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Discurso progressista

Como a Repórteres Sem Fronteiras se transformou em um braço da esquerda global 

Polícia tenta conter manifestante durante protesto em Brasília realizado no dia 8 de janeiro.|Polícia tenta conter manifestante durante protesto em Brasília realizado no dia 8 de janeiro. (Foto: André Borges/EFE)

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O velho ditado “diga-me com quem andas e te direi quem és” também se aplica a quem parece ter a melhor das intenções. 

Criada em 1985, a Repórter Sem Fronteiras (RSF) é uma organização não governamental dedicada a monitorar violações à liberdade de imprensa em todo o mundo. A proposta original era agir em defesa de jornalistas perseguidos, censurados ou ameaçados, independentemente de suas ideologias. 

Inicialmente, o grupo se posicionava como uma entidade inspirada em princípios de neutralidade e independência. Com o passar dos anos e mudanças de liderança e dos financiadores, no entanto, a RSF transformou-se em um braço da esquerda global.  

O Brasil é um dos países onde esta transição é bem perceptível. No Índice Mundial de Liberdade de Imprensa de 2025, um ranking que mede a liberdade da imprensa em 180 países, não há nenhuma menção sobre as censuras que o Judiciário vem aplicando e a esquerda é apontada como a salvação para o problema, no caso, a direita.

Nas palavras do relatório do RSF deste ano: “o novo governo de Luiz Inácio Lula da Silva traz de volta uma normalização das relações entre as organizações estatais e a imprensa, após o mandato de Jair Bolsonaro marcado por uma hostilidade permanente ao jornalismo”.  Uma narrativa que levanta dúvidas sobre a credibilidade do grupo.

O que é o Repórter Sem Fronteiras 

Apesar da premissa de independência de ideologias, a organização sempre foi criticada por governos, jornalistas e analistas políticos. No início, desconfiavam que a RSF favorecia a direita por causa dos financiamentos americanos que recebiam e do foco de atuação ser em regimes que, coincidentemente, eram inimigos dos Estados Unidos, como Cuba e Rússia. A organização sempre negou. 

Além disso, a reputação da RSF foi abalada por controvérsias. Em 2012 o Observatório da Imprensa criticou a ausência da nomeação de jornalistas assassinados no relatório daquele ano, levantando questões sobre a precisão dos levantamentos. Outro ponto que sustenta essa tese é que um dos fundadores foi Robert Ménard, um jornalista francês que depois se tornou político da direita e criou um site de notícias conservador.  

Quando se tornou um braço da esquerda 

Mas isso mudou com a saída de Ménard em 2008 e a chegada de Christophe Deloire, que assumiu o comando até 2024 (ano em que morreu de câncer).   

A Repórter Sem Fronteiras passou a se tornar uma base para a esquerda à medida que Deloire expandiu a organização com novas parcerias com fundações progressistas. Isso levou governos, jornalistas de vários países e analistas políticos a questionarem se as informações, discursos e preferências de países e profissionais assistidos era confiável.

A colaboração com fundações progressistas, como a Open Society Foundations (OSF), de George Soros, e a Fundação Nacional para a Democracia (NED), aliada ao governo de Joe Biden, reforçou a desconfiança da RSF ser um apoio à esquerda.  

Soros é um notável bilionário associado a causas liberais e de esquerda global. Outra parceria foi a criação do JX Fund, com as fundações alemãs Rudolf Augstein e Schöpflin, para apoiar jornalistas exilados. Ambos financiam a mídia independente – demanda típica da esquerda.

A NED é apontada como uma das ONGs que financiou, com a ajuda da CIA, projetos de “checagem de fatos” e restringiu a circulação de informações favoráveis à direita nas eleições presidenciais do Brasil de 2022. 

Por mais que Deloire afirmasse que os projetos fossem voltados para causas a favor da imprensa, sem restrição a nenhuma orientação política, as fontes de financiamento trouxeram desconfiança à imparcialidade pregada pela RSF.

A Repórter Sem Fronteiras nega agendas partidárias, mas a falta de divulgação detalhada de doadores individuais alimenta as dúvidas. Hoje em dia, a organização é vista como parte de uma agenda globalista que promove regulação digital.

Em julho, o diretor geral da Repórteres Sem Fronteiras (RSF), Thibaut Bruttin, reuniu-se com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luis Roberto Barroso, e elogiou as mudanças de regulação nas plataformas digitais. O Brasil é o único país onde o Judiciário faz este controle.

“A jurisprudência exemplar da Suprema Corte teve repercussão mundial e lembrou a necessidade de garantias democráticas no espaço digital. Em um mundo onde os Estados Unidos lideram, em nome da 'liberdade de expressão', um ataque contra a liberdade de imprensa, o Brasil pode e deve fazer ouvir sua voz, a de um apoio inequívoco ao jornalismo na cena internacional", disse o representante da organização que defende a imparcialidade em nome dos jornalistas.

Críticas à direita

A organização não fecha os olhos para regimes ditatoriais de esquerda como os de Daniel Ortega, na Nicarágua, e de Nicolás Maduro, na Venezuela. Rússia, China e Irã também estão entre os alvos de duras críticas.  

Mas o que se vê no decorrer dos últimos anos é uma narrativa alinhada à esquerda que enfatiza desigualdades e polarização causadas por conservadores. Estas narrativas representam agendas progressistas de alguns destes doadores.

