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Experimento coronavírus roedores camundongos
Pré-publicação descreve como virologistas chineses cultivaram em laboratório linhagens de coronavírus de pangolim até acharem uma 100% letal em roedores.| Foto: Lucija T./Wikimedia Commons

Um rascunho de artigo científico de autoria de dez pesquisadores de Pequim, China, chamou a atenção no banco de pré-publicações BioRXiv, dedicado a artigos que ainda não passaram pelo processo de revisão para publicação em revistas especializadas. No texto, tornado disponível no último dia 4, eles relatam ter manipulado um coronavírus de pangolim, aparentado ao vírus da Covid-19, que matou 100% de camundongos geneticamente modificados para terem pulmões semelhantes aos humanos. Os autores admitem que o vírus poderia saltar para humanos.

Os cientistas, liderados por Lihua Song, da Universidade de Tecnologia Química de Pequim, descrevem ter isolado duas linhagens virais de pangolins, que são mamíferos semelhantes a tatus e tamanduás que só existem na Ásia e na África. Esses dois tipos de coronavírus semelhantes ao SARS-CoV-2 (da Covid) foram inoculados em culturas laboratoriais em 2020 e 2017. O tipo cultivado em 2017, chamado GX_P2V, após passar por células vivas em placa, perdeu uma pequena extremidade do seu material genético, gerando um subtipo.

“Clonamos esse mutante”, dizem os chineses, “considerando a propensão dos coronavírus de passar por mutação adaptativa rápida em cultura celular, e avaliamos a sua patogenicidade em camundongos” geneticamente modificados para apresentarem pulmões com características humanas. Resultado: o clone (cópia) conseguia infectar esses roedores, “com altas cargas virais detectadas no pulmão e no cérebro. Essa infecção resultou em 100% de mortalidade dos camundongos”. Os autores concluem que a letalidade do vírus provavelmente tem relação com a presença no cérebro.

A amostra de roedores infectados foi pequena, de apenas quatro indivíduos, que foram comparados a dois outros grupos de quatro, um com o vírus inativado e outro com uma inoculação sem efeito. Dentro de uma semana em que perderam 10% de seu peso, todos os quatro infectados morreram. Eles também apresentaram o comportamento de arrepiar os pelos (que pode ser uma reação a sentir frio ou um sinal de estresse emocional), postura encurvada (sinal de desconforto, dor, estresse, fraqueza ou fadiga), movimentos lentos, e seus olhos ficaram brancos. Os cientistas então repetiram o experimento, dobrando o tamanho dos grupos, com os mesmos resultados, que sugerem “infecção cerebral severa” confirmada por “neurônios encolhidos no córtex cerebral”.

É citada no estudo a virologista Shi Zhengli, que chefia o Instituto de Virologia de Wuhan e é coautora de um projeto de pesquisa que pediu verba americana, através da ONG intermediária EcoHealth Alliance, para inserir em coronavírus uma estrutura molecular que está presente no vírus da Covid-19. O projeto antecede a pandemia.

Reações ao estudo relatado

Especialistas reagiram na rede social X à pré-publicação. “Meu Deus”, disse sem comentar mais Phillip J. Buckhaults, professor de biologia molecular e genética na Universidade do Sul da Califórnia. “Por que esses experimentos arriscados ainda estão acontecendo?”, perguntou Marty Makary, médico professor da Universidade Johns Hopkins. “Essa loucura precisa parar antes que seja tarde demais”, comentou Gennadi Glinsky, médico e professor aposentado de genômica.

O professor François Balloux, diretor do Instituto de Genética do University College em Londres, também criticou os métodos: “É um estudo muito ruim, cientificamente sem sentido. Não consigo ver nada de interesse, mesmo que vago, que poderia ser descoberto ao infectar à força uma linhagem esquisita de camundongos humanizados com um vírus aleatório. Por outro lado, consigo ver como esse tipo de coisa poderia dar errado”.

Os camundongos do estudo apresentam uma molécula receptora que os coronavírus usam para infectar seres humanos, a “ACE2”. Esse é o aspecto em que os seus pulmões se assemelham a humanos. Os pesquisadores não têm certeza de que o vírus GX_P2V realmente teria a capacidade de infectar pessoas. A novidade do estudo é justamente a letalidade: foi o primeiro coronavírus cultivado em laboratório com capacidade de matar 100% das cobaias. O rascunho não menciona em qual nível de segurança os experimentos foram feitos.

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