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Pedro Castillo detido
Pedro Castillo (de azul, no centro), presidente deposto no Peru por tentativa de golpe, é levado dentro de viatura policial na capital Lima na noite dia 7 de dezembro de 2022.| Foto: EFE/ Renato Pajuelo

Após a tentativa de golpe de estado que culminou na deposição e prisão do agora ex-presidente do Peru Pedro Castillo, teve início nas redes sociais e na imprensa brasileira um movimento buscando alinhar o líder socialista ao conservadorismo. De um lado, antigos apoiadores brasileiros de esquerda, como o PT, apagaram materiais que os associavam ao golpista ou escolheram o silêncio. De outro, na TV, o comentarista Ariel Palacios disse que o Peru Livre, partido do ex-presidente, é marxista, mas Castillo, por se opor ao aborto e ao casamento gay, seria uma “fotocópia do presidente Jair Bolsonaro”. Quando o peruano venceu as eleições no ano passado, no entanto, a comemoração não veio do grupo de Bolsonaro. O próprio presidente eleito do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, disse, em 10 de junho de 2021, que “o resultado das urnas peruanas é simbólico e representa mais um avanço na luta popular em nossa querida América Latina”.

Nesta quarta-feira (7), Lula voltou a se manifestar com uma pequena nota em seu site, a respeito da tentativa de golpe de Estado de Pedro Castillo, que já estava sob processo de impeachment. “É sempre de se lamentar que um presidente eleito democraticamente tenha esse destino”, diz Lula, “mas entendo que tudo foi encaminhado no marco constitucional”. Ele ainda desejou êxito à nova presidente do Peru, Dina Boluarte, que era vice de Castillo.

O Partido dos Trabalhadores (PT) de Lula apagou de seu site um texto em que louvava o ex-presidente peruano, “companheiro” Pedro Castillo. O material, também de meados de 2021, ainda pode ser acessado por site de arquivo.  “Junto ao povo peruano e os partidos amigos do país, celebramos a chegada ao governo de um representante popular, de esquerda e progressista, que terá pela frente a importante tarefa de conter o avanço do neoliberalismo”, dizia o texto, assinado pela presidente do partido Gleisi Hoffmann e o secretário de relações internacionais Romenio Pereira. “Companheiro ou companheira, a página que você procura não existe”, diz agora o mesmo endereço.

Outro texto, de dez dias antes, que chama Castillo de “candidato de esquerda”, ainda se encontra no ar no site do PT. “Castillo defendeu maior intervenção do Estado na economia e estímulo à industrialização via restrições ao livre comércio — práticas que desagradam ao mercado”, comenta o texto atribuído à redação do site, que tem tom elogioso a essas políticas com garantia de gerar mais pobreza e baixo desenvolvimento humano. O texto diz que Castillo, não sua rival “conservadora de origens oligárquicas” Keiko Fujimori, era o candidato das mulheres. “Embora seja mulher, Fujimori representa os interesses da classe alta, do neoliberalismo”, justifica o artigo.

Já a petista Maria do Rosário, deputada federal há quase 20 anos pelo Rio Grande do Sul, manteve no ar um tweet elogioso a Castillo: “Mais um país que diz não ao autoritarismo e escolhe a alternativa popular, de esquerda”, disse ela em junho do ano passado. Até o fechamento da reportagem, a deputada não mencionou Castillo nem uma vez desde a tentativa de golpe, embora tenha feito 17 publicações no Twitter no mesmo dia.

Afinal, Castillo é de esquerda ou de direita?

A campanha de Castillo, que veio após uma grande perda de vidas na pandemia, cujas consequências econômicas atiraram quase 10% adicionais da população abaixo da linha da pobreza, tinha pautas tipicamente “de esquerda”. Enfrentando um cenário de extrema fragmentação com 18 candidatos a presidente no primeiro turno em abril do ano passado, ele conquistou 19% dos votos, contra 13% de Fujimori.

A promessa era fazer uma nova Constituição, pauta que também se viu na esquerda chilena recentemente. Tendendo para essa ideologia política, Castillo prometeu inserir nessa nova Constituição uma provisão para tomar os lucros das mineradoras ricas do país e distribuir igualmente para os peruanos. Já Fujimori, apesar de prometer aumentar salário-mínimo e fazer assistencialismo para os pobres, era a candidata dos conservadores.

A falta de interesse e até demonização da liberdade econômica a favor de “redistribuição” equitativa é uma das marcas mais notórias do que se convencionou chamar de esquerda. Mas existem outras teorias políticas que complexificam os estereótipos sobre os grupos políticos e oferecem alternativas à simples dicotomia esquerda versus direita.

Havia, também, uma dicotomia do voto rural para Castillo e urbano para Fujimori. O Peru Livre conseguiu 37 assentos no parlamento contra 24 do Força Popular da rival. O segundo turno foi tão ou mais apertado que o das eleições brasileiras: Fujimori, que liderava por pequena margem no começo da apuração, perdeu por menos de 50 mil votos. A derrotada alegou fraude, mas observadores internacionais declararam os resultados justos. As alegações de fraude atrasaram em um mês a declaração da vitória de Castillo.

Em seu discurso de posse, ele, mais uma vez de forma típica de um político de esquerda, reclamou da desigualdade da sociedade peruana e culpou o legado do colonialismo pelos problemas do país, comemorando ser o primeiro camponês a governá-lo, “alguém que pertence àqueles que foram oprimidos por tantos séculos”. Mas é verdade, também, que Castillo mais tarde se afastou do comunismo e do chavismo.

Edições em enciclopédia

Larry Sanger, cofundador da Wikipédia, agora preside uma organização que quer criar uma “enciclosfera”, uma rede de enciclopédias de livre acesso na Internet. Uma das motivações de Sanger é que a Wikipédia teria um viés político de esquerda. No passado, de fato, os editores da Wikipédia trancaram artigos, aparentemente para evitar edições que desafiassem a narrativa progressista sobre eventos recentes controversos.

No dia da tentativa de golpe, usuários das redes sociais apontaram edições estranhas da Wikipédia em português que pareciam tentar aproximar Castillo do conservadorismo e afastar da esquerda. Na linha 95 do verbete sobre o político, um editor mudou “Os analistas descreveram Castillo como sendo de esquerda agrária, populista e socialista” para “Os analistas descreveram Castillo como sendo conservador em aspectos sociais, de esquerda agrária, populista e socialista”.

Apesar de ter apenas uma fonte citada para “conservador em aspectos sociais”, a descrição vem em primeiro lugar, enquanto “extrema-esquerda”, com sete fontes, vem depois. A Wikipédia é aberta, mas tem uma estrutura hierárquica para desfazer edições novas.

A Enciclopédia Britannica, principal concorrente da Wikipédia e que usa um sistema mais tradicional para autoria de verbetes, prefere não adjetivar politicamente Castillo e deixar o diagnóstico de ideologia política para partidos, ideias e ações.

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