio das 25 histórias relatadas na obra, além de entrevistas com mulheres que fazem a diferença, o leitor é chamado a mergulhar em histórias fantásticas como a de Anandibai Joshi, indiana que, em meados do século 19, cruzou um oceano sozinha para ajudar no progresso da saúde das mulheres da sua terra natal.
“A história está repleta de moças engenheiras, espiãs e cientistas, porém, a história também é escrita pelos vitoriosos, e pode não ser uma surpresa que, até agora, a maioria esmagadora dos vencedores foram caras brancos e heterossexuais. Para todo o resto do pessoal, as coisas não deram tão bem assim. A boa notícia é que nós podemos reparar esse problema, é só inclinarmos a balança para que fique um pouco mais equilibrada”, defende a autora.
Ao mostrar que a maioria dos criptoanalistas durante a Segunda Guerra Mundial era do sexo feminino (trabalho fundamental para que os Aliados vencessem a guerra), o primeiro programa de computador, o equipamento tecnológico sem fios e a fissão nuclear, Sam Maggs deseja encorajar moças de todas as idades a “expandir seus horizontes na ciência, tecnologia e além”.
“Em primeiro lugar, temos de disseminar as histórias dessas mulheres pelo mundo. Porque representatividade é importante. E nós, moças, precisamos de inspiração de verdade para a próxima vez em que estivermos duvidando de nossa capacidade de inventar alguma coisa com medo de aprender a codificar, ou nos sentindo como se simplesmente não tivéssemos um lugar no mundo”, afirma.
Conheça 5 mulheres-maravilha reais:
Física Nuclear Austríaca (1878– 1968)
Entre as muitas cientistas tratadas de forma injusta pelos registros históricos, está Lise Meitner. Nascida em Viena, como a terceira de oito filhos de um pai instruído, gostava de aprender e já demonstrava propensão à física na infância. Em 1905, depois de ser a única mulher numa sala de 200 alunos no doutorado em física, na Universidade de Viena, ela se uniu ao químico Otto Hahn.
No laboratório, Lise sofreu preconceito por ser mulher, tendo o salário negado e sendo relegada ao status de pesquisadora convidada, inclusive, para ir fazer seus experimentos no porão. Durante a Primeira Guerra, começou a trabalhar com raios X, sendo elogiada por ninguém menos que Albert Einstein. Em 1930, com o avanço do nazismo, deixou a Alemanha — onde dava aula — por causa de suas raízes judaicas. Em Estocolmo, continuou suas pesquisas e passou a trocar correspondências com Otto sobre fissão nuclear.
Embora ele tenha tido sucesso na tarefa seguindo à risca as instruções escritas por Lise, ela acabou ficando conhecida como uma assistente júnior de Otto, que foi condecorado com o Prêmio Nobel de Química em 1946 pela descoberta. Atualmente, a dedicação de Lise nos estudos da fissão nuclear vem sendo reconhecida, tanto que o elemento 109 é chamado de meitnério em honra a ela.
Química e Pesquisadora Médica Americana (1892– 1916)
A afro-americana Alice A. Ball viveu apenas 24 anos, mas suficientes para deixarem marcas profundas na medicina de seu tempo. Com duas graduações aos 22 anos, em química farmacêutica e ciências, foi primeira mulher a receber o grau de mestrado da Faculdade do Havaí (em 1915), tornando-se a primeira professora negra de química da universidade. Em 1910, quando Alice entrou na faculdade, 84% das profissionais negras em Seattle trabalhavam como empregadas domésticas.
Enquanto trabalhava em sua tese (sobre a composição química da raiz de uma planta sedativa), Alice foi abordada por um cirurgião em busca de tratamento mais eficaz para a hanseníase. Foi aí que ela começou a pesquisar as propriedades do óleo de chaulmoogra, usado na medicina indiana e chinesa para tratar de doenças cutâneas. Impossível de ser ingerido, por seu gosto, e de ser aplicado, por ser insolúvel em água, Alice resolveu o problema isolando os ésteres etílicos dos ácidos graxos presentes no óleo, o que tornou o tratamento injetável.
A cientista faleceu após inalar gás clorídrico em um de seus experimentos, mas sua descoberta salvou pacientes com hanseníase ao redor de todo o mundo, sendo usado durante três décadas.
