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Os melhores livros lidos em 2022 por nossos colunistas e colaboradores
Os melhores livros lidos em 2022 por nossos colunistas e colaboradores| Foto: Bigstock

Qual foi o melhor livro que você leu em 2022, tendo sido publicado no ano que passou ou não? Foi essa simples pergunta que fizemos a vários de nossos colunistas e colaboradores com o objetivo de fazer um guia com as melhores leituras para você, nosso assinante, começar 2023. Na lista abaixo, você vai encontrar livros que fogem ao óbvio e que na maior parte das vezes não são resenhados e comentados fora dos círculos liberais e conservadores. Houve dois casos de livro recomendado mais de uma vez: 'Fé, Esperança e Carnificina' (Ed. Terreno Estranho) e ‘Contra Toda a Censura — Pequeno Tratado Sobre a Liberdade de Expressão’ (Ed. Avis Rara), do diplomata Gustavo Maultasch, um indicativo dos tempos em que vivemos no Brasil. Aliás, o próprio Maultasch participou da lista e deixou sua indicação.

Gostou dos livros? Não gostou? Gostaria de indicar outros? Use a caixa de comentários para deixar suas indicações.

Confira a lista:

Rodrigo Constantino

— colunista da Gazeta do Povo

O historiador Victor Davis Hanson, em seu recente livro ‘The Dying Citizen’ [O cidadão moribundo, em tradução livre, sem edição no Brasil], comenta sobre mudanças culturais em curso nos Estados Unidos que podem estar tornando esta grande nação livre, cuja Constituição tem mais de dois séculos com poucas emendas, em algo mais similar aos países latino-americanos. Para ele, essa noção de cidadania pode estar ameaçada: “Afinal, a cidadania não é um direito; requer trabalho. No entanto, muitos cidadãos de repúblicas, antigas e modernas, passam a acreditar que merecem direitos sem assumir responsabilidades — e não se preocupam como, por que ou de quem herdaram seus privilégios”.

Hanson acrescenta: “Os cidadãos não são meros residentes, propensos a receber mais do que dar. Eles não são povos tribais que se unem por aparência ou laços de sangue. Eles não são camponeses sob o controle dos ricos. Nem é sua primeira lealdade a uma comunidade mundial abstrata”. A cidadania pressupõe o compartilhamento de certos valores básicos dentro de um território comum, com laços sociais e culturais como elo para o respeito mútuo e a confiança nas regras do jogo. A defesa da propriedade privada, das liberdades individuais e do império das leis é o pilar fundamental de uma república, e desde a origem da Carta Magna britânica em 1215 que o esforço tem sido na linha de limitar o poder abusivo e arbitrário dos poderosos, do próprio Estado.

Diante do enfraquecimento tão patente das repúblicas mundo afora, tantas delas repúblicas só no nome, considero o livro de Hanson um dos mais importantes de 2022 e recomendo veementemente sua leitura.

Antonio Risério

— antropólogo e historiador, autor do livro ‘As sinhás pretas da Bahia: Suas escravas, suas joias’ (Ed. Topbooks) 

Não sei dizer exatamente qual o melhor livro que li no ano que passou. Na verdade, leio de quatro a cinco livros por mês, em média, e atravessei livros excelentes durante 2022, a exemplo de ‘Na Casa de meu Pai - A África na Filosofia da Cultura’, do filósofo anglo-ganês Kwame Anthony Appiah. Mas destacaria, entre tantas coisas, a releitura do livro sensacional de Demétrio Magnoli, ‘Uma Gota de Sangue - História do Pensamento Racial’, e trabalhos do historiador mineiro Eduardo França Paiva, cuja obra eu até então desconhecia. Se for para pinçar um título, cito ‘Dar Nome ao Novo - Uma História Lexical da Ibero-América entre os Séculos XVI e XVIII - As Dinâmicas de Mestiçagem e o Mundo do Trabalho’. E neste, se for para pinçar uma das coisas que me impressionaram, cito a leitura antropológica que ele faz do mercado em nossa vida colonial. Costumamos ler o mercado principalmente em termos econômicos. Paiva lê o mercado antropologicamente, falando de seu lugar e função nos jogos genéticos e simbólicos que constituíram a gente brasileira.

