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Imagem fornecida por pesquisadores revela como a crista protetora das pulgas-d-água pode ser afetada por mudanças químicas na água | LINDA WEISS AND SINA BECKER/NYT
Imagem fornecida por pesquisadores revela como a crista protetora das pulgas-d-água pode ser afetada por mudanças químicas na água| Foto: LINDA WEISS AND SINA BECKER/NYT

Para os cientistas que estudam lagos e rios, parece que os humanos embarcaram em um enorme experimento não planejado.  

Ao queimar combustíveis fósseis, já aumentamos a concentração de dióxido de carbono na atmosfera em 40 por cento, e estamos a caminho de aumentá-la muito mais. Alguns desses gases podem se misturar às águas interiores do mundo, e estudos recentes sugerem que isso pode ter efeitos profundos sobre as espécies que vivem nelas.  

"Estamos mexendo com a base química desses ecossistemas, mas neste momento, não conhecemos o suficiente para saber aonde estamos indo. Para mim, cientificamente é muito interessante e, como ser humano, um pouco assustador", disse Emily H. Stanley, limnologista (ecologista de água doce) da Universidade de Wisconsin-Madison. 

Os cientistas começaram a medir continuamente o dióxido de carbono na atmosfera na década de 1950, e hoje há mais de seis décadas de leituras consistentes. Na década de 1980, oceanógrafos seguiram o exemplo, desenvolvendo sensores de dióxido de carbono e implantando-os em todo o planeta.  

Ao longo das últimas três décadas, relataram um aumento constante do dióxido de carbono na água do mar. A crescente concentração pode prejudicar a vida marinha de muitas maneiras.  

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Isso abaixa o pH da água do mar, por um lado, tornando-a mais ácida e interferindo na química que o coral, por exemplo, usa para construir seus esqueletos de cálcio. A acidificação do oceano também dilui as conchas de ostras e outros animais.  

Muitos organismos marinhos dependem de mudanças químicas na água para encontrar comida e evitar o perigo. "Muitos peixes já não conseguem detectar seus predadores. Eles podem até ficar mais ousados", disse Linda C. Weiss, ecologista aquática da Universidade Ruhr, em Bochum, na Alemanha.  

A primeira vez que Weiss percebeu o impacto da acidificação dos oceanos foi em 2010, quando passou algum tempo em uma estação de pesquisa marítima na Austrália. A experiência a fez se perguntar se lagos e rios podem enfrentar uma ameaça semelhante.  

Seu primeiro passo foi buscar dados históricos sobre níveis de dióxido de carbono em água doce. Mas a pesquisa na literatura a levou a uma conclusão surpreendente. "Descobri que não havia informação alguma", disse ela.  

Tradicionalmente, cientistas que estudaram águas interiores se concentraram em diferentes questões. Eles estavam mais preocupados, por exemplo, com ácido sulfúrico e outros poluentes de chuvas ácidas, juntamente com os impactos do escoamento em fazendas e plantações.  

Agora que os pesquisadores se preocupam com os níveis de dióxido de carbono, desenvolveram maneiras de reconstruir sua história.  

O nível de dióxido de carbono em um lago depende de variáveis como a temperatura e a quantidade de carbono orgânico que contém. Se esses fatores foram rastreados no passado, os cientistas também podem usá-los para obter uma estimativa do nível de dióxido de carbono dos lagos.  

Weiss e seus colegas usaram esse método para descobrir os níveis de dióxido de carbono em quatro reservatórios na Alemanha de 1981 a 2015. A pesquisa publicada na revista Current Biology mostra que os valores triplicaram nesse período.  

"Nós realmente não sabíamos o que esperar, mas a velocidade da acidificação que encontramos é bastante alta", disse Weiss.  

Os pesquisadores se perguntaram quais os efeitos que esse rápido aumento do dióxido de carbono poderia ter na vida da água doce nas próximas décadas. Então, realizaram experiências com a humilde pulga-d-água.  

