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Calor na Europa
Espanhóis enfrentam onda de calor em Granada, Espanha, 18 de julho de 2023. Apesar de chamar mais a atenção, o calor mata menos que o frio.| Foto: EFE/Miguel Ángel Molina

Um novo estudo publicado em março na revista Planetary Health, do grupo The Lancet, concluiu que dez vezes mais pessoas morrem de frio do que de calor na Europa. A descoberta é baseada nos dados de excesso de mortalidade em adultos de 854 áreas urbanas do continente, em 30 países, compreendendo o período entre 2000 e 2019. A população coberta pela análise é de 200 milhões de pessoas.

As cidades são particularmente vulneráveis às variações de temperatura, em especial o calor. Neste verão do hemisfério Norte, a Europa está passando por mais uma onda de altas temperaturas que já deixou vítimas fatais.

A vulnerabilidade das pessoas à temperatura varia de região para região. O estudo levou em conta as características socioeconômicas, climáticas e ambientais nos diferentes países e cidades, além da idade das pessoas como fator de risco. De fato, para menores de 45 anos, o risco das baixas temperaturas é menos pronunciado do que para idosos a partir dos 65 anos. O risco apresentado pelo calor é mais uniforme, variando menos entre faixas etárias, mas ainda mais alto nos grupos de idade mais avançada.

O risco de morte para idosos de 85 anos ou mais dobra quando as temperaturas caem em Londres. Quando as temperaturas sobem, ele se eleva uma vez e meia, aproximadamente. Outras campeãs do alto risco no frio para essa faixa etária são Dublin, na Irlanda, e Valetta, em Malta. A cidade mais perigosa em ondas de calor se revelou Paris, capital da França, com elevação de 60% do risco de morte para os mais velhinhos.

Anualmente, concluiu o estudo, acontecem por volta de 200 mil mortes a mais na Europa por causa do frio. O número de mortes extras por causa do calor equivale a um décimo: 20 mil.

A conclusão de que o frio é mais perigoso que o calor não é nova. Em 2015, outro estudo na revista The Lancet concluiu que o frio matava 14 vezes mais que o calor com base em 74 milhões de óbitos registrados em 13 países. Por ano, indicou o estudo, 140 mil pessoas morrem de calor, mas dois milhões morrem por consequências do frio.

Potencial redução de mortes por hipotermia é uma das boas consequências do aquecimento global

A imprensa geralmente é mais convicta que os cientistas em atribuir ondas de calor (ou frio), entre outros eventos de tempo e clima específicos, ao aquecimento global causado pelo homem. A ciência climática é mais cautelosa: estuda padrões e sabe que nem sempre é possível identificar esses padrões em casos específicos. A maior confiança dos leigos é tamanha que, com base em notícias, um juiz do estado americano de Rhode Island aceitou um processo que tenta responsabilizar petrolíferas por furacões individuais que atormentaram o estado.

Como as mortes por causa de temperatura são grandes padrões (em oposição a fenômenos específicos como um furacão ou uma onda de calor), é mais fácil demonstrar que o fenômeno tenha conexão com o aquecimento global, que é em si um grande padrão. O cientista político dinamarquês Bjørn Lomborg, em seu livro de 2020 “False Alarm” (“Alarme Falso” em tradução livre, sem edição no Brasil), assevera que “conforme o planeta fica mais quente, muitas pessoas na verdade se beneficiarão” pela redução do risco de morrer de frio. Além disso, argumenta ele, livrar-se do excesso de calor é muito mais fácil que livrar-se do excesso de frio.

As ondas de calor como a atual da Europa chamam a atenção porque são dramáticas, e o óbito é mais rápido, mas o caso bem mais comum de morte causada pelo frio “ganha menos atenção porque é menos súbita”. O calor mata em poucos dias, o frio leva semanas. “Não há câmeras de TV quando indivíduos na maior parte idosos e fracos falecem após semanas ou meses em apartamentos anônimos”, comenta Lomborg.

Roger Pielke Jr., um cientista político americano que contribui para a pesquisa do aquecimento global e já teve sua obra citada nos relatórios do Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas (IPCC), também critica o excesso de atenção ganhado pelas ondas de calor. “Embora as ondas de calor nos EUA tenham crescido desde os anos 1960”, comenta ele em publicação própria, “a vulnerabilidade social caiu com o tempo”. A tendência no último meio século foi a queda do número de americanos que morrem de calor. “Isso é uma boa notícia, porque mostra que o clima pode se tornar mais extremo, mas a sociedade tem uma importante capacidade de se adaptar”, conclui Pielke.

Em relatório, IPCC afirma que é praticamente certeza que haverá neste século, no mundo todo, um aumento na intensidade e frequência dos extremos de calor, e quedas na intensidade e frequência de extremos de frio. Também afirma com “alta convicção” que, na maior parte das regiões do planeta, as mudanças na magnitude dos extremos de temperatura são proporcionais aos níveis de aquecimento global.

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