Leandro Narloch

— jornalista e escritor, autor do ‘Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil’

É bem provável que ‘Contra Toda a Censura — Pequeno Tratado Sobre a Liberdade de Expressão’ (Ed. Avis Rara), do diplomata Gustavo Maultasch, seja o melhor livro de não-ficção escrito por um brasileiro em 2022. E dos mais relevantes, tendo em vista a quantidade de tolices que temos ouvido sobre liberdade de expressão nas redes sociais. Maultasch, que além de diplomata é doutor em administração pública pela Universidade de Illinois-Chicago, resgata os argumentos clássicos contra a censura e novas refutações a afirmações recentes, como “é preciso limitar a liberdade de expressão para salvar a democracia”. Ora, alerta o autor, isso é como um médico matar um paciente para melhor poder aplicar-lhe o remédio, pois a democracia não é um fim em si mesma, mas um meio para proteger justamente as nossas liberdades. Apesar da defesa explícita à liberdade de expressão, o livro não tem tom de proselitismo – a argumentação é elegante e o autor aproveita para descrever como pensa (e em quais falácia tropeça) o típico intelectual brasileiro. Mostra, por exemplo, como a elite urbana escolarizada age contra a democracia que tanto diz defender. Em temas que divergem da opinião popular, como aborto, armas e maioridade penal, essa elite vira as costas ao processo democrático e recorre às cortes para impor sua vontade. Pensando bem, não é só provável, este é certamente o melhor livro de não-ficção escrito por um brasileiro em 2022.

Luciano Trigo

— colunista da Gazeta do Povo

“Contra toda censura”, de Gustavo Maultasch, é uma leitura obrigatória nestes tempos muito estranhos, em que a liberdade de expressão é atacada por aqueles que afirmam lutar pela democracia. Parece que, de repente, passou a ser considerado bonito perseguir e calar adversários. A respeito de muitos assuntos, já não é possível falar ou escrever sem medir cuidadosamente as palavras, sob risco de cancelamento ou coisa pior. De forma metódica, o autor alerta para os perigos da censura e volta aos fundamentos do tema, levando o leitor a refletir sobre questões como: quais devem ser os limites da liberdade de expressão? Por que não se deve confiar ao Estado a função de definir o que pode ou não pode ser dito? E por que não existe “censura do bem”?

Gustavo Maultasch

— autor de ‘Contra toda Censura: Pequeno Tratado sobre a Liberdade de Expressão’ 

Recentemente tenho-me interessado pela nova hegemonia do pensamento comunista (agora em sua versão neocomunista com ênfase em questões de gênero, raça etc). Isso tem-me levado a ler livros de memórias e ensaios de comunistas e anticomunistas, em busca de reflexões mais pessoais que possam explicar, de maneira mais íntima, o fascínio do pensamento comunista e a consequente complacência com que essa ideologia vil é tratada no debate público. Um dos melhores livros que li em 2022 foi ‘Koba the Dread: Laughter and the Twenty Million’ [Koba, o terrível: Risos e os Vinte Milhões, em tradução livre], do escritor inglês Martin Amis. “Koba” era o apelido de Stalin, e o livro é uma grande composição de memórias pessoais, reflexões filosóficas e outras polêmicas sobre o tema do comunismo, do totalitarismo e da complacência dos intelectuais com o autoritarismo de esquerda.

