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A delação premiada do ex-ministro da Fazenda Antônio Palocci, cujo sigilo foi retirado em parte pelo juiz Sérgio Moro nesta semana, é um dos raros exemplos de petistas que admitem a existência de irregularidades e até mesmo apontam os crimes cometidos por integrantes do partido nos 13 anos em que o PT esteve no comando do governo federal. Mas se, por um lado, o silêncio seletivo parece ser a regra quando o assunto é apontar as falhas, por outro sobram declarações desmedidas e antidemocráticas para criticar adversários e o suposto golpe – o impeachment da ex-presidente e agora candidata ao senado por MG, Dilma Rousseff.

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Um dos casos mais recentes é o de José Dirceu, homem-forte do partido e ex-ministro da Casa Civil. Em passagem por Teresina, no Piauí, Dirceu – preso três vezes por participar dos dois maiores escândalos de corrupção da história do Brasil, no Mensalão e Petrolão – defendeu tirar o poder de investigação do Ministério Público e disse que a Operação Lava Jato foi um dos maiores erros do país. Dias antes, o mesmo Dirceu declarou ser “uma questão de tempo” para os petistas retornarem ao poder, independentemente do resultado das eleições. “Nós vamos tomar o poder, que é diferente de ganhar uma eleição”, reforçou. As afirmações foram feitas em uma entrevista ao jornal espanhol El País. 

Para o Ph.D. em Teoria Política e professor de Ciência Política do IBMEC-MG Adriano Gianturco as declarações do ex-ministro petista colocam em dúvida fundamentos básicos da democracia que não deveriam ser questionados. Apesar disso, ele aponta um lado positivo do discurso de Dirceu. “Explicita algo que alguns quadros do partido pensam. Se ele não tivesse falado, teria ainda assim pensado, e muitas vezes não só ele. Neste ponto, é bom que a população saiba que tem alguém pensando em meter a mão nisso”, diz. 

Opinião da Gazeta: Jogar o jogo democrático

Já o professor de Direito Constitucional da Unifesp e Ph.D. em Ciência Política Raphael Neves acredita que o discurso de José Dirceu pode ter um alvo bem mais específico. “Em geral a gente observa que o PT faz muitas vezes um discurso interno para a militância, para a base, e outras vezes faz o discurso pra fora. O PT hoje está bastante dividido internamente. E há vozes dentro do partido que estão exteriorizando uma posição mais radical à esquerda”, afirma. “Eles já tiveram três mandatos e meio, e não fizeram isso durante todo esse tempo de poder. Então até que ponto esse tipo de discurso é algo para ser posto em prática? Acredito que seja muito pouco provável, e mais um discurso para a militância interna”, avalia. 

Por sua vez, o cientista político Márcio Coimbra, analista do Senado, avalia que o PT pode voltar ao poder com sede de vingança e com condições de implementar uma agenda hegemônica paulatinamente. “O PT tem plenas condições de implementar essa agenda, porque o PT vai chegar ao poder com um projeto hegemônico. O projeto do PT é de tomada do poder, não de ganhar a eleição, e o partido vai trabalhar muito por isso”, diz. “O PT virá devagar, eles criaram as condições para fazer isso agora durante os 13 anos de governo. Agora é simplesmente o começo de uma segunda etapa do plano de consolidação do poder e de mudança nas instituições brasileiras”, avalia. 

Violência no DNA 

Além de Dirceu, a presidente do Partido dos Trabalhadores, a senadora paranaense Gleisi Hoffmann, hoje candidata à Câmara dos Deputados, também não mediu as palavras quando disse, em janeiro de 2018, que seria preciso “matar gente” para prender o ex-presidente Lula. “Para prender o Lula, vai ter que prender muita gente, mas, mais do que isso, vai ter que matar gente. Aí, vai ter que matar”, declarou a senadora, à época desconsiderando a hipótese de prisão. Dois dias depois, Gleisi recuou, disse ser “da paz” e que usou a expressão como uma forma de demonstração de quanto o ex-presidente é amado. Lula foi condenado em segunda instância, teve a pena aumentada em relação à sentença do juiz Sérgio Moro e segue detido na sede da Polícia federal em Curitiba. 

