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Como governador do Maranhão, Dino protagonizou gastos milionários com itens polêmicos, como canapés, trufas e bacalhau, assinatura de revistas Carta Capital impressas para escolas em plena pandemia e um volume histórico de publicidade
Como governador do Maranhão, Dino protagonizou gastos milionários com itens polêmicos, como canapés, trufas e bacalhau, assinatura de revistas Carta Capital impressas para escolas em plena pandemia e um volume histórico de publicidade| Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

Considerado o ministro mais popular de Lula, a quem o próprio petista teria definido como o maior defensor do governo diante de adversários, sobretudo bolsonaristas, Flávio Dino não tem o que comemorar quando o assunto é seu legado como governador do Maranhão. Após quase oito anos comandado pelo comunista (2015-2022), o estado continua sendo o mais pobre do Brasil, com a menor renda média mensal, o pior IDH, a maior taxa de informalidade e a expectativa de vida mais baixa. Além de falhar em levar uma leve melhoria da economia maranhense à população mais pobre, em sua gestão Dino protagonizou gastos milionários com itens polêmicos, como canapés, trufas e bacalhau, assinatura de revistas Carta Capital impressas para escolas em plena pandemia e um volume histórico de publicidade.

Em agosto de 2020, durante a emergência sanitária da Covid-19, a Secretaria de Estado de Saúde do Maranhão firmou um contrato de quase R$ 1,2 milhão para fornecimento de itens de alimentação, como canapés, voul-au-vant de bacalhau, profiteroles e trufas de chocolate. A compra foi registrada no Diário Oficial de 7 de agosto de 2020. Menos de dois anos antes, no fim de 2018, um levantamento do Conselho Federal de Medicina (CFM) apontava o Maranhão como o estado com o segundo pior investimento em saúde do país. Na época, eram gastos pouco mais de R$ 2 por cidadão/dia e quase mil médicos maranhenses tinham cerca de três meses de salários atrasados.

De acordo com um relatório da ONU de 2021, o Maranhão é o segundo estado brasileiro mais dependente do SUS, com 93,1% da população necessitando do serviço público. O estado tem ainda a menor taxa de médicos por habitante (8,1 médicos para cada 10 mil habitantes) e uma das menores proporções de leitos de UTI por habitante (8 para cada 100 mil habitantes), conforme o Datasus/2019.

Considerando a refeição institucional do governo Flávio Dino “destoante (...) das típicas refeições consumidas pela grande maioria dos contribuintes brasileiros, estes os pagadores de impostos, ferindo o senso de ética comum e o conceito do que se entende por boa gestão pública”, o senador Roberto Rocha (PTB-MA) denunciou a compra feita pelo Maranhão em 2020. Dino processou Rocha, alegando ter sido vítima de crime de difamação, mas o ministro do STF André Mendonça, que assumiu a relatoria da queixa-crime de nº 9505, acolheu os argumentos da defesa do senador.

Carta Capital e publicidade 

Entre 2019 e 2020, a Secretaria de Educação de Flávio Dino efetuou 1.472 assinaturas da revista Carta Capital para escolas públicas, por mais de R$ 1,2 milhão, em dois contratos em licitação. O primeiro contrato do governo maranhense com a Carta Capital é de 30 de abril de 2019, e o valor gasto pelo Executivo na ocasião foi de R$ 600,5 mil, o equivalente a R$ 408 por assinatura. Apesar das escolas fechadas pela pandemia, o governador renovou as assinaturas no ano seguinte, pelo valor corrigido de R$ 671,9 mil (R$ 456,45 cada).

Em nota ao Estadão em setembro de 2020, o governo do Maranhão informou que o contrato foi revogado, alegando que a decisão de o firmar foi tomada em um contexto que previa retomada das atividades escolares presenciais a partir de agosto. Colunista da revista desde 2021, Dino já foi capa na revista Carta Capital, em 2019, recebendo diversos elogios do veículo.

Entre 2015 e 2020, Dino também quase dobrou os recursos públicos gastos com propaganda, se tornando recordista nesse tipo de gasto à frente do estado. Enquanto sua antecessora, Roseana Sarney, destinou à Secretaria de Estado da Comunicação Social pouco mais de R$ 49 milhões de reais para a propaganda durante seu último ano no governo, em 2021, em meio à pandemia, a mesma secretaria no governo Dino alcançou o maior orçamento da história da pasta: cerca de R$ 90 milhões.

