Não faz muito tempo, a Califórnia era uma espécie de imagem do paraíso na terra. “Muito mais do que um sonho”, como cantaria Lulu Santos, o Golden State, ou estado dourado, foi por mais de meio século considerado o futuro da América. Se por um lado a economia californiana segue bastante aquecida - com perspectiva de ultrapassar a Alemanha e se tornar em breve a quarta maior do mundo -, as notícias vindas de lá, após mais de uma década da esquerda no poder, são cada vez mais alarmantes. Embora o governador Gavin Newson e seus pares democratas atribuam o sucesso econômico do estado a suas políticas regulatórias e fiscais, uma análise simples mostra que a Califórnia cresce apesar do progressismo e não em decorrência dele.
A profunda disparidade social, com altos impostos, preços elevados de imóveis e escassez de moradias, taxas de criminalidade crescentes, sistema escolar e serviços públicos caros e de má qualidade, além de problemas como trânsito ruim, excesso de regulamentos e sindicatos fortes se opondo a reformas têm levado cidadãos de renda média e até empresas a fugirem para estados mais hospitaleiros, como Texas e Nevada. Com isso, se por um lado a população americana cresceu no pós-pandemia, a da Califórnia vem encolhendo ano após ano.
Em 2022, enquanto o Texas ganhou 471 mil pessoas e a Flórida 417 mil, a Califórnia (que não tem 40 milhões de habitantes) perdeu 114 mil residentes. Segundo o censo sobre migração doméstica, 343 mil californianos foram morar em outros estados em um ano, mas a imigração e os nascimentos compensaram boa parte da perda populacional. Com belas praias e temperatura agradável (Los Angeles, por exemplo, tem 284 dias de sol por ano), a debandada atesta que “californianos não estão fugindo de nosso clima ou economia, mas de nossa má política pública”, analisa Steven Greenhut diretor na região oeste dos EUA do R Street Institute, um think tank americano não partidário, cuja missão é "envolver-se em pesquisa e divulgação de políticas para promover mercados livres e governo limitado e eficaz".
Confira oito sintomas de que a esquerda vem transformando a Califórnia em um alerta para o restante do país:
1. San Francisco, paraíso dos ladrões
Conhecida como uma das cidades mais progressistas do mundo, San Francisco tem amargado uma escalada na violência nos últimos anos, que chegou a levar a prefeitura a cogitar o uso de robôs armados para coibir crimes no fim do ano passado. Ao assumir em 2020, a prefeita democrata London Breed, primeira mulher negra a ocupar o cargo, anunciou um corte de US$ 120 milhões na polícia do município, para reverter o dinheiro a programas voltados a minorias. O resultado foi um crescimento de 11% nos crimes contra o patrimônio em 2021, em comparação ao ano anterior.
Os assaltos, de maneira especial, dispararam 40% em relação aos índices de 2019. Foram 56 homicídios, enquanto dois anos antes haviam sido 41. Definida como um “mercado de drogas ao ar livre” por analistas, a cidade também viu os casos de overdose dispararem, com 721 mortes registradas em 2021.
Desde 2014, furtos de bens com valor inferior a US$ 950 deixaram de ser crime, passando a ser considerados contravenção em San Francisco. Com isso, “furtar tornou-se parte da cultura”, definiu o político local Ahsha Safaí. A legislação tem custado caro para comerciantes e levou grandes redes de varejo como Target e Walgreens a fecharem dezenas de unidades na Califórnia. A Walgreens disse que os furtos em seus estabelecimentos subiram 52% de 2020 para 2021, o que representa uma perda de 65 milhões de dólares (330 milhões de reais).
2. O problema do partido único
Desde 2010, todos os candidatos às eleições na Califórnia, exceto os que concorrem à presidência, aparecem na mesma cédula primária, independentemente do partido a que pertençam, e na sequência os dois principais se enfrentam nas eleições gerais. A ideia da reforma era obter candidatos mais moderados e eleições mais competitivas, mas o resultado foi o oposto: como as duas primeiras posições costumam ser conquistadas pelos democratas, a Califórnia afastou os republicanos e se tornou um estado dominado pelo partido Democrata em um curto intervalo de tempo.
