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O ditador norte-coreano Kim Jong-Un | ED JONES/AFP
O ditador norte-coreano Kim Jong-Un| Foto: ED JONES/AFP

Não se sabe nada sobre as conversas desta semana entre a Coreia do Norte e a Coreia do Sul – é possível apenas supor qual resultado será mais provável. Como aconteceu em todos os encontros anteriores entre os dois países, a Coreia do Sul basicamente recompensou a Coreia do Norte por mau comportamento, entregando ao país grandes somas de dinheiro e se recusando a aplicar as sanções impostas recentemente pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas.

Enquanto isso, a Coreia do Norte continua progredindo na montagem de mísseis nucleares intercontinentais. Inclusive, o país já testou dispositivos nucleares em outubro de 2006, maio de 2009, fevereiro de 2013, janeiro e setembro de 2016 e setembro de 2017. 

Cada teste foi um momento excelente para os EUA decidirem finalmente fazer com a Coreia do Norte o que Israel fez com o Iraque em 1981 e com a Síria em 2007: usar armas convencionais para impedir regimes que não deveriam nem ter armas de fogo, quanto mais armas nucleares. 

Felizmente, ainda há tempo para Washington lançar um ataque para destruir o arsenal nuclear da Coreia do Norte. Isso deveria ser seriamente considerado, não rapidamente deixado de lado. 

É claro que existem motivos para não atacar a Coreia do Norte. Os mais citados, porém, são bem mais fracos do que se pensa. 

Um dos motivos frequentemente mencionados para não atacar a Coreia do Norte é o medo da retaliação, motivo que não é forte o suficiente. A comunidade de inteligência dos EUA já relatou que a Coreia do Norte tem mísseis com ogivas nucleares que podem alcançar os EUA. Mas isso é um exagero ou uma mera antecipação de um futuro que pode ser evitado caso os EUA tomem atitudes. 

O primeiro dispositivo norte-coreano que poderia ser compacto o suficiente para se tornar uma ogiva em um míssel de grande alcance foi testado no dia 03 de setembro de 2017, e um míssil que poderia armazenar uma ogiva foi testado apenas em 28 de novembro de 2017. Se a Coreia do Norte conseguiu terminar o desenvolvimento de um sistema capaz de criar e produzir essas armas em grande escala e iniciar a produção de mísseis de longo alcance com ogivas nucleares desde então – usando o pequeno orçamento que o país tem à sua disposição –, ela teria dominado a ciência e a engenharia de uma maneira nunca vista na história humana, se tornando um fenômeno sem precedentes. É muito mais provável que eles ainda estejam trabalhando para unir as duas tecnologias que já criaram em uma arma viável. 

É verdade que a Coreia do Norte poderia fazer retaliações a ataques usando seu armamento mais convencional contra a capital da Coreia do Sul, Seul, e sua região metropolitana, que abriga cerca de 20 milhões de habitantes a cerca de 55 km de distância da fronteira entre os dois países. Funcionários americanos também citaram que o medo de um "mar de fogo" justifica a falta de ação. Mas essa vulnerabilidade não deveria paralisar os EUA. 

Quando o então presidente dos EUA Jimmy Carter resolveu retirar todas as tropas americanas da Coreia do Sul há 40 anos (no fim, uma divisão continuou no país), conselheiros de defesa levados para ajudar – incluindo eu – pediram que o governo mudasse seus ministérios e escritórios para longe da fronteira norte, além de incentivar fiscalmente que grandes empresas fizessem o mesmo. A Coreia do Sul também recebeu a recomendação de tornar obrigatória a construção de abrigos antibomba (como é feito em Zurique, onde todas as construções devem ter o seu). A medida diminui drasticamente o número de fatalidades em caso de bombardeios. Além disso, a Coreia do Sul teve recentemente a oportunidade de comprar Cúpulas de Ferro (um sistema de defesa antiaérea) produzidas nos EUA e em Israel a um custo baixo. A medida poderia impedir que até 95% das bombas do norte alcançassem habitações humanas do sul. 

Mas, nas últimas quatro décadas, os governos da Coreia do Sul não tomaram basicamente nenhuma dessas medidas. Existem 3,2 mil abrigos registrados oficialmente, mas eles são apenas shoppings, estações de metrô e estacionamentos subterrâneos, sem nenhuma estrutura necessária em abrigos (como estoque de comida e água, kits médicos e máscaras de gás). Quanto a importar as Cúpulas de Ferro, a Coreia do Sul optou por usar o orçamento no desenvolvimento de uma bombardeiro direcionado ao Japão. 

Mesmo agora, fatalidades podem ser reduzidas com um programa intensivos de resistência, que envolvessem limpar e fortalecer a estrutura de todos os porões da cidade, estocar comida e outros produtos necessários em todos os abrigos oficiais e sinalizá-los além de, claro, evacuar o mais número de pessoas possível antes que algo aconteça (a maioria dos cerca de 20 milhões de habitantes estaria em segurança se fossem levados 30 km ao sul). Os EUA deveriam, por sua vez, considerar contra-ataques aos possíveis ataques norte-coreanos. 

