• Carregando...
Universidade de Harvard terá três estudantes brasileiros
A bolha das universidades americanas: um resultado da gestão Obama| Foto: Criative Commons/Divulgação

Com oito das dez melhores universidades elencadas entre as melhores do mundo em 2022, os Estados Unidos são, há décadas, referência internacional em ensino superior – um sistema cujas joias da coroa são representadas pela Ivy League, a liga que reúne, entre outras instituições, as celebradas Harvard, Yale e Columbia.

Diferentemente do Brasil, as grandes universidades americanas, bem como faculdades de médio e pequeno porte, são majoritariamente particulares: as bolsas são concedidas, em teoria, por mérito, enquanto o restante dos estudantes deve arcar com os custos do curso escolhido. Uma engrenagem simples e eficiente que, em menos de duas décadas, graças a uma mistura de má gestão e ideologia, se transformou em uma bola de neve econômica que não para de crescer.

Cerca de 44 milhões de americanos detêm, juntos, uma dívida de mais de 1,7 trilhão de dólares com o governo americano – valor superior ao saldo do PIB do Brasil em 2021, estimado em 1,6 trilhão de dólares. Trata-se, majoritariamente, de jovens e adultos que cursaram o ensino superior na última década; graduados, mestres e doutores que fizeram empréstimos que chegam à casa dos 50 mil dólares (quase 240 mil reais, na cotação aproximada da data da reportagem) por seus títulos, não encontraram espaço no mercado de trabalho e não têm ideia de como vão pagar a dívida.

Enquanto a ala mais radical do Partido dos Democratas, unida a outros grupos de ativistas, pressiona o presidente Joe Biden pelo perdão integral do montante trilionário - apelando até para a “justiça racial” -, estudantes e pais frustrados enfrentam as perguntas que passam ao largo das soluções fáceis: um ensino superior cada vez mais caro, enviesado e sem garantias de retorno financeiro ainda vale a pena? Se o montante das dívidas não tende a diminuir, quem pagará as próximas? Aos brasileiros, cabe também o questionamento: o que a crise do financiamento estudantil americano tem a ensinar sobre o futuro da educação no país?

A espiral da intervenção: do cheque em branco de Obama ao calote em massa  

O caminho da crise é um retrato fidedigno da “espiral do intervencionismo” prevista pelo economista austríaco Ludwig von Mises, segundo o qual a esquerda tende a criar novas intervenções estatais para corrigir os desastres causados por suas próprias criações. Calcado em empréstimos fornecidos por bancos privados e garantidos pelo governo federal, ajustados às necessidades do cliente, o sistema de financiamento estudantil nos Estados Unidos foi criado em 1965 e levou mais de quatro décadas para alcançar a marca dos 500 bilhões de dólares. Tudo mudou quando o democrata Barack Obama chegou à Casa Branca.

A partir de 2010, o governo americano tornou-se o único credor dos empréstimos estudantis, executando, nas palavras da ex-secretária de educação do governo Donald Trump, Betsy DeVos, uma “aquisição federal completa do sistema”.

“A Secretaria de Educação passou a ser responsável pela maior carteira de empréstimos diretos de todo o governo federal. Os empréstimos estudantis federais são a segunda maior fonte de dívida do consumidor nos Estados Unidos, atrás apenas da dívida hipotecária. Os americanos contraem mais dívidas estudantis do que cartões de crédito ou empréstimos para carros. Do dia para a noite, o departamento se tornou, em essência, um dos maiores bancos do país”, escreve DeVos, em seu novo livro “Hostages No More” (“Reféns Nunca Mais”, sem tradução para o português), que será lançado este mês e foi obtido em primeira mão pela Gazeta do Povo.

O resultado: em apenas seis anos - de 2007 a 2013 - o valor chegou à casa do trilhão. Diante dos maus resultados, a administração democrata cumpriu rigorosamente o ciclo vicioso do intervencionismo e dobrou a aposta:

"Em vez do plano de pagamento fixo usual de dez anos, os alunos receberam uma nova opção de plano de pagamento com base em quanto ganhariam após a formatura. O cálculo do governo Obama de que federalizar empréstimos estudantis seria uma fonte de dinheiro foi baseado em apenas na pequena porcentagem de beneficiários que escolheriam a opção de pagamento baseada na renda. Mas - surpresa! - os estudantes recorreram a essa modalidade em número muito superior às suas projeções. Quando o governo faz empréstimos e depois diz aos devedores que eles não precisam pagar, haverá um déficit. E alguém paga a conta", narra a ex-secretária.