A falta de oposição é apontada por analistas como o motivo de o estado padecer sob os experimentos políticos progressistas ao longo da última década. “O status de fato da Califórnia como um estado de partido único está no cerne de seu problema de pobreza”, afirma Kerry Jackson, que integra o Pacific Research Institute em estudos sobre a Califórnia. “Com uma maioria permanente no Senado estadual e na Assembleia, um domínio prolongado no poder executivo e uma oposição fraca, os democratas da Califórnia há muito tempo estão livres para ceder à ideologia do estado azul, pagando pouco ou nenhum preço político”, completa.
3. Capital da pobreza na América
Segundo um índice que contabiliza custos de moradia, alimentação, vestuário e serviços públicos, e inclui a assistência governamental não monetária como fonte de renda, atualmente quase um em cada quatro californianos é pobre. Entre 1992 e 2015, os governos estadual e locais gastaram perto de US$ 958 bilhões em programas de bem-estar público, de acordo com o US Census Bureau. A Califórnia abriga 12% do total da população americana, e em contrapartida é o lar de aproximadamente um terço dos beneficiários da previdência social dos EUA.
O cenário assistencialista permite casos como o de pessoas com renda 200% acima da linha da pobreza recebendo benefícios, afirma o California Policy Center. Os programas antipobreza da Califórnia resistem às reformas pró-trabalho, mantendo uma burocracia que se favorece dessa estrutura.
“Enquanto o resto do país adotou reformas previdenciárias que enfatizavam o trabalho, as burocracias previdenciárias inchadas e fortemente sindicalizadas da Califórnia - com quase 900.000 funcionários estaduais e municipais - agarraram-se ao antigo modelo de depender de políticas que incentivam a dependência, não a autossuficiência”, analisa Jonah Goldberg, editor da revista conservadora National Review.
4. Mais sindicalismo, menos emprego
Em outubro do ano passado, o governador Gavin Newsom assinou um projeto de lei fornecendo US$ 400 milhões do dinheiro dos contribuintes para taxas sindicais de funcionários públicos e privados, com a intenção de “ajudar os indivíduos com o custo de ser membro de um sindicato”.
Entre outras medidas controversas que beneficiam os sindicatos, mas prejudicam trabalhadores, está a proibição do trabalho temporário para algumas modalidades, como os caminhoneiros. Pelo menos 70 mil profissionais da categoria foram afetados pelo AB 5, que os obriga a renunciar aos seus negócios autônomos e procurar emprego em grandes empresas.
Ao assinar o projeto, Newsom declarou que “um próximo passo é criar caminhos para que mais trabalhadores formem um sindicato, negociem coletivamente para ganhar mais e tenham uma voz mais forte no trabalho – tudo isso preservando a flexibilidade e a inovação”.
Outra medida do legislativo da Califórnia foi a aprovação do aumento do salário mínimo de US$ 10 para US$ 15 a hora (valor que chega a US$ 22 a hora para funcionários de fast food), causando reação entre as redes de fast food do estado. Além de não combater a pobreza dos californianos sem emprego, a medida tem potencial de encarecer os produtos, gerar desemprego e resultar até mesmo na retirada de restaurantes locais.
5. Crise imobiliária
Com regulamentos locais impondo restrições ao uso da terra e gerando escassez de moradias, o preço dos imóveis sofreu uma alta no estado muito acima dos aumentos de renda, o que contribuiu ainda mais para o problema da pobreza na Califórnia. Por volta de 2014, os californianos já gastavam mais de um terço da renda com moradia, terceira maior taxa dos EUA.
Se por um lado, a Califórnia é o lugar com mais bilionários da América, tendo algumas das casas mais caras do país, por outro contabilizava em 2020 mais de 161,5 mil pessoas sem casa, sendo mais de 110 mil delas consideradas desabrigadas. A situação mais crítica é registrada em Los Angeles, onde havia 42 mil pessoas sem residência, sendo 28 mil desabrigadas, no ano passado.
