A exemplo do desfecho de todos os experimentos socialistas ao longo do último século, um café canadense autointitulado “anticapitalista” anunciou pelas redes sociais o fim das atividades no mês de maio, após pouco mais de um ano de funcionamento. Localizado em Toronto, “uma terra roubada” dos indígenas, segundo defende o proprietário Gabriel Sims-Fewer, “O Anarquista” conta com uma loja, que comercializa livros (os temas vão de mudanças climáticas a feminismo indígena) e sacolas com slogans como “todos os ladrões vão para o céu”. Além disso, oferece um “espaço comunitário radical”, onde é possível descansar e usar os banheiros mesmo sem consumir os produtos.
Autodenominado “homem branco, cisgênero queer”, Sims-Fewer queria transformar o café em uma “cooperativa de trabalhadores”. Apesar do título anarquista, a ideia era desenvolver o negócio para que todos os futuros contratados ganhassem a mesma coisa que ele e tivessem “poder de decisão completamente igual, dentro de um sistema democrático baseado em consenso”. "Infelizmente, a falta de riqueza geracional/capital de semente proveniente de fontes eticamente falidas deixou-me incapaz de resistir à calma temporada de inverno ou de crescer da forma necessária para ser sustentável”, postou o proprietário no site. Posteriormente, o texto foi substituído por outro, comemorando uma nova sobrevida do café além de maio, graças a algumas doações recebidas.
Colunista de entretenimento do jornal local Toronto Star, Vinay Menon analisa que só é possível abrir um café anticapitalista em uma sociedade capitalista. “Não há cafés anticomunistas em países comunistas. O capitalismo, quaisquer que sejam suas falhas e desigualdades, continua sendo o melhor sistema da história da civilização. Aqui no Ocidente, estamos abertos a ideias - mesmo as ridiculamente ruins”, considera.
“Os empreendedores geralmente precisam de empréstimos para iniciar um pequeno negócio. E referir-se ao gerente como 'falido eticamente' não vai ajudá-lo a abrir o cofre. Mas, para os anarquistas, é sempre mais fácil culpar 'o sistema' em vez de suas próprias deficiências profundas como indivíduos. É por isso que O Anarquista está fechando após um ano, incluindo seis meses de generosidade sem aluguel de um senhorio capitalista", critica.
Para iniciar o negócio “anticapitalista”, Sims-Fewer contou com um auxílio da Pop Coffee Works, torrefadora proprietária do café, que lhe cedeu a cafeteria pré-existente no local sem cobrar nada por seis meses. Depois disso, ele passou a pagar um aluguel com desconto. Isso o impediu, segundo conta no site, de vender a alma a algum investidor. “Portanto, tudo o que eu tive que pagar no início foram os itens que eu quisesse comercializar, além da internet e dos serviços públicos. Mesmo isso era muito mais dinheiro do que eu tinha, mas, com a magia do cartão de crédito, consegui dar o pontapé inicial e gradualmente fui incrementando a loja, à medida que as coisas eram vendidas”, afirma no site oficial.
Anticapitalismo capitalista
Contrariando os princípios anticapitalistas, o local tem um cardápio de cafés e bebidas com preços em dólares canadenses, que variam de 3,50 a 5,75. Apenas um item, o café coado, é oferecido pelo famoso “pague o que puder”, comum a restaurantes socialistas. Na seção de perguntas e respostas do site, Sims-Fewer, que trabalha sozinho no estabelecimento, se vale de leis de mercado para explicar os preços dos itens.
“Quando abri o café, escolhi os preços de cada bebida e comida com base no que estou acostumado com minha experiência de trabalho e com base em quanto dinheiro preciso ganhar para o café permanecer aberto, especialmente com a quantidade finita de bebidas que uma pessoa pode fazer por dia. A margem de lucro do café é sempre alta, mas o preço geral relativamente baixo significa que você pode vender centenas de bebidas e ainda perder dinheiro em todas as outras despesas”, justifica.
Ele acrescenta que tem interesse em “sistemas que permitam que as pessoas paguem pelos cafés umas das outras” ou que “paguem de acordo com suas possibilidades”, o que é “um processo longo e gradual”, já que “as pessoas podem escolher entender isso ou não”. “Um dos problemas com muitas das minhas ideias orientadas para 'pague quanto puder' é que quanto mais dinheiro as pessoas têm, menos estão dispostas a pagar. Eu recebo pessoas vestidas de ternos de grife pagando $ 1 por um café e pessoas sem casa tentando me dar $ 10”, diz Sims-Fewer.
O desprezo pelo capitalismo também não impediu o proprietário de abrir uma vaquinha online, pedindo apoio para manter o negócio funcionando. Após conseguir cerca de 4,3 mil dólares, de 119 doadores (até a data desta reportagem), O Anarquista comemorou mais um tempo de sobrevida, mesmo após o anúncio de fechamento.
Em 9 de junho, uma postagem no Instagram anunciou ironicamente que “graças a um enorme influxo de apoio e uma generosa doação de publicidade e atenção dos conservadores cristãos do Texas e da Flórida, O Anarquista continuará a operar após 30 de maio”, em uma aparente referência a textos publicados por portais conservadores sobre a falência do negócio. “Dito isso, não temos certeza de quanto tempo conseguiremos mantê-lo sem mais apoio financeiro. Qualquer doação, grande ou pequena, ajuda”, completa um texto no site de financiamento coletivo.
Um dos comentários na postagem ironizou: “Ok... então este é um estabelecimento capitalista "anticapitalista" [emojis de risos]... Está bem, com certeza”. Diante de uma réplica de que “Somos todos forçados a participar neste sistema capitalista”, o usuário da rede social continuou: “Ninguém é obrigado. Você tem a capacidade de se mudar para qualquer lugar que não seja um país capitalista. Também pode fazer o que quiser. Se alguém se queixa do capitalismo, mas depois tem um negócio, é livre para fazer isso. É apenas muito dissimulado. Se tem um negócio, está participando no mercado livre, o que significa que é parte ativa do capitalismo. Agora, mais uma vez, você não precisa ter um negócio. Isso é uma escolha. Então, se você escolhe ter um negócio, está escolhendo ativamente o capitalismo. Viva as escolhas”.
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