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Eduardo Moreira e a mulher, a atriz e ex-paquita Juliana Baroni, durante encontro com a Rainha Elizabeth II.
Eduardo Moreira e a mulher, a atriz e ex-paquita Juliana Baroni, durante encontro com a Rainha Elizabeth II.| Foto: Reprodução / Instagram @Jubaronioficial

Ele é chamado de “Silvio Santos da esquerda” e “Roberto Marinho de si mesmo”. Costuma realizar “vivências” em assentamentos do MST, comunidades indígenas e quilombolas. Foi cotado para integrar o conselho de administração da Petrobras no novo governo. E coleciona amigos famosos no campo progressista – de Lula a Ciro Gomes, passando por João Pedro Stédile, Leonardo Boff, Monja Cohen, Marilena Chauí, Padre Julio Lancelotti e Frei Betto, além de uma incontável lista de acadêmicos, jornalistas e artistas (especialmente globais).

O empresário carioca Eduardo Moreira, de 47 anos, ainda é pouco conhecido do grande público. Mas quem costuma acompanhar o debate político no YouTube certamente sabe de quem se trata. Seus dois canais – um que leva seu nome e outro dedicado ao ICL (Instituto Conhecimento Liberta, sua plataforma de cursos e jornalismo) – somam quase 1,5 milhão de inscritos e mais de 4 mil vídeos publicados. Uma marca impressionante para um projeto com pouco mais de três anos de existência e sem qualquer tipo de “monetização e patrocínio”, como ele faz questão de destacar.

Sua maior aposta, o ICL Notícias, é um programa diário que conta com a participação de figuras notórias da imprensa brasileira (Chico Pinheiro, Heloísa Vilella, Xico Sá, Juca Kfouri, Cristina Serra, Guga Noblat). Com duas edições, o noticiário já é um dos recordistas de audiência em seu segmento na internet – superando, de longe, outros canais “vermelhos” como TV 247, TVT e DCM.

Muitas vezes, no entanto, o centro das atenções é o próprio Moreira, sempre apto para comentar todos os assuntos em pauta. Nos últimos tempos, inclusive, ele tem subido bastante o tom quando critica a direita, o Centrão, o agronegócio, os liberais e todos os outros inimigos da esquerda. Sobre o governo Lula 3, uma única crítica: é conciliador demais, precisa usar “a força enorme que tem”.

Em seus programas e nas entrevistas que concede, “Dudu”, como é chamado pelos mais próximos, dispara frases do tipo “O agro é o grupo mais poderoso e perigoso do Brasil”. Ou “Enquanto o rico não dormir com medo, não vai mudar. Não é o medo de ser guilhotinado. É o medo de descobrirem que ele não merece ter o que tem”. E ainda “Acredito no enfretamento, no conflito. Sem conflito não tem mudança”.

Por trás desse sucesso e exposição recentes, há um homem de negócios com mais de 20 anos de experiência no mercado financeiro. Ex-sócio do banco Pactual e de diversas corretoras de investimentos, Moreira é um milionário com muito poder de comunicação e nenhuma vontade de atuar somente nos bastidores.

Antes de se enveredar pelo ativismo e a política, correu o Brasil como palestrante e autor de livros de autoajuda – uma jornada que o levou a ser condecorado pela Rainha Elizabeth II (1926-2022).

Acidente com cavalo mudou a vida do ex-banqueiro da Faria Lima 

Filho de um empresário da construção civil, criado no bairro da Urca (na Zona Sul do Rio de Janeiro), Eduardo Moreira é formado em Engenharia pela PUC e também estudou Economia na UCSD (University of California San Diego). No final da década de 1990, mudou-se para São Paulo, onde fez carreira no mercado de investimentos – chegou a ser incluído no ranking dos “40 brasileiros de maior sucesso com menos de 40 anos” da revista Época Negócios.

Ou seja: era o típico “capitalista selvagem” da Avenida Brigadeiro Faria Lima, o centro financeiro do Brasil. Até que um acidente o fez mudar de rota e iniciar um processo de afastamento gradual de seus antigos valores.

Ao tentar montar um cavalo chucro, recém-comprado, em seu sítio, Moreira caiu sobre um terreno com pedras e teve vários ossos quebrados. Durante sua longa recuperação, conheceu o trabalho do norte-americano Monty Roberts, criador de um método não violento de adestramento de animais e conhecido por inspirar o filme ‘O Encantador de Cavalos’, dirigido por Robert Redford.

