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O conservadorismo e progressismo de nossas crenças pode nos dividir, mas nossa capacidade de pensarmos o mundo de forma flexível e adaptável pode nos unir.
O conservadorismo e progressismo de nossas crenças podem nos dividir, mas nossa capacidade de pensarmos o mundo de forma flexível e adaptável pode nos unir.| Foto: Pixabay

Vivemos a era do partidarismo. À medida que nossas crenças se tornam cada vez mais polarizadas e que as câmaras de reverberação começam a ditar nossa realidade, muitos de nós nos percebemos subitamente partidários. Nessa época marcada pelas bolhas, aprendemos a confiar na diferenciação política entre esquerda e direita como um instrumento fundamental para avaliar quem pensa como a gente e com quem devemos nos relacionar.

Mas o partidarismo não é apenas uma questão de direção – isto é, se as crenças políticas da pessoa tendem à direita ou esquerda. O partidarismo tem uma outra dimensão geralmente ignorada, marcada pela intensidade ou extremismo das crenças e da identidade pessoal.

Uma pessoa, por exemplo, pode tender à esquerda politicamente e defender essas crenças firme e dogmaticamente, e outra pode tender à direita, mas se sentir levemente identificada em relação aos partidos conservadores, abrindo-se para pontos de vista alternativos. Quando falamos em partidarismo político, os rótulos de “esquerda” e “direita” não bastam: temos de avaliar a tendência partidária e o extremismo.

O cérebro partidário

O pensador norte-americano Eric Hoffer acreditava que podíamos ter grandes ideias quanto à história, psicologia e política avaliando como as pessoas demonstram identidades ideológicas extremadas.

Em seu livro The True Believer [O verdadeiro crédulo](1951), Hoffer argumentava que pessoas que seguem uma ideologia ou um político partido extremista tendem a ter um caráter psicológico específico que as torna suscetíveis ao grupo ideológico, independente das crenças específicas que ele defende. Escreveu ele:

Todos os movimentos, por mais diferentes que sejam na doutrina e nas aspirações, atraem os primeiros apoiadores entre um mesmo grupo social; eles atraem o mesmo tipo de mentalidade.

Quais as características do “tipo de mentalidade” mais suscetível ao pensamento extremista e dogmático? De acordo com a hipótese de Hoffer, uma baixa autoestima e uma frustração pessoal são ingredientes fundamentais do extremismo ideológico. Eu e meus colegas da Universidade de Cambridge decidimos usar uma abordagem diferente e mais moderna para esse problema, usando os instrumentos da ciência cognitiva.

Buscamos investigar a psicologia da “mente ideológica” e nossa hipótese era a de que a rigidez e o extremismo partidários talvez surjam de uma tendência psicológica geral a processar informações de uma forma rígida e inflexível.

De acordo com a literatura neuropsicológica, um indivíduo cognitivamente rígido tende a perceber os objetos e os estímulos em termos maniqueístas, e isso os impede de transitar entre formas distintas de pensamento e se adaptarem a ambientes em transformação.

A hipótese é a de que indivíduos com uma tendência à rigidez cognitiva têm mais chance de serem rígidos e dogmáticos no que diz respeito a suas crenças e identidades políticas também.

Num estudo recentemente publicado, convidamos 750 cidadãos norte-americanos a se submeterem a testes neuropsicológicos que nos permitem mensurarmos o nível de rigidez e flexibilidade cognitivo individual deles. Descobrimos que pessoas extremamente ligadas ao Partido Democrata ou ao Partido Republicano demonstravam uma rigidez mental maior nestes testes cognitivos do que aqueles com uma ligação moderada ou fraca. Independentemente da direção ou conteúdo de suas crenças políticas, os extremistas tinham um perfil cognitivo semelhante.

Isso sugere que o extremismo partidário é psicologicamente significativo – a intensidade com que nos apegamos a doutrinas políticas talvez reflita e molde a forma como nossa mente funciona, até mesmo nos níveis mais básicos de percepção e cognição. Vale notar que essa descoberta teria permanecido oculta se considerássemos os participantes apenas como “direitistas” ou “esquerdistas”.

Aprendendo a ser flexível

Esses resultados levantam muitas perguntas quanto à relação entre nossa mente e nossa política. A primeira é a questão da causalidade: o envolvimento com uma ideologia extremista leva à rigidez mental? Ou a inflexibilidade cognitiva é que faz a pessoa se aproximar do extremismo ideológico? A resposta provavelmente é – como para boa parte dos fenômenos complexos – uma mistura das duas coisas. Cientificamente, precisaríamos de estudos longitudinais que acompanhassem as pessoas durante muito tempo para determinar causa e efeito.

Também temos de pensar se essas descobertas podem nos ajudar a enfrentar alguns dos aspectos negativos de se viver numa era de partidarismo. Uma das propriedades da flexibilidade cognitiva é o fato de ela ser, em si, maleável. Estudos demonstram que a educação pode nos ajudar a cultivarmos e ampliarmos nossa flexibilidade mental, melhorando, assim, nossa capacidade de transitarmos entre dois estilos de pensamento distintos e de adaptarmos nosso comportamento diante da mudança e da incerteza. Reforçar nossa flexibilidade nos ajudaria a criarmos uma sociedade mais tolerante e menos dogmática?

Ao mesmo tempo em que o conservadorismo e progressismo de nossas crenças podem nos dividir, nossa capacidade de pensarmos o mundo de uma forma flexível e adaptável pode nos unir. O extremismo em qualquer direção pode nos levar a vermos o mundo em preto e branco e a nos esquecermos de admirarmos aqueles fundamentais tons de cinza no meio.

É geralmente dentro desses tons de cinza intermediários que encontramos soluções criativas e construtivas para problemas da sociedade e nos lembramos de colocarmos nosso humanismo compartilhado acima dos ideais abstratos. Já está na hora de a era da plasticidade substituir a era do partidarismo? Só se aprendermos a reconhecer que, a despeito das diferenças externas, por dentro somos mais semelhantes do que pensamos.

Leor Zmigrod é bolsista-pesquisadora do Departamento de Psicologia da Universidade de Cambridge.

© 2019 The Conversation. Publicado com permissão. Original em inglês

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