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Por cálculo financeiro ou ideológico, a gigante dos artigos esportivos retirou um produto das prateleiras só porque o designer manifestou apoio a Hong Kong.
Por cálculo financeiro ou ideológico, a gigante dos artigos esportivos retirou um produto das prateleiras só porque o designer manifestou apoio a Hong Kong.| Foto: Pixabay

A Nike, a gigante dos tênis esportivos, tirou um produto das prateleiras em reação a uma torrente de protestos nas redes sociais. O produto em questão era um tênis criado em colaboração com a marca Undercover, cujo principal designer, Jun Takahashi, publicou essas palavras irreproduzíveis no Twitter: “Não à extradição. Força, Hong Kong!”

A Nike diz que tomou a decisão “com base na reação de consumidores chineses”. Só isso.

O contexto é este: Hong Kong, uma cidade autônoma, democrática, livre e liberal foi devolvida a Pequim – um reduto de assassinos corruptos, cruéis, desonestos e traficantes de órgãos — como parte de um acordo com o Reino Unido, que antigamente governava Hong Kong como uma de suas colônias.

Pequim quer que Hong Kong seja mais parecida com o restante da China, o que o povo de Hong Kong não quer.

Eles recentemente foram às ruas para pedir a revogação de uma decisão que sujeitaria os residentes de Hong Kong à extradição para a chamada República Popular da China por certos crimes, em vez de serem julgados em Hong Kong, de acordo com as leis de Hong Kong. Como a junta em Pequim não tem pudores em usar acusações para fins políticos, a medida representaria uma corda em volta do pescoço de todos os dissidentes em Hong Kong. Jun Takahashi tuitou uma mensagem de apoio aos democratas liberais contra os socialistas assassinos do próprio povo.

E a Nike ficou do lado destes socialistas assassinos do próprio povo.

Isso é que é perder a alma.

A Nike gosta de se exibir como uma corajosa defensora de dissidentes no mundo econômica e racialmente transformado dos esportes, tratando, por exemplo, como herói o controverso ex-quarterback da NFL Colin Kaepernick numa série de anúncios publicitários. A despeito da sua opinião quanto ao mérito de Kaepernick e seu protesto contra o hino nacional norte-americano, este é o tipo de coisa que as pessoas gostam de ver uma grande empresa fazendo – isto é, dizer “sim, este é um assunto potencialmente impopular e podemos até perder algumas vendas por causa disso, mas somos a Nike, e somos grandes e ricos o bastante para podermos fazer o que consideramos o certo”. Mas claro que isso é um exagero. A Nike, como qualquer político jogando verde para colher maduro, usou uma pesquisa para saber o que fazer, como relatou o Yahoo! Sports:

A pesquisa revelou uma profunda divisão racial, política e geracional no que diz respeito aos protestos dos atletas. Sendo mais específico, há uma divisão entre brancos fãs de futebol americano que apoiam medidas disciplinares contra jogares que não se levantam para cantar o hino, em contraposição a fãs afro-americanos e latinos que não defendem essas medidas.

As fontes também mostraram a existência de uma maioria de fãs de futebol americano republicanos apoiando medidas disciplinares em contraposição a uma maioria de fãs democratas que não apoiam as medidas, e uma maioria de fãs da geração Baby Boomer [nascidos logo depois da Segunda Guerra Mundial] apoiando mais as medidas disciplinares do que membros da Geração X e Millennials.

Talvez a Nike esteja sendo ousada – ou talvez a empresa só tenha feito as contas e calculado que o apoio a Kaepernick atrairia seus futuros mercados consumidores e que valeria a pena pagar este preço entre seu mercado consumidor mais velho e em declínio.

Levando em conta o desempenho da Nike no tênis da Undercover, é difícil dar à empresa e seus executivos o benefício da dúvida. A China comunista é um mercado enorme e a pequena Hong Kong é apena suma cidade cercada de brutalidade e pessoas violentas por todos os lados. Se Colin Kaepernick se recusasse a ficar de pé diante do hino chinês, “a Marcha dos Voluntários”, o preço a ser pago seria muito maior.

A infeliz e estúpida evolução da política de massa em nosso tempo é o tema do capítulo 5 do meu novo livro, The Smallest Minority [A menor minoria], intitulado “The Disciplinary Corporation” [A empresa disciplinadora]. A oclocracia – o governo das massas, das multidões – às vezes assume a forma de protestos e outras formas de violência explícita, como no caso dos Antifa, mas geralmente consiste nas massas criando tensão com terceiros – o governo ou, cada vez mais, as empresas -  a fim de que se implemente a pauta da multidão.

Os vetores da causalidade podem ficar ainda mais complicados: se alguém acha que a pressão dos nacionalistas chineses sobre a Nike não tem nada a ver com as ações do Estado chinês está sendo perigosamente ingênuo. As massas se apoiam em políticos, mas os políticos também guiam as massas.

Ao desenvolver sua infame doutrina do “incêndio num teatro lotado – num caso que envolvia a dúvida se os democratas podiam prender manifestantes antiguerra — Oliver Wendell Holmes criou a tautologia que nos governa: o governo deve proibir a expressão de ideias políticas impopulares, argumentava ele, como uma questão de ordem pública, porque as massas não tolerariam a expressão dessas ideias políticas impopulares, no caso a crítica do partido socialista ao esforço de guerra e recrutamento. O Estado consulta a multidão e a multidão pressiona o Estado: tudo se transforma num círculo vicioso de pessoas gritando “fogo” num teatro lotado.

A evolução das empresas como instrumento de disciplina política extrema em seu papel como investidor e empregador é problemática.

Certo tipo de socialista libertário à moda antiga (por mais que tal ideia possa soar um oximoro ou até mesmo uma estupidez aos ouvidos contemporâneos) via o Estado e as grandes corporações burocráticas modernas como dois lados da mesma moeda, criaturas gêmeas com o mesmo impulso centralizador e arregimentador. Esse tipo de crítica tem muito a acrescentar e os conservadores contemporâneos deveriam tomar nota dela.

A Nike está disposta a agir como instrumento do nacionalismo chinês assim como empresas como o Facebook e Google estão dispostas, e às vezes até ansiosas, a se submeter à pressão política de governos diversos como o de Pequim e o de Berlim.

Às vezes, elas obviamente agem movidas pelo interesse comercial, mas às vezes a motivação é também ideológica. O papel das empresas na comunidade norte-americana não é meramente econômico: a empresa é fonte de prestígio e de sentido na vida para as pessoas a ela associadas, e o que orienta as decisões executivas no Facebook e Twitter é um cálculo tão financeiro quanto ideológico. Que ideologia nossas empresas adotarão? Esta é uma das perguntas mais importantes e menos evocadas do nosso tempo.

As notícias não são boas para a Nike.

Kevin D. Williamson é correspondente itinerante da National Review.

© 2019 National Review. Publicado com permissão. Original em inglês

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