Essas criaturas minúsculas, parecidas com camarões, filtram algas e micróbios da água. Eles, por sua vez, são a refeição de pequenos peixes, que são comidos por peixes maiores. Se o aumento do dióxido de carbono afetasse as pulgas-d-água, Weiss explicou que poderia influenciar todo o ecossistema do lago.  

As pulgas-d-água usam uma estranha, mas sofisticada defesa para escapar de predadores. Elas podem sentir os elementos químicos produzidos pelos peixes que estão à sua volta, e em resposta se tornam mais difíceis de comer.  

Algumas espécies cultivam uma crista maciça na cabeça, enquanto outras fazem crescer pontas. Weiss e seus colegas descobriram que altos níveis de dióxido de carbono fizeram com que as pulgas-d-água criassem cristas e pontas menores.  

Mais do que a acidez da água, o próprio dióxido de carbono parece estar afetando esses pequenos seres. Quando os pesquisadores baixaram o pH com ácido clorídrico, os animais responderam normalmente aos predadores.  

Weiss levantou a hipótese de que o dióxido de carbono interfere no sistema nervoso das pulgas-d-água, prejudicando sua capacidade de detectar predadores.  

Caleb T. Hasler, biólogo da Universidade de Winnipeg, disse que a nova pesquisa mira uma questão ainda não respondida: qual a quantidade de dióxido de carbono que pode prejudicar a vida de água doce.  

"Esse trabalho é realmente importante porque começa a mostrar quais são esses níveis", disse ele.  

A pesquisa recente de Hasler sugere que as pulgas-d-água talvez não sejam os únicos animais de água doce a sofrer alterações causadas pelo dióxido de carbono. Ele e seus colegas estudaram o vairão, um peixe minúsculo, nadando em água enriquecida com dióxido de carbono e descobriram que eles não respondem com rapidez aos sinais de alarme liberados por outros vairões.  

Em outro estudo, a equipe estudou duas espécies de mexilhões. Uma delas relaxou seus músculos na água com alto teor de dióxido de carbono, de modo que sua concha se abriu. A outra fechou a casca a ponto de não poder filtrar alimentos.  

Esses tipos de mudanças podem reverberar em ecossistemas de água doce inteiros. Os mexilhões são vitais para filtrar alimentos e manter a água limpa, por exemplo. Se as pulgas-d-água perderem sua eficiência para escapar de predadores, sua população pode diminuir, deixando menos comida no longo prazo para os peixe.  

Mas não é certo que as águas interiores em todo o mundo apresentam o aumento de dióxido de carbono na taxa que Weiss e seus colegas observaram nos reservatórios alemães.  

Em novembro, Stanley e seus colegas publicaram um estudo de níveis de dióxido de carbono em lagos do Wisconsin. Entre 1986 e 2011, não detectaram nenhuma mudança significativa.  

As diferenças estão na química complexa que varia de um lago para o outro. Enquanto os lagos e os rios absorvem dióxido de carbono da atmosfera, alguns também retiram o gás dos solos circundantes.  

A química de algumas águas interiores faz com que muito dióxido de carbono seja convertido em outros compostos. Alguns lagos e riachos podem abrigar muitas plantas subaquáticas que o retêm, por exemplo, enquanto outros podem ter micróbios que liberam mais o gás.  

Complicando mais as coisas, os níveis de dióxido de carbono em qualquer corpo de água doce podem mudar drasticamente ao longo do tempo com oscilações da temperatura e outras condições.  

"Você pode ter lagos onde o dióxido de carbono aumenta dez vezes à noite", disse Hasler.  

Nas próximas décadas, como os níveis de dióxido de carbono continuam a subir na atmosfera, Stanley especula que o panorama só ficará mais matizado.  

"Honestamente, não sei para onde estamos indo. Provavelmente vou apostar que o aumento da variabilidade de um lago para outro vai ser cada vez mais extrema", disse Stanley.  

Weiss concordou que não era possível tirar grandes lições dos dados preliminares. "Acho que o estudo que estamos publicando é como uma porta que se abre. Espero que outros cientistas se juntem à pesquisa."  

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