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Quem é Frei Chico, o irmão comunista de Lula citado no escândalo do INSS

Frei Chico: irmão de Lula é vice-presidente de sindicato investigado por possíveis desvios.
Frei Chico: irmão de Lula é vice-presidente de sindicato investigado por possíveis desvios. (Foto: EFE/Sebastião Moreira)

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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva Lula tem sete irmãos e dez meio-irmãos. Nenhum deles foi tão influente quanto Frei Chico. 

Três anos mais velho e mais radical que o presidente, ele se orgulha de ter levado o irmão ao mundo do sindicalismo. 

Agora, Frei Chico teve o nome citado por ser vice-presidente de um dos sindicatos envolvidos em um aparente esquema de desvio de recursos do INSS: o Sindnapi (Sindicato Nacional dos Aposentados).  

Quem é Frei Chico 

O irmão de Lula não se chama Francisco e nunca foi frei. O nome dele é José Ferreira da Silva. O apelido surgiu quando a calvície atingiu o topo da cabeça. A parte sem cabelo o deixou com a aparência de um frade franciscano.  

Ele nasceu em julho de 42, quase três anos antes de Lula, e se interessou por política desde cedo. No efervescente ABC Paulista, ele se envolveu com o universo sindical logo após o golpe de 1964 e se tornou um membro orgulhoso do PCB, o Partido Comunista Brasileiro. A sigla funcionava na ilegalidade. 

Ao contrário do irmão, Lula – também operário — não queria saber de sindicato. A situação mudou em 1969, por um motivo pragmático: Frei Chico não poderia participar da chapa para a diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos porque um colega de empresa, mais velho, já estava na lista. Pela regra, apenas um operário de cada fábrica poderia integrar a chapa. 

Foi então que um colega sindicalista sugeriu o nome de Lula. Depois de alguma insistência, ele aceitou. 

"O Lula não queria, ficou resistindo. E aí a gente... cachacinha aqui e tal, na época, acabamos convencendo ele", disse Frei Chico em agosto do ano passado, em uma longa entrevista ao canal da Revista Fórum no YouTube.  

A biografia do ex-presidente no Instituto Lula confirma a história: “Lula é aceito porque os outros membros acreditavam que, como Frei Chico, ele também era ligado ao então clandestino Partido Comunista Brasileiro, o PCB — o que, em tese, garantiria o apoio dos metalúrgicos afinados com o ‘partidão’”, diz o relato

O irmão tem uma boa relação com o presidente, embora o contato seja esporádico. “Não tenho falado com o Lula. É difícil falar com o Lula. De vez em quando a gente troca uma ideia”, disse Frei Chico à Fórum. 

Personalidade expansiva 

Frei Chico parece ter muito em comum com Lula. A aparência, por exemplo — o irmão do presidente tem menos cabelo e adotou um bigode em vez da barba, mas os traços do rosto são muito similares. Ele é prolixo e, com a voz menos rouca que o irmão, às vezes conecta assuntos diversos sem perder o fôlego até que seja interrompido. 

Frei Chico, ironicamente, é um descrente: "O pessoal fica falando em Deus, eu fico procurando, até hoje não achei”, ele disse, durante a entrevista à Fórum. 

Mais radical que o irmão, Frei Chico foi preso pelo temido DOI-Codi em 1975. Lula, que estava no Japão participando de um congresso com operários da Toyota, retornou ao Brasil imediatamente e passou a pressionar pela soltura do irmão. 

No primeiro turno da eleição presidencial de 1989, Frei Chico nem mesmo votou no irmão: o preferido foi Roberto Freire, que disputava a presidência pelo PCB. Hoje, o partido atende pelo nome de Cidadania, e Freire é um crítico de Lula. 

Frei Chico deixou o PCB (depois, PPS) quando a sigla abandonou a defesa do comunismo, mas tampouco é filiado ao PT.  

Na biografia de Lula escrita por Fernando Morais, o irmão de Lula é descrito como um “sovietófilo”. 