Leonardo Coutinho

— colunista da Gazeta do Povo e autor do livro 'Hugo Chávez, o espectro'

Fascista talvez seja uma das palavras mais ditas entre as tantas que foram banalizadas no telecatch que virou a política brasileira e o debate público nacional. Se você não foi chamado de fascista em 2022, possivelmente usou a palavra para esculhambar alguém. Fascismo virou um xingamento. Aliás voltou a ser um xingamento. Primeiro foi Stalin. Ele transformou a palavra, que era sinônimo do ditador Benito Mussolini e seu movimento político, em sinônimo de traidor ou inimigo. Depois foram os comunistas da Alemanha Oriental que batizaram o muro símbolo da divisão do mundo em dois blocos de “barreira antifascista”. Atualmente não dá nem para explicar o que virou o conceito de fascista de tão vago e banal que se transformou na boca e pena de muitos. Mas o que é o fascismo? Como emergiu o fascismo? No livro ‘M, o Filho do Século’ (Intrínseca, 2020), Antonio Scurati faz um trabalho fenomenal de contar em uma obra construída sobre uma extensa e rigorosa pesquisa de eventos, frases e toda ordem de fatos que permitiram parir o fascismo. Embora tenha uma base factual, o livro foi escrito como ficção por se propor nos levar a viver a tragédia social, econômica e institucional que permitiu a Mussolini criar e consolidar seu modelo autoritário de governo. Ler ‘M’ pode ser muito instrutivo para os dias de hoje. Além de ajudar a entender o que vem a ser o fascismo (sem a vulgarização do termo), ele nos ensina sobre os elementos que permitiram Mussolini chegar aonde chegou e nos alerta sobre sintomas muito parecidos e bem evidentes no mundo e no Brasil.

Paulo Polzonoff Jr.

— colunista da Gazeta do Povo,  jornalista, tradutor e escritor

O melhor livro que li em 2022 foi 'Lições de Abismo', de Gustavo Corção – um autor absurdamente bom, talvez até genial (ainda que eu odeie o adjetivo), do qual você provavelmente não ouviu falar na escola. Isso porque Corção era um E.T. no mundinho literário brasileiro, desde sempre dominado por esquerdistas/progressistas. Para piorar, Corção era católico e, para você ter uma ideia, rompeu com a Ditadura Militar por exigir mais repressão aos comunistas (!). Em “Lições de Abismo”, porém, questões políticas dão lugar ao drama de um homem que, uma vez desenganado pelos médicos, passa a refletir sobre sua vida cheia de erros – e com uns poucos acertos. Tá, reconheço que a “trama” não é das mais originais. Há ecos óbvios de “A Morte de Ivan Ilitch” aí. Mas isso não importa. Dono de um estilo que nos melhores momentos lembra os melhores momentos de Machado de Assis (sem o sarcasmo e o cinismo), em “Lições de Abismo” Corção faz o que a melhor literatura é capaz de fazer com os melhores leitores: acompanhá-los e guiá-los por uma viagem tenebrosa até os cantos mais escuros da alma, dando a eles a oportunidade de se confrontarem com seus erros. E, assim, com alguma sorte, se arrependerem e encontrarem a redenção.

Marcio Antonio Campos

— editor de Opinião, blogueiro de ciência e fé e colunista da Gazeta do Povo

No livro 'O grande Divórcio' (Ed. Thomas Nelson), C.S. Lewis, um dos maiores apologistas do século 20, criou uma das excursões mais incomuns da história da literatura: um ônibus leva pessoas do inferno para o céu, para que passem um tempinho experimentando o paraíso e encontrando parentes e conhecidos. Com um bônus: quem quiser pode ficar por lá! Mas ninguém aceita a oferta — parece inacreditável, mas a cada encontro narrado por Lewis o leitor vai compreendendo como cada pessoa vai construindo seu próprio inferno (spoiler: nem sempre é por meio de crimes bárbaros ou hediondos). Lewis nos convida a pensarmos sobre onde andamos empenhando os nossos afetos e a que tipo de coisas nos apegamos.

