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Um artigo científico pode demorar vários meses para ser publicado
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O pesquisador, ou grupo de pesquisadores, produz um artigo relatando uma pesquisa inédita, ou avaliando um conjunto de pesquisas previamente publicadas, ou apresentando uma análise sob um ponto de vista diferente do usual em sua área. O texto é enviado para uma determinada revista científica, que mantém um corpo editorial fixo.

O conteúdo é então submetido à leitura de outros pesquisadores – geralmente, os revisores não são informados do nome dos autores, que por sua vez também não deveriam saber quem está lendo o trabalho. A análise pode resultar em pedidos de alterações, correções ou complementos, ou mesmo com a recusa do artigo, caso ele não siga os padrões da publicação. Finalizado esse processo, que pode durar vários meses, o artigo está pronto para ser divulgado. É comum, nas publicações mais tradicionais, que os autores paguem taxas para bancar os custos da publicação.

É assim que funcionam as principais publicações científicas do mundo. E essas revistas são importantíssimas para os pesquisadores: emplacar um artigo em um veículo de renome pode impulsionar a carreira do cientista, além de garantir financiamento e melhores condições de trabalho. No Brasil, as revistas passam por uma avaliação que rende notas, e a distribuição de dinheiro público é realizada de acordo com os resultados.

Apesar de todos esses cuidados, recentemente a revista científica britânica The Lancet, semanal, dedicado à produção de pesquisas médicas desde 1823, provocou uma enorme confusão com um artigo a respeito do uso de hidroxicloroquina para o tratamento de Covid-19. Chamado Hydroxychloroquine or chloroquine with or without a macrolide for treatment of COVID-19: a multinational registry analysis, o estudo parecia enterrar qualquer hipótese de que o medicamento fosse eficaz para o combate à pandemia.

Afinal, estava baseado em dados gerados por 96.032 pacientes, de 671 hospitais, de seis continentes. Dias depois, diante da reação de 150 cientistas desconfiados com a confiabilidade das informações, três dos autores solicitaram a retirada do artigo. O quarto autor, Sapan Desai, é proprietário da empresa que forneceu as informações, a Surgisphere, e se recusou a compartilhar as fontes dos dados, alegando que eles são confidenciais.

Falta de checagem

A revista científica Lancet se retratou, mas não divulgou os nomes dos pesquisadores que revisaram o artigo, e que poderiam ter antecipado o problema. Entre a publicação e a retratação, a Organização Mundial da Saúde (OMS) interrompeu uma ampla pesquisa com hidroxicloroquina – ela acabaria sendo retomada posteriormente. O episódio sugere que o método de revisão de artigos pode, sim, ser burlado.

O erro aconteceu, como escreveu o pesquisador James Heathers, da Northeastern University, em artigo para o jornal The Guardian, “porque a revisão por pares não serve para detectar anomalias nos dados, seja por falta de acurácia, erro de cálculo ou fraude pura e simples”. Um dos problemas, diz ele, é o fato de que a revisão não costuma ser remunerada (e quando é, os valores não são atraentes). E, por ser anônima, não agrega valor à carreira do pesquisador.

O revisor, portanto, serve apenas para fornecer um verniz de confiabilidade, escreve o professor, que aponta para o principal problema do processo: “A vasta maioria dos artigos nunca passou por checagem em busca da consistência de dados. As publicações não exigem que os manuscritos sejam acompanhados das bases de dados, para que elas possam ser checadas”.

Em 2006, Richard Smith, diretor executivo da UnitedHealth Europe, já alertava para o problema. No artigo Peer Review: a Flawed Process at the Heart of Science and Journals, ele escreveu: “A revisão de pares está no coração dos processos, não só de publicações como de toda a ciência. É o que garante a alocação de recursos, a publicação de artigos, a concessão de Prêmios Nobel. Ainda assim, seus defeitos são mais fáceis de identificar do que seus atributos”. Um ano antes, a revista Science havia sido obrigada a retirar a publicação da pesquisa dos sul-coreanos Woo Suk Hwang e Shin Yong Moon, que anunciaram, com base em dados forjados, que haviam clonado um embrião humano. No Brasil, esse não é o único problema.

Falta de relevância

“Existe muito compadrio, o trabalho de editor não é remunerado, os autores indicam quem vai dar o parecer para os artigos. A revista circula entre os conhecidos, que ficam citando uns aos outros. E tudo isso é feito com dinheiro público”. É o que diz Flávia Roberta Babireski, doutoranda e mestra em Ciência Política pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e editora-chefe da Revista Eletrônica de Ciência Política, uma publicação voltada a publicar textos de alunos de pós-graduação.

As citações são importantes, porque são uma forma de o pesquisador avaliar a qualidade de seu trabalho. E publicar artigos também ajuda a aumentar a nota do departamento a que o acadêmico pertence, e assim garantir mais verbas tanto do governo federal quanto de fontes privadas. Mas o sistema permite distorções. Em 2019, por exemplo, uma decisão do Ministério da Educação favoreceu um pequeno grupo de cursos de mestrado e doutorado de Administração.

Além disso, a professora Flávia lembra que a área de humanas, no Brasil, esbarra na desatualização dos pesquisadores. “Os alunos em geral não olham para fora, para ver o que as pessoas estão fazendo no mundo. Não leem artigos científicos, nem publicados no Brasil, muito menos no exterior. Por isso muitos dos artigos que recebemos não são aprovados para publicação”. Para ela, o meio acadêmico brasileiro, em geral, “quer dinheiro para fazer a pesquisa que gosta, do jeito que gosta, encontrando os resultados que quiser. E não aceitam do governo a cobrança de contrapartida ao investimento”.

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