A visão de mundo de Frei Chico parece ter mudado pouco nas últimas décadas. A simpatia pelo comunismo nunca desapareceu. Na entrevista à Fórum, ele disse que a esquerda precisa “ir infiltrando militantes” em posições estratégicas dentro da máquina pública. 

“Qualquer partido de esquerda que queira chegar ao poder um dia tem que fazer uma programação. Programar, com pé no chão, sem alarde, e ir infiltrando militantes dentro dos órgãos públicos: é juiz, promotor, procurador, essas coisas. Dentro dos militares também. Porque se você não fizer isso, você não vai mudar”, defendeu Frei Chico. 

No livro, o próprio Lula descreve como, de início, não queria se envolver com o sindicalismo. “Todo o restante da família era antissindicato, achávamos o que muito trabalhador acha ainda hoje, que lá só tinha ladrão, que a diretoria era toda de ladrões, que todo mundo era safado, que meu irmão era bobo de ir ao sindicato. E isso era motivo de uma briga permanente”. 

Sindicato dos aposentados 

Aposentado há 29 anos, Frei Chico se envolveu no Sindnapi a convite de ex-colegas da vida sindical que foram seus companheiros de chapa nos anos 1980, em São Caetano.  

Já na época da entrevista à Fórum, ele comentou as denúncias de irregularidades envolvendo repasses feitos pelo INSS a entidades como o Sindnapi. Sem que fosse indagado a respeito do tema, ele mencionou o caso brevemente enquanto falava sobre sua atuação no sindicato. 

“Nós temos certa disputa agora no Tribunal de Contas. Houve uma denúncia com um ex-companheiro nosso, um dos fundadores daqui, dizendo que o INSS está descontando do pessoal à revelia deles. Nosso caso é o contrário: aqui é todo mundo registrado”, afirmou Frei Chico. 

Outras acusações 

Esta não foi a primeira menção a Frei Chico no noticiário policial. No auge da operação Lava Jato, o Ministério Público Federal chegou a oferecer denúncia contra Frei Chico e Lula por receberem propina da empreiteira Odebrecht. A acusação se baseava em depoimentos de ex-diretores da construtora.  

Frei Chico admitiu ter recebido recursos da empresa, mas afirmou que foi pago por um serviço de consultoria prestado à companhia. Os pagamentos teriam começado em na década de 90 e seguido até 2015. Somados, os recursos ultrapassavam R$ 1, 1 milhão. Segundo os procuradores, os pagamentos eram feitos em espécie e gerenciados pelo Setor de Operações Estruturadas da Odebrecht, responsável pelo pagamento de propinas. Nas planilhas da empreiteira, Frei Chico tinha o codinome "Metralha".  

A Justiça, entretanto, rejeitou a denúncia do Ministério Público em 2019. 

Em 2007, outro irmão de Lula — Genival Inácio da Silva, o Vavá — foi investigado pela Polícia Federal. Ele teria vendido favores a um chefe da máfia de jogos ilegais. Dois anos antes, a revista VEJA revelou que Vavá montou um escritório no qual negociava o acesso a autoridades do governo. 

O esquema 

O escândalo que levou à demissão do presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, pode ter movimentado R$ 6,3 bilhões. Segundo a Polícia Federal, o recurso foi desviado por meio de descontos não-autorizados nas aposentadorias. O valor era repassado a entidades que, em tese, oferecem benefícios aos aposentados. O esquema teria funcionado entre 2019 e 2024. 

O presidente do Sindnapi, Milton Cavalo, emitiu uma nota em que diz apoiar as investigações. “Uma investigação séria e transparente ajuda a identificar possíveis irregularidades, corrigir falhas e evitar que injustiças continuem acontecendo. Além disso, demonstra o compromisso das autoridades em proteger os direitos dos aposentados, promovendo confiança no sistema previdenciário”, afirma o texto. O Sindnapi afirma que não foi alvo de mandados de busca e apreensão. 

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