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Como o PIX, o DREX faz parte de uma agenda de mudanças que estimulou a concorrência entre bancos.
Como o PIX, o DREX faz parte de uma agenda de mudanças que estimulou a concorrência entre bancos.| Foto: Reprodução / Banco Central do Brasil

Em mais um passo para a implementação de sua moeda digital, o Banco Central do Brasil (Bacen) anunciou na semana passada o novo nome do Real Digital, que agora se chama Drex. O anúncio foi feito durante uma live no Youtube, realizada com Fábio Araújo, o coordenador do projeto no Bacen, e com Aristides Cavalcante, chefe do Escritório de Inovação e Segurança Cibernética do Banco, que explicaram questões técnicas e de segurança relacionadas à moeda digital.

Os responsáveis pelo Drex, no entanto, trataram brevemente de temas um tanto quanto controversos, como a capacidade quase irrestrita de intervenção que o programa da moeda digital concede à autoridade monetária que controla o sistema, ou seja, o próprio Bacen.

No Bitcoin, a precursora das moedas digitais, as transações são feitas e legitimadas pela própria rede e a programação não permite que uma pessoa ou instituição intervenha ou bloqueie os ativos de seus integrantes. Já a plataforma do Drex permite que esse tipo de intervenção seja realizada de forma simplória.

Além disso, comentários dos responsáveis pela moeda digital deram a entender que a implementação do Drex pode ser levada a cabo como uma medida de atualização e modernização do sistema bancário, ou seja, seria aplicada de forma compulsória, sem que a população pudesse escolher ou não se deseja ter seus recursos digitalizados.

“O que acontece com o Banco Central é que há um descompasso entre o discurso e a prática no caso do Real digital”, comenta Pedro Magalhães, desenvolvedor especialista em Blockchain e cofundador da Iora Labs, empresa que presta serviços de verificação de contratos digitais.

Ele foi responsável por levantar algumas das principais preocupações envolvendo a moeda, quando seu pacote de programação foi compartilhado, no dia 3 de julho, no GitHub, uma plataforma para desenvolvimento e compartilhamento de softwares.

Magalhães afirma que, da forma como está sendo desenvolvido, o projeto da nova moeda fornece amplos poderes a seu desenvolvedor. “A plataforma do Drex permite que a autoridade financeira e suas intermediárias tenham acesso a todos os bens e meios de rendimento de uma pessoa. Inclusive a ativos como automóveis e imóveis”, completou.

Segundo o Bacen, a moeda digital está sendo desenvolvida em acordo com o arcabouço regulatório para proteção das informações das pessoas, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), e com os princípios de sigilo bancário. “Esse é um dos pontos importantes do teste, a gente está garantindo para ver se a gente consegue fazer a LGPD valer, para ver se a gente consegue dar a segurança do sigilo bancário”, comentou Araújo.

O coordenador destacou que o Bacen tem interesse na economia e, com o Drex, isso não se altera. O acesso às informações agregadas seria apenas para fins de avaliação econômica. “O estado não ganha poder nenhum, a gente vai reproduzir as mesmas relações que temos hoje no sistema financeiro no real digital."

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Uso da tecnologia de Blockchain 

De acordo com o Bacen, a nova moeda digital veio para cortar custos e facilitar o acesso da população brasileira a serviços financeiros. Para tanto, utiliza a tecnologia de registro distribuído ou Distributed Ledger Tecnology (DLT), a mesma utilizada para moedas digitais como Bictoin e Ethereum.

A DLT é uma tecnologia blockchain, um mecanismo avançado de banco de dados que permite o compartilhamento de informações em rede. Nesse sistema, todas as transações são registradas de forma cronológica e encadeada, o que torna impossível excluir ou modificar a cadeia sem o consenso de toda a rede. Além disso, esses sistemas também possuem mecanismos que impedem a realização de transações não autorizadas.

Deste modo, é possível criar programações para monitorar pedidos, pagamentos, contas e outras transações sem que haja o risco de serem alteradas ou adulteradas. Deste modo, a tecnologia DLT torna possível transferir um ativo digital, um valor monetário de uma pessoa para a outra sem a necessidade de um intermediário, um banco, por exemplo, com confiança.