Finalmente, em março de 2020, no início da crise do coronavírus, as dívidas estudantis com o governo federal chegaram ao fatídico valor de 1,6 trilhão de dólares. E, tudo isso, às custas de famílias de baixa renda:

"A mídia quer que todos acreditem que os empréstimos estudantis são principalmente dos pobres. Isso seria, para usar uma frase do momento, uma fake news. De acordo com dados do Federal Reserve, os 40% mais bem remunerados entre as famílias devedores respondem por quase 60% do total da dívida pendente dos empréstimos estudantis. Mais da metade do montante vem de famílias com pós-graduação, que representam apenas 14% do total de famílias americanas. Em suma, isso significa que o perdão de empréstimos estudantis em massa é um Robin Hood reverso - uma transferência dos pobres e da classe média para os ricos", alerta Betsy DeVos.

O problema da superprodução de elites 

A crise das universidades americanas conta com um outro elemento agravante: a falência do próprio modelo universitário em capacitar os alunos para o mercado de trabalho, que não dá conta de absorver todos os pós-graduados que se formam anualmente. O ciclo vicioso de empréstimos, afinal, não garante a qualidade dos programas oferecidos nem do corpo docente – nos tempos correntes, não garante sequer que os alunos sejam livres para debater o que quiserem.

"Existem mais de 11 milhões de vagas não-ocupadas nos Estados Unidos, e a taxa oficial de desemprego é de 3,6%. Geralmente, o objetivo das faculdades de quatro anos é produzir alunos completos, em vez de fornecer treinamento para uma profissão específica. Os graduados muitas vezes recusam os 'empregos braçais' e anseiam por mais empregos políticos em Washington do que o número de cargos disponíveis. Mais jovens deveriam escolher escolas de comércio baratas em vez de programas de artes liberais de quatro anos", explica o especialista em educação da Heritage Foundation, Adam Kissel, em entrevista à Gazeta do Povo.

"Subsídios federais maciços para dívida estudantil levaram as universidades a aumentar os preços. Quando os estudantes pagam caro por diplomas universitários, muitas vezes saem acreditando que merecem empregos de elite. As faculdades mantêm essa pretensão ensinando-lhes que se tornarão parte da elite e terão um papel na mudança da cultura dos Estados Unidos para a esquerda. Muitos graduados acreditam que um diploma universitário lhes dá um status para comandar aqueles que são menos instruídos", avalia Kissel.

O cenário remete também ao conceito proposto pelo cientista e estatístico russo-americano Peter Turchin: a superprodução de elites. Para Turchin, trata-se de um problema que está na raiz da fragmentação da sociedade e é um desencadeador de crises severas.

“Ondas passadas de instabilidade política, como as guerras civis do final da República Romana, as Guerras Religiosas Francesas e a Guerra Civil Americana, tiveram muitas causas interligadas e circunstâncias exclusivas de sua época. Mas um traço comum nas épocas que estudamos foi a superprodução da elite. Os outros dois elementos importantes foram a estagnação e declínio dos padrões de vida da população em geral e o aumento do endividamento do Estado”, explica o estudioso, em artigo de 2013.

“A superprodução da elite geralmente leva a mais competição intra-elite que gradualmente mina o espírito de cooperação, seguido por polarização ideológica e fragmentação da classe política”, prevê Turchin. Qualquer relação com o cenário político contemporâneo, portanto, não é mera coincidência - nem, tampouco com o cenário brasileiro, que há anos forma doutores para o desemprego, seja através de universidades públicas sucateadas e sustentadas às custas dos mais pobres ou programas de financiamento que têm tudo para acabar como nos Estados Unidos. A solução, contudo, tampouco passa por uma completa deslegitimação do ensino superior.

"O ecossistema universitário dos EUA é extremamente diversificado. Muitas faculdades foram por um caminho sem volta, ideologicamente. Em vez de tentar reformá-las, é melhor construir ao redor delas, como a nova Universidade de Austin [a “universidade dos cancelados” - leia aqui a reportagem], e criar credenciais alternativas, como substituir a métrica dos diplomas por capacidade de aprendizado”, propõe Kissel. “Além disso, o financiamento do governo deve mudar drasticamente de faculdades e universidades de quatro anos para faculdades técnicas de dois anos”. Trata-se de uma reforma urgente, de cujo sucesso depende, em muito, a prosperidade das próximas gerações.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]