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Ciência e identitarismo
Laboratório em 2020 exibe cartaz em sua porta com lista de credos políticos relacionados ao identitarismo: “Neste laboratório, acreditamos que a ciência é real, amor é amor, vidas negras são importantes” e (não mostrado no corte) “feminismo é para todos”.| Foto: Reprodução/Twitter

Um estudo quantitativo publicado em novembro descobriu que, na década entre 2010 e 2021, o identitarismo cresceu 4200% na ciência, a julgar pelo vocabulário identitário utilizado em publicações científicas. Na face pública das universidades americanas, os seus websites, o crescimento foi de 2600%. A expansão da ideologia também é observada no investimento de verbas de pesquisa: os Institutos Nacionais de Saúde (NIH) e a Fundação Nacional da Ciência (NSF), os dois maiores financiadores de pesquisa nos Estados Unidos, aumentaram em 300% as verbas investidas em pesquisa relacionada ao identitarismo.

A análise é baseada em mais de 280 mil arquivos, totalizando mais de 30 gigabytes de dados, com sites de universidades, contas institucionais no Twitter, programas anuais de associações acadêmicas, programas de verbas de grandes agências de fomento da pesquisa científica, além de publicações científicas técnicas. Os autores são Mason Goad, cientista político, e o cientista de dados Bruce R. Chartwell (pseudônimo que soa como um trocadilho a respeito de gerar gráficos na linguagem de programação R). O estudo foi publicado pela Associação Nacional de Acadêmicos (NAS, na sigla em inglês), uma organização conservadora voltada para a educação, fundada em 1987.

Um nome “oficial” do identitarismo no mundo acadêmico e empresarial é a sigla DEI, para “diversidade, equidade e inclusão”. No caso, o termo “equidade” é usado como alternativo à igualdade ou tratamento igual, considerado insuficiente, sendo mais próximo de “igualdade de resultados”, envolvendo tratamento diferencial para grupos ditos oprimidos. Para os autores, o identitarismo, ao adentrar as ciências naturais, “mina as normas do discurso aberto, objetividade, devoção às evidências e independência intelectual que constituem a ciência robusta”.

Cinco bases de dados

Os autores criaram cinco bases de dados com fontes distintas de informações, dos sites das 100 mais bem avaliadas universidades americanas e suas contas no Twitter aos programas anuais de associações científicas, programas de verbas dos NIH, NSF e Fundação Ford, e artigos científicos.

A única exceção ao crescimento da linguagem identitária no período foi a base de dados de programas anuais das associações acadêmicas — porém, cresceu nessa base a terminologia associada ao “antirracismo” a partir de 2020, ano febril para o assunto após a morte de George Floyd e os protestos do movimento Black Lives Matter. Também em 2020, até 2021, a NSF triplicou o volume de verbas para temas “antirracistas” e os NIH, no período completo de uma década, cresceu suas verbas de cinco a mil vezes, a depender do tema específico.

Nos sites das universidades, os autores buscaram co-ocorrência da terminologia ideológica com termos de ciência, tecnologia, engenharia e matemática (STEM): a co-ocorrência saltou de 110 casos em 2010 para 2891 casos em 2021.

Crenças de luxo

Interessantemente, confirmando a previsão do doutor em psicologia Rob Henderson, segundo o qual o identitarismo é uma “crença de luxo” para ostentação de uma elite, o crescimento da terminologia DEI foi especialmente associado às instituições mais prestigiosas dos Estados Unidos, como Harvard, Princeton e Yale, chamadas em conjunto de “Ivy League”. Entre elas, o crescimento do jargão ideológico identitário associado a STEM foi quase o dobro do observado nas universidades fora desse grupo.

O crescimento da linguagem identitária nas contas oficiais das instituições no Twitter se deu em explosões, especialmente a partir de 2015, em vez de uma tendência paulatina. Nos agregadores de artigos científicos, o crescimento do uso de linguagem identitária e “antirracista” cresceu entre três e 42 vezes mais rápido que o de temas puramente científicos.

Mason e Bruce pedem cautela na interpretação dos resultados. Por exemplo, parte do crescimento da co-ocorrência de termos ideológicos e técnicos pode refletir o crescimento geral do uso da internet no período considerado. Apesar dessa limitação, a década entre 2010 e 2021 de fato coincide com a crescente proeminência de temas identitários em outros setores da cultura, como o entretenimento. Os autores fornecem seus métodos para que outras pessoas possam replicar os resultados.

Um exemplo concreto de associação entre jargão ideológico e uma área científica é “glaciologia feminista”. A glaciologia, estudo das geleiras, nada parece ter em comum com temas sociais ligados aos sexos. No entanto, essa associação foi feita até em publicações de prestígio como a revista Science.

Em novembro passado, o antropólogo Antonio Risério publicou um grande volume com 19 autores, “A Crise da Política Identitária” (TopBooks), organizado por ele próprio e com sua coautoria. Em um capítulo, Risério sugere que o identitarismo é como uma nova religião: “A ‘diversidade’ parece ser mais sagrada para um militante ou simpatizante do multicultural-identitarismo do que a santíssima trindade para um católico sério e praticante”. O intelectual pensa que a diversidade promovida por essa ideologia é superficial ou falsa: “sob a capa da diversidade, nos deparamos com seu avesso: a homogeneidade”.

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