Flavio Gordon

— colunista da Gazeta do Povo e autor de 'A Corrupção da Inteligência'

‘Three Critics of The Enlightenment: Vico, Hamann, Herder’ [Três Críticos do Iluminismo: Vico, Hamann, Herder] (Princeton University Press, 2000) é um dos mais bem-acabados exemplares da tradição de estudos levada por Isaiah Berlin ao seu estado da arte: a história das ideias. O livro reúne ensaios que o intelectual letão dedicou a três dos principais expoentes da crítica contrailuminista, dirigida especialmente às pretensões universalistas e racionalistas da vertente francesa do Iluminismo. Por meio de um detalhado retrato intelectual de Giambattista Vico (fundador da separação epistemológica radical entre as ciências naturais e as “humanidades”), J. G. Hamann (precursor do Romantismo alemão) e Johann Gottfried Herder (pai intelectual do nacionalismo, do populismo e do culturalismo europeus), o autor explora as raízes filosóficas de uma disputa entre cosmovisões que, originando-se no campo dos debates intelectuais, teve reflexos duradouros nas mais variadas esferas da vida. Tão duradouros são esses reflexos que, penso, o livro de Berlin ajuda-nos a compreender até mesmo os fundamentos culturais e existenciais de uma disputa característica do mundo contemporâneo, aquela que, em várias regiões do planeta, opõe globalistas e antiglobalistas – os primeiros herdeiros do universalismo iluminista; os segundos, do contrailuminismo romântico. É uma pena que, pelo que me consta, a obra ainda não tenha sido traduzida no Brasil.

Franscisco Escorsim

— colunista da Gazeta do Povo 

Sou daqueles leitores que mais releem do que leem, então não costumo acompanhar as novidades do ano. Mas em 2022 abri uma exceção para ‘Faith, Hope & Carnage’ [Fé, Esperança e Carnificina], de Nick Cave e Seán O'Hagan (lançado no Brasil pela Editora Terreno Estranho), que é literalmente uma longa conversa entre os dois, que se conhecem há mais de 30 anos, na qual falam durante dias, semanas até, sobre fé, arte, música, liberdade, luto, amor e outros temas. Um livro inspirador, não só pelas reflexões e meditações que proporciona, mas também por resgatar a arte da conversação, tão necessária quanto desprezada nesta época de surdos gritando uns com os outros.

Martim Vasques da Cunha

— autor de 'Um Democrata do Direito' (Metalivros, 2021) e coordenador das obras completas de Mario Vieira de Mello, publicadas pela É Realizações

Um dos maiores equívocos do mundo contemporâneo é a crença de que o rock ’n’ roll é “coisa do demônio”. Pois bem: o cantor e compositor Nick Cave está aí para provar justamente o contrário. Depois de ter flertado com o “cramulhão” por boa parte da sua trajetória – não à toa, seu maior sucesso é a canção “Red Right Hand”, uma descrição poética de Lúcifer inspirada no épico Paraíso Perdido, de John Milton –, Cave foi obrigado a lidar com o que o grupo humorístico Monty Phyton chamava de “o lado alegre da vida” da maneira mais trágica possível. Em 2015, ele perdeu seu filho, Arthur, de 14 anos de idade, quando este caiu de um penhasco no litoral inglês. O trauma do evento o fez passar por uma conversão religiosa surpreendente. ‘Faith, Hope and Carnage [Fé, Esperança e Carnificina], livro que é o registro de um longo diálogo que Cave teve com o jornalista irlandês Seán O´Hagen sobre o luto e o sofrimento, mostra esse processo – e é também a radiografia de como um grande artista, ao encarar o coração das trevas, reencontra o sentido da sua própria vida e a de todos nós ao usar o rock como a consolação para o espírito nesses tempos tão conturbados.

Filipe Figueiredo

— colunista da Gazeta do Povo e apresentador do podcast Xadrez Verbal 

Meu livro preferido lançado em português em 2022 foi ‘O Método Jacarta: a Cruzada Anticomunista e o Programa de Assassinatos em Massa que Moldou o Nosso Mundo’, do jornalista Vincent Bevins. Amparado em farta evidência documental, o livro descreve o caráter violento da influência política dos EUA durante a Guerra Fria, em um dos principais exemplos do apoio à regimes autoritários de direita no período, algo que também afetou a América Latina e o Brasil.