Justificativa semelhante à de Gleisi foi dada pela deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ). Em um evento promovido em Brasília pelo Partido dos Trabalhadores em maio de 2017, Benedita – ex-governadora do Rio de Janeiro e ex-senadora pelo mesmo estado – disse estar escrito em sua Bíblia que “sem derramamento de sangue não haverá redenção”. Após a fala, ela foi aplaudida efusivamente pela plateia presente. Pouco tempo depois, a política publicou um vídeo em que afirma ter tido a sua fala manipulada e que a passagem bíblica foi usada totalmente fora de contexto. “Por manipulação de fé, dizem que defendi a luta armada. Meu Deus! Quem pode defender a luta armada, tendo recebido orientação pacífica de Deus nesses 49 anos em que digo que Jesus Cristo é o Salvador”, afirmou Benedita. 

Para Gianturco, a violência no discurso dos petistas tem origem no pensamento marxista, uma das bases ideológicas do partido. “Movimentos marxistas e os partidos marxistas são violentos, agressivos, totalitários, revolucionários, guerrilheiros e antidemocráticos. Não há nenhum grupo marxista, não só os partidos, mas todos os movimentos, que não seja assim. Não se trata de interpretações ou teorias conspiratórias. Isso está dentro do DNA do marxismo”, diz. 

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Mesmo com tamanha agressividade no discurso, os ideais propagandeados por partidos de esquerda ainda encontram guarida em algumas camadas da sociedade. Para o cientista político, a explicação para esse fato se deve ao messianismo embutido em projetos políticos como o do PT. 

“Os ideais são lindos, é o paraíso na Terra. O capitalismo vai colapsar, e depois a queda do capitalismo virá o mundo comunista, que estará eternamente em harmonia. Por isso eles chamam de fim da História, porque será uma sociedade sustentável e perfeita, sem propriedade, sem divisão de classes, sem exploração, etc.”, diz. “Mas algo que promete uma visão messiânica é potencialmente dogmática e gera fanatismo. Todos os movimentos marxistas geraram algum tipo de consequência: sangue, revolução e depois totalitarismo”, lembra. 

Polarização e riscos à democracia 

A polarização do cenário político a poucos dias do primeiro turno das eleições é apontada por Gianturco como o início de uma perigosa espiral negativa, uma onda de intolerância que está sendo surfada pelos candidatos. Na opinião do professor, políticos e eleitores não estão enxergando adversários, mas inimigos “que precisam ser aniquilados totalmente”. Sem a devida legitimidade no discurso, o ódio entre os dois lados tende a crescer e atingir o ápice no fim do período eleitoral. A temperatura, porém, não deve arrefecer tão fácil após a escolha do novo presidente, aponta o especialista. 

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“O perigo teórico – eu não sei o quão provável – é que eventuais totalitarismos de esquerda ou de direita sejam justificados. Se ganha a direita, grupos de esquerda não vão aceitar o resultado. Vão contestar, vai haver protestos toda semana, universidades federais vão ficar em greve o tempo todo. E aí o governo vai ter mais mão livre para eventualmente reprimir essas manifestações. Da mesma forma o contrário se vencer o outro lado. Isso é o caminho para a servidão. É a justificativa para o estado pesar a mão para controlar a baderna”, avalia. 

Já para Neves, a possibilidade de radicalização em um eventual governo petista a partir de 2019 depende muito da renovação do Congresso, o que na opinião dele não deve ocorrer. “A gente sabe que vai ter um Congresso com uma renovação muito baixa. A probabilidade é que quem já é deputado ou senador consiga se reeleger, e foram eles que fizeram o impeachment”, diz. “O PT não tem essa tradição de eliminar adversários. Pelo contrário, a base parlamentar no início do primeiro governo Dilma era gigantesca. Mesmo assim, a gente precisa ver até que ponto esse discurso é só uma bravata ou efetivamente um programa de governo”, analisa. 

