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Faxineira
Para sindicalista, menos tempo de formação acadêmica dos faxineiros justifica aposentadoria mais tarde| Foto: Pixabay

O discurso de que a reforma da previdência combate privilégios ganhou asteriscos nos últimos dias. Várias categorias, entre elas a dos policiais e professores, fizeram pressão para manter ao menos parte de seus privilégios e, assim, ficar de fora de uma reforma mais “dura”. No caso dos professores, a nova versão do relatório da reforma da Previdência apresentada na terça-feira (2) reduziu de 60 para 57 anos a idade para os professores do ensino básico se aposentarem.

Além disso, eles terão direito a receber o mesmo salário do último cargo ocupado. Outra condição especial que a categoria conseguiu manter foi o dos reajustes equivalentes aos concedidos pelos servidores da ativa. Apesar de os demais trabalhadores (em profissões com salários inferiores e consideradas mais desgastantes) terem de se aposentar aos 65 anos, quem defende os professores afirma que o privilégio é justificável.

É o que diz, por exemplo, Heleno Araújo, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação. Para ele, qualquer mudança previdenciária é um desrespeito aos professores.

“Profissão penosa”

As regras especiais para a aposentadoria dos professores brasileiros existe desde 1964, quando receberam uma benesse da ditadura militar. Um decreto do presidente Castello Branco os incluiu na categoria de “profissão penosa”. Embora a classe não seja mais considerada “penosa” desde os anos 1980, quando a legislação foi alterada e mudou esse entendimento, eles mantiveram as regras especiais. Uma das justificativas para isso seriam os possíveis efeitos nocivos do contato com o pó de giz e o desgaste físico da profissão. Mas o privilégio também serve como compensação salarial e sinal de valorização da profissão.

Há diversos países em que os professores se aposentam antes, como Estados Unidos, Canadá, parte da Europa e América Latina. Porém, segundo o secretário de Previdência do Ministério da Economia Leonardo José Rolim Guimarães, em 60% dos países analisados em levantamento do governo não há regras para a categoria.

De acordo com Heleno Araújo, o regime especial de aposentadoria para os professores ainda é necessário. Ele diz que um terço dos integrantes da categoria sofre por doenças ocupacionais causadas pela intensidade da jornada laboral e más condições de trabalho. “A ausência de concursos públicos e a quantidade de alunos por sala de aula, além dos baixos salários, sobrecarregam os professores”, afirma.

O professor diz que é preciso comparar as situações vividas por professores no Brasil com o restante do mundo. “Aqui, temos o pior salário no mundo, principalmente entre os países que estão dentro da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico). Nossas condições de trabalho também estão entre as piores do mundo. E também somos os profissionais mais desrespeitados do mundo. Então as condições em que desempenhamos as nossas tarefas aqui no Brasil são diferentes de qualquer outro país”, afirma.

De acordo com o último Relatório Global de Prestígio dos professores, elaborado anualmente pela Varkey, a população brasileira é a que tem a pior percepção em relação a seus professores entre 35 países pesquisados.

Mas o economista e consultor do Senado Pedro Nery chama a atenção para o fato de que, no Brasil, diferentemente dos outros países, os professores conseguem se aposentar pelo valor recebido no último salário. “Não à toa, muitos estados e capitais já gastam mais com a folha de inativos do que a com a de ativos na educação. É um paradoxo. A aposentadoria especial era uma compensação à baixa remuneração, mas hoje ela é o maior obstáculo para melhorias na carreira. Imagine que um prefeito, a cada R$100 de aumento, tem que pagar R$120, R$130 aos inativos”, explica.

Categoria bem organizada e numerosa

Segundo levantamento de 2014 divulgado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), a média salarial dos professores da educação básica pública é de R$ 3.335 - salário superior aos rendimentos de 89% dos brasileiros. A média salarial dos trabalhadores com carteira assinada é de R$ 2.039, e dos trabalhadores informais é de R$ 1.158. Assim, seria justificável professores se aposentarem aos 57 anos enquanto outras categorias, tão ou mais penosas e com vencimentos menores, terão de trabalhar até os 65 anos para aposentar?