Ainda assim, considerando a deliberada falta de ação da Coreia do Sul nos últimos anos, qualquer estrago feito a Seul não deveria paralisar os EUA frente ao grande perigo para os interesses do país e seus aliados em todo mundo. A Coreia do Norte já é conhecida por vender mísseis para vários países, principalmente o Irã. É difícil imaginar que ela não vá vender também armas nucleares quando conseguir. 

Outro dos motivos usados para defender que os EUA não deveriam atacar é que seria muito difícil realizar os ataques. Esse é ainda menos convincente. A alegação é que, para destruir as instalações da Coreia do Norte, seriam necessários milhares de tipos de bombas. Mas todas as instalações nucleares do país – considerando as conhecidas, as prováveis e as possíveis – somam cerca de 12 lugares, a maioria deles de pequeno porte. Nenhum plano militar razoável para destruir essas localidades demandaria equipamentos absurdos. 

Infelizmente, essa poderia não ser a primeira vez que um plano militar americano se mostrasse insensato. As Forças Aéreas dos EUA normalmente rejeitam ataques simples, insistindo na técnica de "Supressão das Defesas Aéreas do Inimigo". Esse é um conceito peculiar, segundo o qual todos os radares, mísseis, pistas de voo e decolagem e aeronaves de combate de um determinado país devem ser bombardeados à destruição para evitar que os pilotos americanos corram riscos. 

Dessa forma, porém, não se bombardeia os alvos que realmente importam. Considerando que esse tipo de equipamento já está obsoleto na Coreia do Norte, as exigências das Forças Aéreas são apenas uma desculpa para não agir. Sim, um ataque aéreo mais limitado pode deixar algumas coisas escaparem, mas a Coreia do Norte não tem um míssel nuclear – ao menos por enquanto.  

Talvez o único bom motivo para hesitar antes de conduzir um ataque à Coreia do Norte seja a China. Mas não porque Beijing poderia se tornar um inimigo dos EUA. A noção de que a China é uma grande protetora da Coreia do Norte é bastante ultrapassada. Sim, a China não quer que a Coreia do Norte desapareça e deixe em seu lugar tropas americanas se movendo pelo Rio Yalu ou perto de suas fronteiras. Mas o apoio do presidente Xi Jinping à sanção econômica máxima, incluindo um bloqueio da importação de petróleo pela Coreia do Norte (uma estratégia típica de guerras) mostra uma mudança de lado em relação às armas nucleares norte-coreanas. Ninguém acredita que a China defenderia a Coreia do Norte caso houvesse um ataque americano contra as instalações nucleares do país. 

Mas a mudança de lado por parte da China criou um motivo diferente que influencia sim a decisão dos EUA bombardear ou não a Coreia do Norte: ainda que o desenvolvimento de armas nucleares seja muito perigoso, ele mostra uma independência do país da influência chinesa. 

Em um cenário pós-ataque, o regime de Pyongyang pode desmoronar, transformando o país em um quintal da China. Isso poderia deixar Beijing muito mais influente – influência que poderia até alcançar a Coreia do Sul, dada a preferência do país por um patrocínio chinês do que americano (segundo algumas reportagens mostraram). Uma Península Coreana dominada pela China deixaria o Japão menos seguro e tiraria a força dos EUA no Pacífico. 

Em teoria, uma situação caótica pós-ataque poderia ser resolvida pela reunificação política da península, com os EUA cuidando das preocupações chinesas e movendo rapidamente suas tropas para o sul, não para o norte. Na prática, porém, esse pode ser um plano de difícil execução, principalmente porque a Coreia do Sul (governo e população) podem não querer compartilhar sua prosperidade com seus vizinhos do norte (da mesma maneira que aconteceu na Alemanha). 

Por agora, parece claro que as autoridades militares dos EUA não têm um plano militar preventivo. Mas os EUA ainda podem poupar o mundo dos perigos oferecidos por uma Coreia do Norte com armamento nuclear de longo alcance, se agirem nos poucos meses antes que esses equipamentos se tornem operacionais. 

É verdade que Índia, Israel e Paquistão têm armamentos similares e que nenhuma catástrofe foi causada por causa disso por enquanto. Mas cada um deles mostrou sua confiabilidade ao longo de anos, de uma maneira que a Coreia do Norte não fez ainda. As embaixadas desses países, por exemplo, não vendem drogas com notas fiscais falsas. Além disso, esses países passaram por crises sérias e até por guerras sem mencionar suas armas nucleares, muito menos ameaçar usá-las, como Kim Jong Un tem feito. A Coreia do Norte é diferente, e os EUA deveriam perceber isso antes que seja tarde demais.

Edward Luttwak é autor de “Estratégia: a Lógica da Guerra e da Paz”
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