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Passavam-se apenas 48 anos do descobrimento do Brasil quando o então rei de Portugal, dom João III, resolveu colocar ordem na Colônia. Mandou construir uma capital, Salvador, e selecionou pessoas para implantar um novo sistema de administração. Começava a longa sina de corrupção do país, que explodiu com a chegada da família real, no século 19, e permanece enraizada até hoje.

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O primeiro ouvidor-geral do Brasil (cargo equivalente hoje ao de ministro da Justiça), Pero Borges, desembarcou na Bahia em 1548, um ano depois de ter sido condenado por desviar dinheiro de uma obra no aqueduto do Alentejo. Em teoria, teria de devolver todo o dinheiro extraviado da Coroa e ficar suspenso do serviço público por três anos. Em vez disso, assumiu um posto-chave na principal colônia portuguesa, recebeu a promessa de voltar à Europa como desembargador e sua mulher ainda foi agraciada, enquanto o marido estivesse no Brasil, com uma pensão de 40 mil reais mensais – a moeda da época tinha o mesmo nome da hoje usada no país.

Salvador foi construída graças ao investimento de um terço do orçamento da Coroa, equivalente a 400 milhões de reais. Estima-se que pelo menos 160 milhões de reais foram desviados, graças a problemas bem conhecidos nos dias de hoje, como superfaturamento das obras e licitações com cartas marcadas. O primeiro provedor-mor (ministro da Fazenda) do país, Antonio Cardoso de Barros, teria construído um engenho de açúcar para si só com dinheiro desviado.

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Essas e outras histórias estão no livro A Coroa, a Cruz e a Espada, do escritor gaúcho Eduardo Bueno. 

“Nosso modelo de corrupção está totalmente arraigado em nossas raízes ibéricas. Estamos falando de um conceito totalmente diferente do aplicado nos Estados Unidos, no Japão, onde muitas vezes a única saída para o corrupto é o suicídio”, diz Bueno.

No Brasil, segundo ele, difundiu-se a cultura de que a corrupção deve ser premiada. "Foi o caso de Pero Borges. Mas depois apareceram outros como o Mem de Sá (terceiro governador-geral do Brasil, entre 1558 e 1569), que lançou a política do ‘rouba, mas faz’. Não parece uma notícia de um jornal de hoje?", questiona Bueno.

Chegada ao Brasil

De mau governante em mau governante, a corrupção explodiu 250 anos depois. No livro 1808, o escritor Laurentino Gomes descreve a passagem da corte de dom João VI pelo Brasil como o período mais corrupto da história do país

“A nobreza portuguesa chegou ao Brasil muito pobre, precisava de dinheiro, casas, apoio político. Já a Colônia era rica, porém plebeia, e queria poder”, descreve ele.

Nos oito anos seguintes à chegada, o rei distribuiu mais títulos de nobreza entre os brasileiros do que nos cinco séculos anteriores em Portugal. Os colonos concederam imóveis, doaram dinheiro, tornaram-se acionistas do Banco do Brasil. Além do direito de se incorporar à Corte, ganharam em troca todo tipo de privilégio em negócios públicos.

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Segundo relatos do historiador inglês John Luccock, qualquer saque de dinheiro no Tesouro Real envolvia uma propina de 17%. O responsável pelos provimentos do rei, Joaquim José de Azevedo (o Visconde do Rio Seco), teria praticado tantos desvios que, enfim, recebeu uma punição. Foi proibido de desembarcar em Portugal – no Brasil, porém, seguia próspero e influente.

“Tivemos uma monarquia amparada na prática de concessão de favores e que, em troca, ficava encarregada de prover a vida do cidadão. Mudaram as oligarquias, mas esse é o tipo de patronato que existe até hoje”, diz Laurentino Gomes.

“Combate à corrupção”

Superados os períodos da Colônia, Império e da República Velha, a indignação com a corrupção só entrou na agenda da sociedade a partir da década de 50 do século passado. A mobilização popular contra o "mar de lama" do governo Getúlio Vargas levou o presidente ao suicídio em 1954. Começava a fase em que se posicionar contra a corrupção rendia votos.

Embalado pelo jingle "Varre, varre, vassourinha", Jânio Quadros chegou à Presidência em 1960. Renunciou oito meses depois e, em 1964, o golpe militar acabou com qualquer manifestação de combate à corrupção. Em 1989, Fernando Collor, o "caçador de marajás", usou a mesma receita para conquistar o poder. "Foram experiências muito ruins, que levaram o povo a acreditar ainda menos no combate à corrupção", diz o professor de Ética e Filosofia Política Roberto Romano, da Universidade de Campinas (Unicamp). 

O histórico de impotência, entretanto, começa a ser revertido graças a ações da sociedade civil organizada. O diretor da ONG Contas Abertas, Gil Castelo Branco, ressalta que o binômio imprensa e participação popular provocou vitórias recentes que podem ser consideradas como um marco no combate à corrupção e ao desperdício do dinheiro público. Em 2006, a revolta contra o aumento de 92% no salário de deputados e senadores foi tanta que eles tiveram de rever a decisão. O mesmo aconteceu com a proposta que criava 7,5 mil novas vagas de vereadores em todo o país, emperrada desde dezembro do no ano passado no Congresso.

“Temos um histórico de corrupção que tem mais de 500 anos. Não é uma coisa que vai ser revertida de uma hora para outra. Mas é inegável que existe uma luz no fim do túnel”, afirma Castelo Branco.

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