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Entrada da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).| Foto: Divulgação/Agecom

Um suposto caso de injúria racial dentro do campus da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) está em investigação há cerca de dois meses e, antes mesmo do fim do inquérito, ativistas e professores aproveitaram o momento para levar ao Conselho Universitário o texto de uma “Política de Enfrentamento ao Racismo Institucional”. Sob o pretexto de combate à discriminação, a instituição aprovou o documento que, entre outros pontos, fala em “racismo epistêmico”, um exemplo do que se vem chamando de "novo cinismo" nas universidades.

Com autoria de mais de 30 pessoas, entre docentes e ativistas, a proposta passou por audiência pública e foi aprovada por unanimidade em sessão do Conselho Universitário, em 29 de novembro. Segundo a seção de notícias da universidade, a política recém-aprovada tem o condão de orientar a direção futura do conteúdo do ensino na instituição. O texto foi louvado pelo reitor da UFSC, Ireneu Manoel de Souza, que disse, em vídeo no canal da instituição no YouTube, que a aprovação fez “um dia histórico” para a universidade e para o conselho.

O ponto do “racismo epistêmico”, que seria “a diminuição do valor de produções científicas somente por não estarem de acordo com os cânones ocidentais”, de acordo com a universidade, “foi ressaltado por representantes de movimentos sociais como um grande avanço da Política de Enfrentamento ao Racismo Institucional da UFSC”. O tom do documento faz lembrar o “novo cinismo” de acadêmicos radicais das humanidades que têm pregado, nas últimas décadas, que a ciência não é uma forma de conhecimento melhor que o conhecimento tradicional na descrição da realidade perceptível.

O que é o novo cinismo?

“O ‘conhecimento’ científico é todo balela”, disse o historiador da ciência canadense Jan Sapp, em um livro de 1990. Já o filósofo francês Bruno Latour, falecido aos 75 anos em outubro passado, passou um tempo fazendo uma observação antropológica de cientistas da Califórnia em um laboratório, enquanto faziam um trabalho de descoberta de uma molécula do corpo humano, e declarou que a área deles, a neuroendocrinologia, era uma “mitologia”. Latour deu a entender que eles criaram a molécula, em vez de descobri-la, pois todo fato científico seria uma “construção social”.

Um exemplo recente da influência das ideias relativistas sobre a ciência na academia foi o de uma reunião de estudantes na Universidade da Cidade do Cabo (UCC), na África do Sul, que circulou nas redes sociais em 2017. Os estudantes diziam que deviam “descolonizar a ciência”, o que implicava que “a coisa toda deve ser eliminada” e substituída por uma “perspectiva africana” que aceita que “através da magia negra, você pode mandar um raio para atingir alguém”.

O problema do radicalismo na academia não é isolado a estudantes engajados em política: o filósofo David Benatar, que leciona na Universidade College Cork (UCC), da Irlanda, descreve em um livro um clima de intolerância racial e extremismo identitário. O livro, lançado em 2021, tem o título A Queda da Universidade da Cidade do Cabo: A Principal Universidade da África em Declínio (tradução livre).

A filósofa britânica Susan Haack, que leciona na Universidade de Miami, comenta essas ideias em seu livro Defendendo a Ciência: Dentro do Razoável (tradução livre para “Defending Science—Within Reason”, 2007, sem tradução em português). Haack chama as escolas de pensamento que atacam a ciência dentro das humanidades de “Novo Cinismo”. São elas o pós-modernismo, os programas “forte” e “radical” em sociologia da ciência, a “etnometodologia da ciência” (associada a Latour), a “retórica da ciência” e outras áreas associadas à chamada “teoria crítica”. A filósofa, que faz críticas detalhadas a cada uma das propostas “cínicas”, oferece uma alternativa pragmática que vê a ciência como pertencente às investigações empíricas do cotidiano, tendo origem no senso comum, mas avançando graças a auxílios como instrumentos, acúmulo de uma literatura científica e a crítica aberta entre cientistas.

Caso ainda em investigação

Independentemente dos aspectos razoáveis da diretriz aprovada pelo conselho universitário da UFSC em pontos como combate ao nazismo, antissemitismo, xenofobia e discurso de ódio contra religiões, o caso de injúria que antecedeu a aprovação da nova política ainda está em investigação.

Em outubro, a UFSC noticiou que “no dia 28 de setembro, uma aluna do curso de Pedagogia foi vítima de racismo por meio de frase escrita no banheiro feminino do Bloco A do Centro [de Educação]”. A Pró-Reitoria de Ações Afirmativas da instituição lançou uma nota em que identificou a estudante como quilombola, ou seja, descendente de comunidade de negros criada para resistir à escravidão no passado.

Caso descoberto, o autor da pichação pode responder por crime de injúria racial, previsto pela lei 7.716/89. O crime é imprescritível e é investigado, sob sigilo, pela Delegacia de Repressão ao Racismo e Delitos de Intolerância da Polícia Civil.

Estimativa de 15% de fraudes

Um problema de providências antecipadas sobre crimes de ódio é que uma quantidade expressiva deles são denúncias que se revelam falsas. Nos Estados Unidos, alguns casos são notórios, como o do ator Jussie Smollett. No começo de 2019, ele deu entrevistas à TV aos prantos dizendo que foi vítima de um grupo de apoiadores de Donald Trump que o atacaram nas ruas de Chicago com insultos e agressão física, chegando a colocar uma corda em seu pescoço para simbolizar os linchamentos de negros no passado do país, além de jogar água sanitária em sua pele. Investigações revelaram que ele contratou dois irmãos nigerianos para forjar o ataque, com interesse em progredir em sua carreira. No início deste ano, Smollett foi condenado a uma pena de 30 meses, com 150 dias em regime fechado, além de uma multa de 145 mil dólares pelos gastos da polícia investigando o falso crime.

O cientista político americano Wilfred Reilly examinou 409 denúncias de crimes de ódio falsas ou duvidosas em seu livro Hate Crime Hoax: How the Left is Selling a Fake Race War (Fraude de Crime de Ódio: Como a Esquerda Está Forjando uma Falsa Guerra Racial, em tradução livre; 2019). Ele estima que, de todos os crimes do tipo, as fraudes representam no mínimo 15%. Nos EUA, cerca de sete mil crimes do tipo são registrados anualmente pelo FBI.

Apesar do título do livro, Reilly reconhece que também há fraudes promovidas por pessoas que se alinham com a direita, como um caso de um apoiador de Trump que forjou vandalismo em seu veículo e culpou o movimento Black Lives Matter. A proeminência dos casos falsos na imprensa é importante: os últimos sete episódios mais cobertos pelos jornalistas americanos, contando com o de Smollett, se revelaram improcedentes.

No Brasil, também são conhecidos casos de falso crime de ódio, como o de uma jovem gaúcha que, segundo a polícia, arranhou uma suástica na própria barriga em 2018. Ela criou a fraude para difamar os apoiadores do então candidato à presidência Jair Bolsonaro.

A Gazeta do Povo procurou a UFSC. Por meio da assessoria de imprensa, a instituição disse que não se manifestaria sobre os casos em investigação, limitando-se a dizer que “a posição da Universidade está expressa nos canais oficiais da instituição”.

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