As consequências são as mortes de pessoas nas ruas aumentando, idosos desabrigados, estudantes universitários morando em carros e crescimento de acampamentos em praias e vias públicas.
6. Cruzada ambientalista
As extensas regulamentações ambientais mirando a redução das emissões de carbono têm resultado na elevação do preço da energia (estima-se que os custos energéticos na Califórnia sejam 50% mais altos que a média nacional), o que também prejudica os mais pobres. Em nome de manter a imagem de salvador do planeta - “A Califórnia é reconhecida globalmente por sua liderança ambiental”, gaba-se o governador esquerdista - o estado também proibiu sacos plásticos, cortadores de grama, sopradores e aspiradores de folhas movidos a combustíveis fósseis, e mais recentemente a venda de carne de galinhas, porcos e bezerros criados em confinamento. A medida que mira o bem-estar animal deve causar escassez de carne em todo o país.
Em setembro do ano passado, o estado declarava uma emergência energética, com a possibilidade de interrupções de energia. Ao mesmo tempo, propagandeava um gasto de US$ 14 bilhões com a filtragem de nutrientes de excrementos humanos que estavam matando peixes na Baía de San Francisco.
Embora alardeie o uso de energia solar e eólica, quando não há sol ou vento na Califórnia, o estado apela para as usinas de combustíveis fósseis do Arizona, de modo a garantir o fornecimento de eletricidade às suas grandes empresas. As cidades de Los Angeles e Long Beach são a porta de entrada para 40% das importações americanas, mas leis locais e estaduais dificultam a entrada de caminhões que não cumpram padrões rigorosos de emissões de carbono no complexo portuário.
7. Santuário da transição de gênero e do aborto
Em 2017, a Califórnia se tornou um “estado santuário” para imigrantes ilegais. Mais recentemente, com a revogação de Roe vs. Wade, o governador Newsom declarou a intenção de transformá-la em um “santuário do aborto”. A ideia é arcar com despesas de viagens, incluindo combustível, hospedagem e outros benefícios para mulheres que desejem abortar e tenham leis proibitivas em seus estados. As vantagens também são oferecidas a estudantes de medicina, que receberão ajuda com seus empréstimos estudantis em troca de realizar abortos. De acordo com o Guttmacher Institute, cerca de 15% dos abortos do país são feitos na Califórnia, número que deve aumentar com os incentivos.
Newsom também assinou uma legislação para tornar a Califórnia um “estado santuário” para que crianças de outros estados possam passar por terapia hormonal e até cirurgia de transição de gênero sem ciência ou consentimento dos pais. “Na Califórnia, acreditamos em igualdade e aceitação. Acreditamos que ninguém deve ser processado ou perseguido por obter os cuidados de que precisa – incluindo cuidados de afirmação de gênero”, declarou o governador.
O pacote de lei progressistas inclui ainda uma que obriga lojas com 500 funcionários ou mais a venderem brinquedos de gênero neutro, além de outra legislação que cria uma disciplina escolar sobre estudos étnicos.
8. Cancelamentos na polícia
Apesar da escassez de policiais no Golden State, Gavin Newsom assinou dois projetos de lei limitando quem é elegível para se tornar um oficial no estado (um deles prevê a análise das “tendências” do candidato e outro se esteve envolvido em “atividades de grupos de ódio” nos últimos sete anos). Segundo críticos da legislação, trata-se de um “teste de pureza ideológica”, para impedir o ingresso de conservadores e cristãos na polícia.
“É a ferramenta esquerdista perfeita para cancelar oficiais de segurança pública mais decentes, corajosos e trabalhadores. Na Califórnia, a cultura do cancelamento está chegando para nossos policiais”, lamenta McReynolds, advogado sênior do Centro de Políticas Públicas do Pacific Justice Institute. Para ele, a lei exacerbará a crise de segurança pública da Califórnia “ao expor todos, exceto os oficiais mais ideologicamente puros, à disciplina, demissão ou rejeição por suposto viés”.
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