Coimbra enxerga condições mais favoráveis a um projeto de radicalização petista, se o partido quiser apostar nessa direção. “O centro político é muito fisiológico, e esse centro político fisiológico está disposto a abrir mão de liberdade por cargos. Esse pessoal serviu ao governo Lula”, diz. “Com o Lula solto, o que provavelmente acontecerá com o Haddad eleito, ele terá um poder de influência com os parlamentares muito grande: o Lula é um bom líder fisiológico, ele sabe entregar o que os parlamentes querem em troca de votos”. 

Seja como for, Gianturco afirma ainda ser compreensível certa falta de civilidade por parte de apoiadores tanto de Fernando Haddad quanto de Jair Bolsonaro. Compreensível, mas não justificável. “A crise econômica é a maior da nossa história, a corrupção é galopante, a insegurança é absurda. É compreensível que as pessoas busquem respostas fortes, um amparo. Agora, quais vão ser as consequências disso? Eu acho que serão mais negativas que positivas. A meu ver, o ideal é uma convergência na direção de uma liberal democracia, para fazer algumas reformas necessárias, mas principalmente que seja civilizada”, diz.

Constituinte

A ideia de se convocar uma nova assembleia constituinte chama atenção na chapa de Fernando Haddad à Presidência, mas a ideia de criar uma nova Constituição já apareceu em uma fala do vice de Jair Bolsonaro, o general Hamilton Mourão (PRTB). O tema está na página 17 do plano de governo da chapa petista, registrado no Tribunal Superior Eleitoral, e é apresentado sem muitos detalhes. “Construiremos as condições de sustentação social para a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte, livre, democrática, soberana e unicameral, eleita para este fim nos moldes da reforma política que preconizamos”, diz o documento. 

“A fala é um pouco vaga. Mas me parece que vai nesse sentido, de um maior controle. Isso é o que aconteceu na Venezuela. Não que a Constituição atual seja ótima, mas o que significa ‘criar as condições para’? É criar caos? Grupos de black-blocs já podem estar lá, dispostos a fazer o jogo sujo. É perigoso. Não sei o quanto isso é possível, mas esse cenário é potencialmente uma possibilidade”, alerta Gianturco.

No caderno de resoluções aprovado pelo 6º Congresso Nacional do PT, há seis menções à convocação de uma Constituinte. Em uma delas, prevê-se o “Fortalecimento dos mecanismos de democracia direta e soberania popular, subordinado a deliberações da Assembleia Nacional Constituinte, com ampliação da prerrogativa de convocação dos plebiscitos também para o poder executivo e os eleitores, entre outros instrumentos”.

Na chapa de Jair Bolsonaro o tema não aparece no programa de governo encaminhado à Justiça Eleitoral. Mesmo assim, já foi tratado pelo vice da chapa, general Antônio Hamilton Mourão. A elaboração da nova Constituição, nos planos do general, não contaria com a participação de congressistas, mas seria escrita por uma “comissão de notáveis”. À população caberia aceitar ou não o texto final, em um plebiscito. O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, criticou na quarta-feira (3) as propostas de mudança de Constituição.

Embora reconheça os entraves e os problemas do sistema político brasileiro, Neves avalia a proposta como “bastante autoritária”. “O sistema político no Brasil se tornou um enorme sistema de vetos. Quando se tenta mudar alguma coisa aparece um grupo de interesses e consegue vetar. O auxílio-moradia para os juízes é um exemplo. Tem alguém no país que defende isso? Ninguém defende, a não ser os juízes. Isso consegue ser cancelado? Não dá, porque o Judiciário vai lá e veta”, diz.

Já Coimbra alerta para as sinalizações menos drásticas do PT, quando fala em “criar condições” para a convocação de uma Constituinte. “Isso aconteceria depois de o PT chegar ao poder, fazer um ajuste, amansar o mercado, privilegiar os parlamentares e criar uma base. Aí o argumento é que, para fazer tudo que o Brasil precisa, é melhor chamar uma assembleia que consiga deliberar sem pressão do voto todos os temas para a modernização do Brasil. Esse será o discurso”, avalia. 

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