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Glenn Greenwald foi denunciado pelo MPF nesta terça (21).
Glenn Greenwald recebeu apoio de colegas americanos. Mas, no Brasil, Constituição deixa claro que não se pode violar direitos alheios em nome da notícia.| Foto: Agência Brasil/Fernando Frazão

A denúncia envolvendo o jornalista Glenn Greenwald, do The Intercept, levanta uma série de questões jurídicas e nos leva a uma reflexão. Uma delas é se um direito conferido a jornalistas, no caso o que garante o sigilo da fonte, se sobrepõe a outros direitos também conferidos pela Constituição, que classifica como invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas.

No caso de Glenn, ele divulgou conversas privadas de autoridades do alto escalão dos Três Poderes, além de membros da Lava Jato. Ou seja, o jornalista teve acesso ao material proveniente interceptação ilegal. Não coube a ele apenas a seleção deste material.

No Brasil, não há direito absoluto. Nem mesmo o direito à vida goza dessa prerrogativa. Há pena de morte no Brasil? De pronto, há quem seja enfático ao responder que não. Mas não é bem assim. A própria Constituição prevê a pena de morte em caso de guerra declarada, por exemplo. De fato, não há direito absoluto, assim como o sigilo da fonte, tanto defendido por jornalistas para o exercício profissional, previsto no texto constitucional.

Tanto é que Glenn Greenwald, após ser denunciado pelo Ministério Público Federal (MPF) por associação criminosa e interceptação telefônica sem autorização judicial, usou o sigilo da fonte como argumento para rebater seu suposto envolvimento no vazamento de mensagens de autoridades, entre elas membros da força-tarefa Lava Jato, como o ex-juiz Sergio Moro e o procurador da República Deltan Dallagnol.

No entanto, vale lembrar que, embora o sigilo da fonte seja um direito constitucional, ele não é (e nem deve ser) considerado, de pronto, superior a outros direitos. A previsão do sigilo da fonte é de 1967, quando entrou em vigor a Lei 5.250/67, também conhecida como a Lei de Imprensa. Ela só passou a figurar na Constituição no texto promulgado em 1988.

Vale lembrar que o sigilo da fonte está previsto no artigo 5º, inciso XIV, da Constituição – justamente no mesmo artigo em que constam os direitos fundamentais. O fato é que, assim como o sigilo da fonte, o direito à intimidade – violados durante a invasão hacker – também estão previstos na Constituição. O legislador, inclusive, os inseriu nos direitos fundamentais, assim como o sigilo. Em caso de equivalência de direitos, a hermenêutica (isto é, a interpretação da lei) será utilizada a partir da análise do caso concreto e definirá qual direito deve “preponderar”.

Não há, portanto, como justificar a utilização de um direito constitucional para ferir outro de igual importância. O ordenamento jurídico prevê a liberdade de expressão concomitantemente ao direito à honra. Esta é, por assim dizer, uma das formas para se preservar valores de igual importância na Constituição e inerentes ao Estado Democrático de Direito.

É evidente que as liberdades de imprensa e de expressão devem ser exaltadas e protegidas com afinco por todos, principalmente pelos tribunais no Brasil. Não há mais espaço para a censura da imprensa, como já ocorreu em meio à ditadura militar. No Brasil, os tribunais adotam a responsabilidade civil para – se for o caso – condenar o veículo de imprensa a pagar indenização e responsabilizar o jornalista por informações caluniosas, difamatórias e injuriosas. Mas isso só após a publicação do material, sem que haja censura prévia.

No entanto, há que se ponderar o fato de o sigilo da fonte – uma garantia da Constituição - ter sido evocado para justificar a revelação de informações obtidas por meio da prática de um crime. Invadir celular para captar mensagens é um ato ilícito.

Colisão entre direitos fundamentais

A solução diante das colisões entre os direitos fundamentais, como o sigilo da fonte e o direito à intimidade, é examinada sob a ótica de uma proporcionalidade. São critérios estabelecidos para dar peso a cada subitem, como adequação, necessidade e proporcionalidade. O juiz vai utilizar esse entendimento para ponderar, a partir de um caso específico, qual direito fundamental deve prevalecer.

E, ao que tudo indica, o caso envolvendo Glenn Greenwald merece – no mínimo – uma análise do juízo de ponderação: até que ponto se resguardar do sigilo da fonte no jornalismo deve ser considerado proporcional frente a outros direitos. Será que é algo absoluto frente a outros direitos?

E se o jornalista utilizasse o sigilo da fonte para esconder a identidade do autor de um crime de grande repercussão, como uma chacina, por exemplo. Mais do que isso. E se diante de uma informação resguardada pelo sigilo da fonte o jornalista viesse a obter a identidade de um grupo terrorista que arquitetou um ataque que pode causar centenas de mortes. Que tipo de direito deve prevalecer?

A denúncia contra Glenn também gerou grande repercussão na imprensa estrangeira. Até mesmo jornais que não apoiam Glenn saíram em defesa do jornalista, como o National Review. O sigilo da fonte nos Estados Unidos é defendido até as últimas consequências por jornalistas. Mas nem lá esse direito é absoluto.

Prova disso é o filme “Faces da Verdade”, baseado em um caso real ocorrido em 2005. A narrativa mostra uma jornalista que usou o sigilo da fonte para fazer uma reportagem a fim de ganhar o Prêmio Pulitzer – o maior no jornalismo. A reportagem envolvia a segurança nacional dos Estados Unidos e a jornalista usava fontes de dentro da Agência Americana de Inteligência (CIA) e do gabinete do vice-presidente. No filme, contudo, a jornalista acaba presa porque uma de suas fontes era uma criança e porque a reportagem foi escrita apenas com o objetivo de concorrer ao prestigiado prêmio. Ela acaba libertada depois de passar dias na prisão, perde a guarda do filho e se separa do marido.

Para o Ministério Público, Glenn “auxiliou, orientou e incentivou” a prática da invasão hacker e, portanto, não teve “apenas” acesso às informações sob o sigilo da fonte. No Código Penal brasileiro “quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade”.

Conteúdo editado por:Paulo Polzonoff Jr.
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