Decidido a aprender os métodos desenvolvidos por Roberts, o brasileiro partiu para os EUA e acabou ficando amigo do domador. A partir daí, tornou-se uma referência nacional das técnicas de “doma dócil” de equinos, atividade que o levou a conhecer haras e fazendas em todo o país – e a ser homenageado, por sugestão do “encantador” americano, pela Rainha da Inglaterra, uma entusiasta dos cavalos.

Um segundo acidente, dessa vez na rua, tentando pegar um táxi na capital paulista, pode ser considerado outro “ponto de virada” na trajetória de Moreira. Seu tratamento foi conduzido pelo preparador físico Nuno Cobra (celebrado por orientar atletas e pilotos de automobilismo), de quem o banqueiro absorveu sua filosofia e principais conceitos.

Desses dois encontros, com Roberts e Cobra, surgiu a ideia do livro ‘O Encantador de Vidas’, lançado por Eduardo Moreira em 2012 e que rapidamente se tornou um best-seller do gênero de autoajuda – muito por conta da promoção obtida após o encontro com Elizabeth II.

Em 2015, uma terceira situação médica também contribuiu para sua mudança de mentalidade. Submetido a uma operação para curar hemorroidas, o empresário foi vítima de um erro médico e teve seis tromboses. Internado no Sírio Libanês, soube que a filha de seu caseiro, uma criança de 12 anos, também estava em um hospital, com suspeita de apendicite. A menina, no entanto, levou quatro dias para ser atendida numa unidade de saúde pública, enquanto Moreira tinha direito até a cardápio gourmet em seu quarto reservado.

Ao se descobrir “o vilão do filme, e não o mocinho”, como ele gosta de contar, o banqueiro decidiu estudar a questão da desigualdade social no Brasil. E escreveu o livro ‘O que os Donos do Poder Não Querem que Você Saiba’, em que define o capitalismo como “um modelo que depende intrinsicamente da desinformação em massa” e “um sistema que manipula sentimentos comuns a todas as pessoas para vender mais produtos e serviços”.

Graças ao tom “disruptivo” da obra, lançada em 2017, Moreira foi obrigado a romper com seus sócios. A partir daí, passou a se dedicar mais à carreira de escritor (já tem dez títulos publicados) e começou a ministrar cursos sobre educação financeira e investimentos de baixo risco.

Nesse meio tempo, ainda escreveu uma peça de teatro infantil, ‘Branca de Neve e Zangado’ – produzida com recursos da Lei Rouanet e estrelada por sua mulher, a atriz e ex-paquita Juliana Baroni (que, curiosamente, interpretou a falecida ex-primeira dama Marisa Letícia no longa ‘Lula, o Filho do Brasil’, de 2009).

Em tempo: Moreira também é formado em Roteiro pela New York Film Academy (e, na infância, fez figurações na novela ‘A Gata Comeu’ e no filme ‘Os Trapalhões na Serra Pelada’).

Moreira, Juliana Baroni e Lula, em foto postada pela atriz para parabenizar o presidente por seu aniversário, em 2022. Imagem: Reprodução / Instagram @Jubarinoficial
Moreira, Juliana Baroni e Lula, em foto postada pela atriz para parabenizar o presidente por seu aniversário, em 2022. Imagem: Reprodução / Instagram @Jubarinoficial

 Livro “antielite” chamou a atenção de políticos e intelectuais de esquerda 

Já na condição de ex-banqueiro, e autor de um livro “antielite”, Eduardo Moreira teve uma breve passagem como comentarista na Jovem Pan. Era o ano de 2018, e o empresário demonstrava, em suas participações ao vivo, não estar muito animado com nenhuma das candidaturas que chegariam à disputa do segundo turno.

Questionou, por exemplo, a atuação de Jair Bolsonaro em seus sete mandatos no Congresso (“Em 28 anos, aprovou apenas dois projetos de lei e uma PEC”). Também considerou o PT “desonesto” por divulgar o slogan “Haddad é Lula”, além de se referir ao atual presidente como “presidiário”.

Sua aproximação definitiva com a esquerda aconteceu durante o governo de Bolsonaro. Ficou amigo do sociólogo Jessé de Souza (com quem fundaria o ICL) e passou a ser citado e consultado por políticos de esquerda como Paulo Paim, Jandira Feghali, Henrique Fontana e Ciro Gomes.

Por intermédio de Souza, conheceu o dirigente sem-terra João Pedro Stédile, que o convidou a passar uma temporada em um assentamento do MST. Desde então, costuma visitar, regularmente, comunidades amparadas por movimentos sociais, onde “mora”, nas palavras dele, por pelo menos uma semana, para conhecer e entender outras realidades.