Diogo Schelp

— colunista da Gazeta do Povo e autor do livro 'Correspondente de Guerra', com André Liohn

"Hoje a fome está por toda parte, na antigamente rica Ucrânia, na Rússia, na Ásia Central, no norte do Cáucaso — em todos os lugares". Assim descreveu o jovem britânico Gareth Jones a situação calamitosa na União Soviética em 1933, no que veio a ser chamado depois de Holodomor, o genocídio pela fome de trabalhadores e camponeses, principalmente ucranianos, por decisões autoritárias de Josef Stalin. Os escritos de Jones, compostos de reportagens, cartas e diários, foram traduzidos pela primeira vez para o português em 2022, cuidadosamente organizados e editados pelo jornalista Duda Teixeira. O resultado é "Fome na Ucrânia — Os relatos do front do Holodomor" (Ed. Avis Rara), um livro muito atual sob vários aspectos.

Primeiro, por ajudar a compreender as raízes históricas do conflito na Ucrânia, invadida pela Rússia em fevereiro do ano passado. Segundo, como observa Teixeira na introdução, por revelar "os excessos que podem ser cometidos por um estado militarizado". Terceiro, por prestar homenagem à importância do trabalho jornalístico honesto, comprometido apenas com a verdade. Jones, que havia sido assessor do primeiro-ministro britânico David Lloyd George, tinha fascínio pela União Soviética e chegou a acreditar que algumas políticas stalinistas, como as fazendas coletivas, poderiam dar certo, mas depois de três viagens ao país (ele falava russo fluentemente), furando a censura e visitando tanto as grandes cidades russas como os rincões da Ucrânia, não ignorou o que viu e ouviu e escancarou para o mundo, corajosamente, os horrores do comunismo. Seus relatos foram contestados pelo então correspondente em Moscou do jornal americano The New York Times, Walter Duranty, a quem o escritor George Orwell anos depois descreveu como um "criptocomunista" e "propagandista". O contraste entre Jones, assassinado aos 29 anos na China, provavelmente a mando soviético, e Duranty faz lembrar que — ontem, hoje e sempre — é do primeiro tipo de jornalista que o mundo e o Brasil precisam.

Francisco Razzo 

— colunista da Gazeta do Povo e autor dos livros 'Contra o Aborto' e 'A Imaginação Totalitária'

Se o movimento conservador brasileiro se revelou um verdadeiro fiasco em termos de organização política, devido, obviamente, muito mais ao ímpeto cego por poder do que pela vocação por prudência e virtude cívica, isso não significa que a tradição conservadora deveria ser jogada na lata do lixo da história. Muito pelo contrário, o pensamento político conservador tem toda uma história que precisa ser preservada e compreendida. Edmund Fawcet, renomado jornalista político e escritor britânico, não poupa esforços em seu monumental ‘Conservadorismo – A luta por uma tradição’ (Edições 70, 2021) para entender quem é quem nessa longa jornada. O livro, de 550 páginas, é divido em seis partes mais três anexos. O autor pretende contar a história do conservadorismo a partir de quatro países: França, Grã-Bretanha, Alemanha e Estados Unidos. Segundo o próprio autor, “a epopeia do conservadorismo é narrada com reconhecimento, surpresa e alarme: reconhecimento das forças político-partidárias e intelectuais da direita; surpresa com a negligência destas forças, com uma esquerda que sabe muito pouco sobre como a direita pensa e com direita que exagera as suas próprias desvantagens intelectuais e culturais; alarme com a ascensão da direita dura, que obriga os conservadores tradicionais a encararem uma escolha clara: procurar aliados à esquerda com que possam reconstruir e preservar um centro debilitado ou juntar-se à fuga para a direita do status quo democrático liberal”. A riqueza de detalhes históricos do livro vale o mergulho na leitura. O livro é muito bem escrito, documentando e, o mais importante, a honestidade intelectual do autor, que longe de ser um conservador, jamais reduz o conservadorismo a fórmulas fáceis e conspiratórias.

