Qualquer pessoa que tenha frequentado a igreja na França já notou que a direção da corrente evangélica mudou. Ela costumava ir da França à África, mas agora é da África para a França. Muitos dos padres são africanos: eles vêm servir ou converter aqueles que antes o colonizaram.
Seria fácil ignorar a importância deste fato num país tão pouco religioso como a França, mas ele mostra claramente uma perda não apenas no que diz respeito à fé, mas também no que trata da confiança cultural. A própria ideia de uma Europa que prega para o mundo — exceto, talvez, quanto a questões sexuais e pena de morte — hoje em dia parece ridícula. A Europa perdeu o controle do Paraíso, como os chineses dizem, e ela sabe disso.
Quem poderia imaginar, há 30 anos, que a China estaria enviando ajuda humanitária para a Itália na forma tanto de insumos médicos como de técnicos de saúde? É difícil não perceber nisso uma mudança repentina de algo que nós, ocidentais, durante muito tempo encaramos como a ordem natural das coisas: um Ocidente avançado e um Oriente atrasado. Mas a epidemia mostrou algo que preferíamos não saber: já não somos mais os protagonistas.
Nós nos consolamos dizendo que, se não reagimos à pandemia com a eficiência ligeiramente incômoda da Coreia do Sul, Taiwan e Singapura, ao menos ainda somos livres. Afinal, não vivemos num regime autoritário.
Do conforto nenhum homem pode falar, como diz Ricardo II. Saindo para fazer compras numa manhã recente em Paris, minha esposa foi parada duas vezes pela polícia, que exigiu que ela mostrasse seu obrigatório laissez-passer (documento que ela mesma imprimiu e assinou). Mas conversando com um jovem nesta tarde — a uma distância de pelo menos um metro — descobrimos que ele foi multado em 150 euros por ter errado a data de seu laissez-passer. Ao sair para uma caminhada rápida em Paris, eu meio que espero que alguém apareça à minha porta e grite papieren!
Um jornal francês disse que a epidemia marcava o retorno do Estado à cena nacional, depois de anos do que se costuma chamar de neoliberalismo. Como os gastos públicos correspondem a 56% do PIB francês, é de se perguntar se o jornal passou os últimos anos dormindo e não percebeu a expansão do Estado francês depois da Segunda Guerra Mundial.
Foi por falta de dinheiro que o Estado francês não conseguiu fornecer máscaras e outros equipamentos de proteção para os trabalhadores de hospitais? Se sim, que parcela do PIB tem de ser destinada aos hospitais para que eles sejam bem equipados?
É interessante notar que aqueles países asiáticos que — até o momento — conseguiram conter razoavelmente bem a epidemia, embora mais autoritários do que gostaríamos, também têm setores públicos relativamente pequenos em comparação ao tamanho de suas economias (menos de um terço do que é na França). O tamanho da burocracia não é necessariamente um sinal de força ou eficiência, assim como uma perna inchada não é exatamente um sinal de forte e eficiência. Bem pelo contrário. Uma burocracia reduzida concentra a inteligência, enquanto uma democracia inchada a dispersa.
Theodore Dalrymple é editor colaborador do City Journal, ocupa a cadeira Dietrich Weismann no Instituto Manhattan e é autor de vários livros.
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