Na década de 2010, as críticas aos líderes de direita se intensificaram. A organização tem condenado duramente figuras como Donald Trump, Jair Bolsonaro e Javier Milei, responsabilizando-os pela queda de seus países em rankings de liberdade de imprensa.  

Essa "metamorfose" da RSF, combinada com as controvérsias de financiamento e seus relatórios recentes, leva críticos a questionarem se a organização se tornou uma ferramenta ideológica em um mundo cada vez mais polarizado. 

A RSF condenou Donald Trump por rotular a mídia como “inimiga do povo” e atribuiu a ele a queda dos Estados Unidos no ranking de liberdade de imprensa – um mapeamento anual com 180 países. 

Na campanha presidencial americana de 2024, a RSF foi com tudo em cima de Trump enquanto pegou leve com sua adversária Kamala Harris (embora tenha reconhecido que ela, na mesma linha de Joe Biden, fala mais do que faz pela imprensa). 

Censura do STF no Brasil 

Essa mudança é particularmente notável no Brasil, onde a RSF estaria ignorando a censura judicial, incluindo decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) que afetaram veículos e jornalistas conservadores.

O ranking Índice Mundial de Liberdade de Imprensa avalia cinco indicadores: contexto político, arcabouço jurídico, contexto econômico, contexto sociocultural e segurança.  

O critério jurídico considera “o grau de liberdade de jornalistas e meios de comunicação para operar sem censura ou sanção legal, ou restrições excessivas à liberdade de expressão”. 

Apesar disso, os indicadores são limitados, uma vez que avaliam a relação da imprensa com o Estado. O controle e censura a partir da suprema corte que o Brasil passa é inédito, o que em parte explica não ter sido captado nas pesquisas.  

Mas a limitação da metodologia não é a explicação para a indiferença da RSF. 

Em agosto, a RSF publicou um posicionamento no qual condena as sanções comerciais aplicadas pelos EUA ao Brasil em resposta à violação da liberdade de expressão por parte do STF. 

Segundo o diretor da RSF na América Latina, Artur Romeu, “iniciativas para combater a desinformação, o discurso de ódio e os danos online são essenciais para proteger o jornalismo e o debate democrático”.  

O ativista e especialista em liberdade de expressão, Jacob Mchangama, critica essa abordagem, argumentando que a RSF, ao focar nas ameaças da direita populista, normaliza retrocessos sob governos progressistas. Ele questiona se proibir a “desinformação” não enfraquece o próprio debate democrático que a organização diz defender. 

Em um artigo publicado no site Persuasion, em agosto, Mchangama explica como os tribunais brasileiros conquistaram para si grande poder, especialmente o STF e o ministro Alexandre de Moraes. E lembra que eles processaram ou iniciaram ações criminais contra jornalistas investigativos e críticos declarados. “Um jornalista foi processado e multado por reportar com precisão o salário de um juiz”. 

Mchangama critica os métodos de Moraes contra Bolsonaro, cuja base depende de redes sociais. Segundo ele, Moraes justifica suas ações, como o bloqueio da plataforma Rumble e intervenção para remoção de conteúdos, com interpretações distorcidas de John Stuart Mill e da Primeira Emenda dos EUA, ignorando precedentes que protegem a liberdade de expressão.  

John Stuart Mill é um filósofo e político britânico e muito citado por Moraes como símbolo da defesa da liberdade individual. 

“A ironia é que a cruzada de Moraes minou gravemente a própria democracia que ele alega defender — e sua insistência de que está defendendo, e não destruindo, a democracia se baseia em fundamentos frágeis”, afirma Mchangama, fundador da organização The Future of Free Speech (O Futuro da Liberdade de Expressão). 

O presidente dos EUA, Donald Trump, ao lado do ex-presidente Jair Bolsonaro, durante o primeiro mandato, em 2019: republicano saiu em defesa do líder de direita brasileiro após veredito do STF (Foto: EFE/Jim Lo Scalzo)

Brasil: destaque com Bolsonaro e Lula 

O relatório da Repórter Sem Fronteiras de 2025 trata Jair Bolsonaro como vilão. “O Brasil passou por um período de forte turbulência política durante a transição de poder, com uma tentativa de ruptura democrática liderada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e seus apoiadores entre o final de 2022 e o início de 2023”, diz o estudo.  

A despeito de todas as censuras que o STF e o governo vêm aplicando a jornalistas e até mesmo de retirar a plataforma X (ex-Twitter) do ar, a organização acredita que agora a imprensa está aliviada com Lula. 

Com isso, o Brasil subiu da 110ª posição, em 2022, com Bolsonaro para 63ª, em 2025, com o petista. O “principal fator positivo” para o resultado foi a saída de Bolsonaro, diz o relatório.  

“O Brasil continua muito polarizado e os ataques contra a imprensa, que se tornaram comuns nas redes sociais, abriram caminho para práticas recorrentes de agressões físicas contra jornalistas, especialmente durante as eleições de 2022 e durante os motins de 8 de janeiro de 2023, em Brasília”, afirma o relatório. 

O que precisa ser melhorado, segundo eles, é o cenário midiático brasileiro, “marcado por uma forte concentração privada, caracterizada por uma relação quase incestuosa entre os poderes político, econômico e religioso”. 

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