Paulo Cruz

— colunista da Gazeta do Povo, mestre em Ciências da Religião, pela Universidade Metodista de SP, e professor de Filosofia e Sociologia

O livro 'Quão africano é o cristianismo?' (Editora Quitanda), do teólogo americano Thomas C. Oden, lança luz a um debate que, por incrível que pareça, ainda necessita de atenção. Por conta da escravidão colonial e da consequente demonização do continente africano a fim de legitimá-la, progressistas costumam criticar o cristianismo como uma religião europeia, opressora e escravista, e exaltam as religiões afrobrasileiras como se fossem ancestrais. No entanto, como diz Oden, “o cristianismo atende ao critério de religião tradicional nativa da África, uma vez que tem vinte séculos de presença sustentada na África.” Teólogos africanos brilhantes como Atanásio, Tertuliano, Agostinho e muitos outros, foram não só responsáveis pela difusão do cristianismo que chegará na Europa posteriormente, bem como pela fundamentação de algumas das principais doutrinas da teologia cristã. Obra necessária.

Felippe Hermes

— editor-chefe do Blocktrends

“Um povo que não conhece sua História está fadado a repeti-la”, resumiu o filósofo conservador Edmund Burke. Em se tratando de Brasil, poucas coisas são tão evidentes quanto nossa capacidade em sabotar o futuro. Não por coincidência, vivemos com o epítome de “país do futuro”. ‘Anatomia de um desastre’, escrito por Claudia Safatle, João Borges e Ribamar Oliveira, foi o livro que decidi reler no sábado que antecedeu o final do primeiro turno da última eleição, pois, como nenhum outro, é o livro que resume a sequência de eventos que levaram o Brasil a sua Grande Depressão de 2014-2016. Está tudo lá, com uma riqueza de detalhes que impressiona e empolga o leitor, narrando a ascensão e queda do petismo na economia. Foi a minha melhor leitura de 2016, o ano em que foi lançado, e conquistou o bicampeonato em 2022, me deixando na torcida para que não haja um tricampeonato.

Bruna Frascolla

— colunista da Gazeta do Povo e autora de 'As ideias e o terror'

Embora não me lembre o que foi que li desde o começo de 2022, posso dizer que o melhor foi ‘Imperiofobia e Lenda Negra’ (Vide, 2022), de María Elvira Roca Barea. Não há muitos livros que são ao mesmo tempo bem escritos, bem documentados, com corte temporal amplo, e ainda tenham a virtude de aumentar o nosso ceticismo (quanto aos outros) e otimismo (quanto a nós mesmos). Nós, brasileiros, estamos acostumados a falar informalmente de complexo de vira-latas. Os de língua espanhola têm o tópico da leyenda negra, que desperta neles o mesmo complexo. Segundo explica o livro, a lenda negra sobre a Espanha se deve à propaganda protestante anti-imperialista. Ela surgiu nos tempos em que a Espanha era o maior império da Cristandade Ocidental e velava por ela. Carlos I da Espanha, um Habsburgo que seria Carlos V para o Sacro Império Romano Germânico, ao assumir o trono da maior potência cristã, adotou o ideal da universitas christiana de Erasmo, e tinha a pretensão de unificar o governo da Europa por meio da monarquia. (Algo que acabou acontecendo, em escala menor, na Península Ibérica, com a criação da União Ibérica após o sumiço de D. Sebastião.) A Reforma foi uma reação dos principados alemães a isso, e desde então há um consenso pseudocientífico propagandeado pelos letrados segundo o qual os países católicos são atrasados e os países protestantes são o progresso encarnado.