Para Nery, não. “O exemplo é a merendeira da própria escola, que não tem regra especial. A faxineira e o zelador, idem. Mas é uma escolha eminentemente política, não técnica, talvez influenciada pelo fato de a categoria ser bem organizada e numerosa”, opina.

Heleno contesta. “A escolaridade e a formação de um professor não se comparam à escolaridade e formação de um faxineiro. Um faxineiro não exige nenhuma formação, o professor precisa de um curso superior para obter sua licenciatura. Quando você compara a formação dos professores com os profissionais com a mesma formação nós recebemos metade do valor da média salarial deles. É isso que precisa ser visto: a formação e o salário que se recebe.”

Segundo levantamento do Inep, professores recebem entre 18% e 39% menos do que outras categorias com o mesmo nível de escolaridade para jornadas de até 40 horas. Vale ressaltar que ensino superior só é exigido para quem leciona para turmas a partir do 6º ano do ensino fundamental. Para professores que lecionam para os primeiros anos do ensino fundamental, admite-se diploma de nível médio, com formação específica em magistério.

Ele afirma que para exercer a profissão de professor se exige cuidado, atenção e ensinamento. Além disso, os professores são responsáveis pela formação de outros seres humanos de forma contínua. “A faxineira, mesmo que seja uma profissão danosa, tem aparelhos de proteção que deveria usar e cuidar. Além disso, quando o expediente acaba, acaba a responsabilidade dela. Já nós [professores] temos um processo permanente de responsabilidade e atuação que muitas vezes é ininterrupta”, diz.

O economista e pesquisador da Fipe Paulo Tafner é uma das vozes que defendem a igualdade entre todas as profissões. “As regras especiais para professores foram feitas há 50 anos. Faz sentido manter as mesmas regras hoje?”, questiona.

Para Heleno, porém, eventuais mudanças nas regras atuais desvalorizariam a categoria. “Qualquer alteração é um desrespeito muito grande. A idade mínima de 57 anos significa sete anos a mais de trabalho do que temos hoje. É um ato desrespeitoso e não atende à nossa reivindicação. O que nós reivindicamos é manter as regras atuais, que já foram alteradas em 1998 e em 2003 [nos governos FHC e Lula, respectivamente]. Antes de mudar as regras de aposentadoria, é preciso mudar a estrutura”, argumenta.

O professor de economia do Ibmec Daniel Sousa é contrário à utilização de regras previdenciárias para compensações. “As regras especiais são defendidas como mecanismo de valorização do professor, mas a valorização do professor tem nome: salário e condições de trabalho”, afirma. “A previdência não foi criada para compensar ou premiar e sim para acolher/proteger trabalhadores que não têm condições de trabalhar por motivo de idade ou doença”, complementa. Para ele, amenizar a situação fiscal dos estados e municípios possibilitaria melhorar as condições de trabalho dos professores, algo inviabilizado sem uma reforma robusta das regras da previdência.

O impacto fiscal projetado para a União caso os professores passem a se aposentar aos 60 anos seria de R$ 12 bilhões em 10 anos. Mas, como a rede federal emprega apenas 1,3% dos professores do ensino básico, os mais afetados pelas exceções seriam os estados e municípios, que estão em pior situação fiscal.

Nery afirma que regras previdenciárias especiais para professores é uma escolha política. “Se [a profissão] fosse de fato insalubre, não precisaria ter regra própria, porque se encaixaria no conceito de aposentadoria especial por exposição a agentes nocivos”, diz. “Na prática, a aposentadoria privilegiada foi usada como maneira de compensar professores por uma remuneração relativamente mais baixa e condições de trabalho ruins”, complementa.

Ele afirma que essa compensação foi feita para tornar a carreira mais atrativa, um instrumento utilizado por políticos do passado porque eles receberam o ônus político de conceder o benefício, mas não precisaram arcar com a conta. “O problema é que agora a conta chegou”, ressalta.

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