Em 2019, voltou a ter destaque na imprensa por conta de um documento chamado “44 coisas que você precisa saber sobre a Reforma de Previdência”, em que apontou supostos erros da proposta apresentada pela equipe do ex-ministro Paulo Guedes – um de seus alvos preferidos (mesmo agora, fora do poder).

Quando Moreira entrou no banco Pactual, em 1997, Guedes era um dos sócios. Segundo ele, o ex-ministro era temido no ambiente de trabalho por ser uma pessoa arrogante e perversa. E, além de tudo, perdia milhões de dólares em operações. Só era mantido no posto graças a seus talentos como comunicador e vendedor.

Sua oposição a Guedes, Bolsonaro e companhia o levou a criar, em 2020, o movimento “Somos 70%”, cujo nome fazia referência à parcela dos brasileiros que não apoiavam o governo, de acordo com uma leitura enviesada das pesquisas. “Somos mais de dois terços da população e invocamos que partidos, seus líderes e candidatos agora deixem de lado projetos individuais de poder em favor de um projeto comum de país”, dizia o manifesto do grupo, publicado em jornais impressos e assinado por personalidades como Fernando Henrique Cardoso, Caetano Veloso e Felipe Neto.

No mesmo ano, Moreira e Jessé de Souza fundaram o Instituto Brasil Liberta, uma plataforma de educação online que atualmente conta com mais de 200 cursos disponíveis – todos ao preço de uma assinatura fixa, a exemplo dos serviços oferecidos por empresas como Netflix e Spotify. O plano “essencial” custa R$ 47 mensais e o “solidário”, R$ 62. Quem paga a segunda modalidade doa uma bolsa de estudos para um aluno carente e recebe um certificado por isso.

O catálogo inclui desde matérias mais convencionais (idiomas, finanças, preparatórios para a OAB) até aulas de formação política. “Do fascismo ao neoliberalismo: psicologia das massas e movimentos sociais”, “O neonazismo no Brasil bolsonarista” e “O movimento LGBTQIA+ no Brasil: por uma história de todas, todos, todes” são alguns exemplos de conteúdos ofertados.

Entre os professores, destacam-se nomes como o teólogo Leonardo Boff, as filósofas Marcia Tiburi e Marilena Chauí, o cientista Miguel Nicolelis, o fotógrafo Ricardo Stuckert (retratista oficial de Lula), o antropólogo Luiz Eduardo Soares e o linguista norte-americano Noam Chomsky.

No ano passado, o ICL ganhou o seu já citado braço jornalístico e fez uma dura campanha de oposição a Bolsonaro. Em setembro, pouco antes do primeiro turno das eleições, Moreira chegou a cancelar palestras presenciais, sob a alegação de ter sofrido ameaças de morte.

Mas a vitória de Lula não garantiu a paz do ex-banqueiro convertido em “companheiro”. Em fevereiro, o Centrão rejeitou o seu nome para ocupar o Conselho de Administração da Petrobras, como desejava o presidente da empresa, Jean Paul Prates. E no último mês de julho, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), abriu um processo na Justiça do Distrito Federal contra o Instituto Conhecimento Liberta e outros veículos de mídia.

Lira pede a remoção de 47 vídeos do canal do ICL que tratam de seu suposto envolvimento na fraude da compra dos kits de robótica para escolas de Alagoas e das acusações de violência física, sexual e psicológica feitas por sua ex-mulher, Jullyene Lins.

Imediatamente, o instituto iniciou uma mobilização contra a “tentativa de cerceamento de sua atividade jornalística”, estimulando seus seguidores a participar de um abaixo-assinado e compartilhar nas redes a hashtag #ToComICL. Em poucos dias, cerca de 150 mil pessoas assinaram o documento. Uma ala da esquerda, no entanto, não comprou a causa de Moreira.

Recusando-se a aderir à petição, militantes mais radicais começaram a compartilhar um vídeo de 2016, em que o empresário defende o impeachment de Dilma Roussef durante uma passeata (com direito a manifestantes trajados de verde e amarelo ao fundo). Os posts eram acompanhados de frases como “Quem apoiou o golpe contra Dilma não tem moral para dar chilique agora”, “Olha o picareta golpista ganhando dinheiro com o golpe que ele apoiou” e “A palavra golpe estará sempre escrita na testa do dono do ICL Notícias”.

A julgar por esse tipo de reação, Moreira ainda tem um longo caminho pela frente para conquistar a confiança da militância de base. Depois de ser acolhido pelo primeiro escalão progressista, o domador agora precisa encantar os extremistas.

(A reportagem da Gazeta do Povo solicitou uma entrevista com Eduardo Moreira à sua assessoria, mas até o fechamento desta matéria não obteve nenhuma resposta.)

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