Pedro Henrique Alves

— editor-chefe da LVM Editora e do Clube do livro Ludovico; ensaísta e analista político 

De ‘Mandelstam para Stalin’, de Robert Littell, (Ed. Record, 2010) é um daqueles livros que prometem pouco de início, seja pela capa ou pela temática escolhida para o romance: não são poucos os autores que sonham em escrever uma espécie de romance definitivo sobre os tenebrosos e ainda hoje inacreditáveis anos de terror da coletivização soviética e falham miseravelmente. Fato é que Robert Littell conseguiu me surpreender como poucos no ano passado. Baseado em entrevistas ‒ inclusive com a viúva do poeta que dá nome ao livro ‒ e larga documentação original, o autor reconstrói ‒ em forma de romance ‒ os dias finais de Óssip Mandelshtám, o homem que se cansou da censura, do medo e da insuficiência geral de liberdades da URSS, e decidiu, num arroubo de coragem matutina, compor um poema de duas estrofes e oito versos em que, inspirado pelos horrores da coletivização soviética, de forma lancinante expõe as vísceras do absurdo genocida, e, é claro, aponta Stalin como chefe desse morticínio. O livro mostra de forma clara como até mesmo um poema de oito versos, naqueles dias, era punido com Gulag e morte. Ele reconstrói com rara capacidade aquele ambiente soviético asfixiante de terror. As descrições e a condução geral da narrativa de Littell nos coloca frente a frente com a loucura política de Stalin e com o próprio Stalin, nos fazendo quase que metafisicamente sentir a penúria e desespero daquele poeta e dos que o cercam. Para finalizar, pontuo que, paradoxalmente, o personagem mais emblemático e perturbador do romance é Fikrit Trofímovitch Vlassik, provavelmente um fictício ex-atleta de levantamento de peso do Azerbaijão que, mesmo sob acusações absurdas de espionagem sem nexo algum, adequa de forma submissa a sua mente e suas percepções da realidade para não só não contestar as acusações governamentais, mas, pelo contrário, as justificar e até mesmo as fundamentar. Até o último instante, após passar por anos de humilhação e escravidão siberiana nos famosos Gulags, Fikrit mantém-se doce e afável sob a coleira do partido e sua ideologia assassina; o exemplo mais fiel e inquietante que encontrei até hoje na literatura do que o comunismo soviético esperava de seus cidadãos: culpas sem crimes aconchegadas em pessoas sem nenhum tipo de senso crítico e, consequentemente, de alma humana.

Luis Kawaguti

— colunista da Gazeta do Povo, é jornalista especializado nas áreas de Defesa, Segurança e Política Internacional e autor do livro “A república negra” (Ed. Globo, 2006), sobre a missão de paz da ONU no Haiti.

O relato em primeira pessoa do general Ajax Porto Pinheiro é quase um diário da missão de paz da ONU no Haiti (2004-2013) do ponto de vista de seu comandante. 'No olho do Furacão - De El Salvador ao Haiti, memórias de um Boina Azul' (Ed. Europa, 2022) traz histórias dramáticas de militares brasileiros prendendo veículos e contêineres ao chão para não serem levados pelos ventos do furacão Matthew ou tentando conter a violência armada durante as eleições no país. Também desmistifica lendas urbanas que caíram no gosto de gerações de tropas brasileiras — como a de que os haitianos são tão pobres que comem tortas de barro ou de que crianças eram raptadas para alimentar o tráfico de órgãos. Uma entrevista com o general Ajax está disponível na coluna Jogos de Guerra.

Ilona Becskeházy

— ex-secretária de Educação Básica do Ministério da Educação durante o governo Bolsonaro, mestre e doutora em política educacional, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) e pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), respectivamente

A maior parte do que li em 2022 foi livros para escolas porque estava fazendo um estudo de obras para recomendar para escolas e participei de um projeto da Biblioteca Nacional com o mesmo propósito. Então o livro que eu recomendo é 'Meu pé de laranja lima'. O livro é lindo e é uma sensacional oportunidade para se trabalhar em sala de aula. Infelizmente, todas as análises que achei na internet só falam da violência doméstica, sem explorar a riqueza do personagem, que é a criação de um homem (aparentemente autobiográfico) contando a vida de um menino superdotado e traquinas de cinco anos em um subúrbio no Rio no início do século XX.

Conteúdo editado por:Jones Rossi
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