Médica Indiana (1865– 1887)
Em uma época em que até mesmo a alfabetização básica era negada às mulheres da Índia, a jovem Yamuna queria, mais que tudo, aprender. Seu pai a encorajou, contratando-lhe o professor particular Gopalrao, com quem ela se casou aos nove anos de idade (ele tinha 26). O bondoso professor batizou a jovem esposa com o nome Anandibai, que quer dizer “alegria do meu coração”, respeitando seu desejo de aprender.
Aos 14 anos, ela deu à luz o filho do casal, que viveu apenas dez dias. A tragédia despertou Anandibai para a necessidade de cuidados médicos de seu povo e para o sonho de ser médica. A ideia recebeu todo o apoio do marido, que escreveu para um missionário americano, na tentativa de enviar a esposa aos Estados Unidos para cursar uma faculdade. A carta acabou publicada e chamou a atenção de uma mulher, que ajudou Anandibai a ingressar em uma faculdade norte-americana, com uma bolsa de estudos.
Em junho de 1883, Anandi chegou a Nova Jersey, tornando-se a primeira mulher hindu a colocar os pés nos Estados Unidos. Concluiu em três anos a faculdade de quatro, tendo se dedicado à obstetrícia em sua tese. Formou-se em 1886, com o marido prestigiando na plateia. Com a saúde debilitada pela tuberculose (contraída enquanto esteve em Calcutá), acabou falecendo apenas três meses após voltar para a Índia.
Autora e Espiã Aliada Indiana-Americana (1914– 1944)
Com o perdão do spoiler, nesta história a protagonista morre antes da vitória decisiva. Foi em 13 de setembro de 1944 que Noor Inayat Khan levou um tiro dos nazistas, que lhe atingiu a nuca, no campo de concentração Dachau. Filha de um membro da realeza indiana com uma plebeia americana, Noor foi criada na França, ao lado dos quatro irmãos, e assumiu o papel de chefe da casa após a morte do pai, em 1927.
Pacifista, em 1940, alistou-se na Força Aérea Auxiliar das Mulheres Britânicas, pensando que "se uma indiana realizasse um serviço épico para a Inglaterra, seria possível que as relações entre os dois países melhorassem". Tudo que ela queria era construir uma ponte entre o povo inglês e indiano.
Assim, com nome falso e alta habilidade na operação do telégrafo, Noor acabou basicamente encarregada das comunicações secretas britânicas em Paris. Tragicamente traída, em 1943, possivelmente por um agente duplo, Noor foi capturada pelos alemães. Sua bondade com todos emocionou até mesmo o oficial da Gestapo responsável por sua prisão. Morta pelos nazistas, recebeu condecorações e foi a primeira muçulmana ou asiática a ter um memorial em toda a Grã-Bretanha.
Enfermeira e Inventora Americana (1914– 2009)
Nascida em uma família pobre, no sudeste rural da Virgínia, Bessie Blount Griffin estava determinada a provar “que nós, mulheres negras, podemos fazer mais do que dar de mamar no peito a seus bebês e limpar seus banheiros”. Alfabetizada em uma escola de ex-escravos que não dispunha de livros, aprendeu a ler recitando trechos da Bíblia. Quando apanhou de um professor por estar escrevendo com a mão esquerda, aprendeu a escrever também com a direita, os pés e a boca.
Em 1944, desejosa de ajudar os desfavorecidos, Bessie chegou a Chicago, onde estudou fisioterapia e design industrial (e também um pouco de dança moderna), antes de ir para o Bronx. Foi num hospital de veteranos da Segunda Guerra, especialmente os deficientes, que encontrou sua vocação de inventora. Além de ensiná-los a escrever com os pés ou com os dentes, exatamente como ela havia feito, passou a dedicar as madrugadas ao desenvolvimento de uma espécie de tubo eletrônico de alimentação para pessoas que perderam os braços, usando plástico, água fervente para moldar o material, uma lixa, um pegador de gelo, um martelo e alguns pratos.
Após se dedicar a sucessivos inventos, Bessie foi trabalhar como cientista forense, mudando-se para o Reino Unido, onde, aos 63 anos, ela tornou-se a primeira mulher americana aceita nos estudos avançados na Divisão de Documentos da Scotland Yard.