Raio-x por área 

Embora o Maranhão seja historicamente um estado com índices sociais e econômicos ruins, um levantamento feito pela Gazeta do Povo aponta que a situação continua precária após as duas gestões Flávio Dino. Confira um raio-x de algumas áreas importantes:

Economia 

Apesar de um enorme potencial humano e econômico, tanto para o turismo quanto para serviços e indústria, além da agricultura, pecuária e indústria extrativista, em 2021, de acordo com o IBGE, o Maranhão tinha o 17º PIB do Brasil (o que representa 1,4% do total da riqueza produzida no país). A situação é ainda pior quando o assunto é Índice de Desenvolvimento Humano (IDH): o estado é o segundo pior do país no quesito, ganhando apenas de Alagoas.

Depois de quase oito anos sob a gestão de Dino, o Maranhão segue em primeiro lugar entre os estados mais pobres. Segundo o estudo "Mapa da riqueza no Brasil”, de fevereiro de 2023, do economista Marcelo Neri, diretor do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV Social), a população maranhense tem a menor renda média mensal (R$ 409). O valor corresponde a menos de um terço (31,2%) da renda média da população brasileira, que é de R$ 1.310.

O Maranhão também figura em primeiro lugar na lista de municípios mais pobres. Os habitantes de Matões do Norte (MA), recebem em média R$ 27,17 por mês. Em segundo lugar está Aroeiras do Itaim, no Piauí, com R$ 30,48. Em terceiro aparece outra cidade maranhense, Primeira Cruz, com R$ 34,97 mensais. Ainda segundo o estudo, a Unidade da Federação com a menor declaração de patrimônio por habitante é o Maranhão (R$ 6,3 mil). No outro extremo está o Distrito Federal (R$ 95 mil).

Por outro lado, São Luís é a capital com o custo de vida mais alto do Nordeste. A capital maranhense é mais cara para se viver do que grandes cidades brasileiras como Salvador, Vitória e Ribeirão Preto.

Segundo dados de 2019, divulgados pelo IBGE em 2021, o PIB per capita no território maranhense era de R$ 13.757,94, colocando-o na última posição. Na sequência vinha o Piauí, com R$ 16.125,00. Desde 2002, quando se iniciou a série das Contas Regionais, esses dois estados alternam-se nas duas últimas posições nesse ranking, aponta o IBGE.

Em 2018, mais da metade dos maranhenses recebia Bolsa Família, um total de 982.450 famílias (3,9 milhões de pessoas), que dividem cerca de R$ 204 milhões. O estado era o que mais dependia do Bolsa Família, proporcionalmente, segundo o Ministério de Desenvolvimento Social (MDS). E, 2023, mais de 1,2 milhão de domicílios recebem Bolsa Família no Maranhão. Neste ano, R$ 793,5 milhões serão repassados aos maranhenses. Cada família recebeu em média R$ 679,14 em março.

Emprego e renda 

Em 2015, com quase 70% dos 13 mil habitantes beneficiários do Bolsa Família, a cidade de Centro do Guilherme, no interior do Maranhão, era a campeã da informalidade no país. O município, a 198 quilômetros de São Luís, tinha 97% dos trabalhadores sem carteira assinada.

Em 2021, Maranhão era o segundo estado com o menor número de trabalhadores com carteira assinada do país, com uma taxa de formalidade de apenas 48%, de acordo com pesquisa divulgada pelo IBGE. O levantamento aponta, ainda, que o desemprego no Maranhão atingiu a taxa recorde de 17% no 1º trimestre de 2021, maior índice desde 2012 (quando era de 8,1%).

Em 2019, dados da Síntese de Indicadores Sociais (SIS) do IBGE revelavam que o estado apresentou o menor rendimento médio real de todos os trabalhos recebido pelas pessoas ocupadas, chegando a R$ 1.325,00 por mês, uma queda em relação ao ano anterior, quando o valor era de R$ 1.334,00. Piauí (o segundo pior) e Distrito Federal (o campeão em rendimento) registraram R$ 1.379,00 e R$ 4.044,00, respectivamente.