Mas, no caso do Drex, o sistema proporciona que o Bacen e as demais instituições credenciadas tenham acesso e até interfiram nas transações. Entre as permissões encontradas por Magalhães no programa do Drex, estão a criação ou emissão de moedas digitais, o bloqueio das carteiras de seus usuários, entre outras funcionalidades.

Drex a serviço da economia tokenizada 

Outro ponto importante da nova moeda digital é a tokenização. Por esse processo, a rede de pessoas que possuem moedas digitais garante a veracidade e a validade das transações nela realizadas. Segundo o Bacen, a tokenização de transações e de ativos irá conferir robustez e segurança ao Drex.

No caso brasileiro, essa rede é composta por 14 instituições bancárias às quais o Bacen conferiu autoridade para validar as transações que serão realizadas no sistema. Além de grandes bancos privados, instituições financeiras de menor porte se uniram em cooperativas para fazer parte desse grupo e integrar o processo.

Magalhães afirma que os termos dos contratos entre o Bacen e estas instituições não estão totalmente claros. “No portal da transparência, eu já procurei quais são os termos envolvidos para que essas instituições sejam os nodes [os pontos da rede responsáveis pela validação das operações], mas não consegui encontrar. O que elas ganham, qual os valores desses acordos, nada disso está divulgado”, afirma.

A tokenização de ativos por meio de contratos Inteligentes 

O sistema do Drex também está sendo desenvolvido para comportar Contratos Inteligentes, um tipo de programa que automatiza todas as ações requeridas para realizar um acordo ou contrato, como a compra de automóveis e imóveis, por exemplo.

Ao autoexecutar todas as etapas envolvidas nessas transações, os programas as tornam rastreáveis e irreversíveis. Por essa razão, não há necessidade de intermediação de uma autoridade central, de um sistema legal ou de mecanismos de fiscalização, o que gera economia e agilidade nas transações.

Por exemplo, no caso da compra e transferência de um imóvel, o dinheiro só é transferido para a conta ou carteira do vendedor, quando ele providencia todos os papéis para a efetivação da negociação. Por outro lado, se o comprador não tiver recursos suficientes, a transferência é automaticamente interrompida e não pode ser concluída até que os recursos estejam disponíveis.

Embora os responsáveis pelo projeto afirmem que esse tipo de transação requeira o desenvolvimento do Drex junto a outras instituições, Magalhães comenta que a programação da plataforma já contempla todas essas transações.

Drex: uso voluntário ou compulsório 

Ainda que tenham por base a mesma tecnologia de desenvolvimento, o Drex será diferente de moedas digitais como o Bitcoin e o Ethereum. Enquanto esses cripto ativos são adquiridos como uma opção de investimento, visando ganhos com sua valorização, o Real digital é visto pelo Bacen como uma forma de tokenizar as operações financeiras.

“A economia está se tokenizando, já temos músicas e obras de arte tokenizadas, estão tokenizando automóveis, imóveis, então, você precisa da moeda para completar essa transação de forma segura”, afirmou o coordenador do projeto.

Durante a live, Araújo destacou que, a princípio, a moeda será utilizada em operações interbancárias. O usuário final apenas verá em sua conta o resultado do depósito bancário tokenizado. “Os meus reais no Banco, eles vão estar tokenizados no formato de Drex para eu utilizar”, explicou.

Ele também ressaltou que "quando você oferece uma plataforma regulada, onde você tem todos os atores bem reconhecidos, a gente traz uma vantagem para usar a moeda nacional. Com todo o sistema financeiro já criado em torno da moeda, fica fácil que o Drex venha fornecer esse tipo de serviço para a população.”

No entanto, o coordenador do Drex não abordou a forma pela qual a população será consultada sobre a transformação de seus ativos “reais” em digitais. Tampouco esclareceu se essa será simplesmente uma operação compulsória para todos os usuários do sistema financeiro e bancário nacional, tratada como uma atualização para agilizar e “democratizar” o acesso da população a serviços financeiros.

Procurado para prestar esclarecimentos sobre o Drex, o Banco Central do Brasil não respondeu até o fechamento desta reportagem.

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