Saúde 

Com um IDH de 0,612, patamar semelhante ao de países como como Laos (0,607), Timor-Leste (0,607) e Namíbia (0,615), o estado se mantém como o com menor expectativa de vida entre todos os estados brasileiros desde pelo menos 2010. O estudo Tábuas Completas de Mortalidade, do IBGE, mostra que a expectativa de vida no Maranhão era de 71,4 anos em 2020, enquanto chegava a 76,8 na média nacional.

Em 2019, a cada mil nascimentos, 18,6 bebês morriam antes de completar um ano no estado, o que o colocava no terceiro lugar nacional em mortalidade infantil. A média brasileira era de 11,9 óbitos para 1.000 nascidos vivos.

A falta de estrutura hospitalar proporciona cenários como o de Capinzal do Norte, conhecida como “a cidade onde ninguém nasce”. Moradores relatam que, na última década, gestantes são obrigadas a viajar até 80 km para dar à luz em cidades vizinhas, já que o hospital do município não tem condições de fazer parto normal. Reportagem recente do Jornal Nacional mostrou que Capinzal do Norte recebeu cerca de R$ 10 milhões de emendas parlamentares, inclusive do “orçamento secreto”. O prefeito é André Portela do PCdoB, mesmo partido de Flávio Dino quando era governador (atualmente Dino está no PSB).

Educação 

Os dados mais recentes da Pnad Contínua da Educação, do IBGE, apontam que a taxa de analfabetismo do Maranhão (12,1%) é mais que o dobro da nacional (5,6%) e que o estado tem mais analfabetos que a média do Nordeste (11,7%). Em 2019, o Maranhão não atingiu duas das três metas, avaliadas pelo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Já a Universidade Estadual do Maranhão (UEMA) apareceu em 174º no ranking de universidades brasileiras.

De fevereiro a março deste ano os professores da rede estadual de ensino permaneceram em greve devido ao reajuste salarial aquém do desejado. A paralisação só terminou por uma decisão judicial, já que o governador Carlos Brandão (PSB), ex-vice de Dino, justificou não ter caixa para dar o aumento justo à categoria.

Segurança pública  

Enquanto no Brasil a média de crimes violentos (latrocínio, assassinato e lesão corporal seguida de morte) caiu 21% entre o fim do primeiro mandato de Dino (2018) e o fim do segundo (2022), no Maranhão o índice cresceu 4,2%. Os dados são de um Monitor da Violência, criado pelo portal G1, com base em números oficiais dos 26 estados e Distrito Federal.

Em 2018, primeiro ano em que os dados da ferramenta estão disponíveis, o Maranhão registrou 1.699 crimes violentos (o que equivale a 24,15 para 100 mil habitantes), enquanto no Brasil foram 51.609 (24,75 para 100 mil habitantes). Quatro anos depois, a média nacional caiu para um índice de 19,1 crimes violentos a cada 100 mil habitantes (com 40.784 registros totais), enquanto no Maranhão subiu para 24,8 a cada 100 mil (1.773 no total).

Saneamento 

De acordo com um raio-x do saneamento básico no Brasil, o Maranhão tem um dos piores desempenhos do país no quesito. Dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) relativos a 2021, quando Dino ainda comandava o estado, mostram que pouco mais da metade dos maranhenses são atendidos com água potável (55,8%) e apenas cerca de um décimo da população (11,8%) tem acesso a rede de esgoto. O estado investiu apenas R$ 44,59 por habitante durante o ano no setor, quase metade da média nacional (R$ 82,71). A incidência de doenças de veiculação hídrica foi o triplo da média brasileira no período (com 18 casos a cada dez mil habitantes).

Infraestrutura e habitação 

Em 2022, São Luís atingiu a menor pontuação do Índice Folha de Mobilidade Urbana e, segundo a publicação, o caos no transporte coletivo tem aberto brechas para clandestinos. Além disso, são constantes as greves dos rodoviários do transporte público. A última, em março deste ano, foi motivada pelo atraso nos salários, com as empresas de ônibus culpando a falta de repasses da prefeitura e do governo estadual. 
 
Ao lado de Roraima, o Maranhão tem o maior déficit habitacional do país (ambos com 15,2%), o que representa quase 330 mil domicílios a menos que o necessário. O dado de 2019 mostra que o estado contava com pelo menos 210 mil famílias morando em habitações precárias, 38 mil pagando aluguéis excessivos e outras 80 mil coabitando (quando mais de uma família mora na mesma casa ou um número excessivo de pessoas ocupa um espaço pequeno).

(Colaborou com a reportagem David Ágape)

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