Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
Guerra cultural

Hipocrisia, repetição, agenda woke: por que Hollywood foi “cancelada” pelo próprio público

"Branca de Neve" em 2025: anões criados por computação e protagonista feminista
"Branca de Neve" em 2025: anões criados por computação e protagonista feminista (Foto: Divulgação/Disney)

Ouça este conteúdo

Lançada nos cinemas há apenas um mês, a nova versão de “Branca de Neve" já pode ser considerada um dos maiores fracassos comerciais da história da Disney. Nos bastidores da indústria, comenta-se que o estúdio trabalha com a possibilidade de arcar com um prejuízo de mais de US$ 100 milhões (R$ 569,3 milhões, na cotação atual) devido à baixa procura pelo filme.

Mas a releitura “desconstruída” do clássico infantil — em que os anões são “criaturas mágicas” criadas digitalmente e a personagem-título tem postura feminista — não será lembrada só pelo desinteresse dos espectadores mundo afora. O projeto se tornou um símbolo do ápice da crise de Hollywood e sua opção por trocar o entretenimento pela doutrinação.

Outrora inabalável, a “fábrica de sonhos” americana vive uma crise financeira, criativa e de credibilidade. Uma derrocada que começou ainda nos anos 2000, quando os produtores passaram a saturar o público com remakes e continuações oportunistas, em detrimento de narrativas originais. 

O momento seguinte foi de desilusão. Sucessivos escândalos envolvendo artistas, diretores e executivos do alto escalão foram revelados, escancarando o lado obscuro da indústria. 

Protagonista do caso mais emblemático, o poderoso produtor Harvey Weinstein — nome por trás de sucessos como “Pulp Fiction”, “Shakespeare Apaixonado” e “O Senhor dos Anéis” — foi acusado em 2017 de usar sua posição para assediar e estuprar mais de 80 mulheres. Chocante por si só, o episódio ainda mostrou a existência de uma cultura de silêncio e conivência no meio cinematográfico. 

Em 2023, a hipocrisia do discurso humanista de Hollywood seria novamente descortinada quando uma greve de roteiristas paralisou durante quatro meses a produção de filmes e séries. Os profissionais pediam melhores condições de trabalho, mais benefícios e uma adequação das remunerações diante dos adventos do streaming e da inteligência artificial.

Arrogância ideológica 

No entanto, nada abalou mais a indústria do que sua própria arrogância ideológica. Ao abraçar a cultura woke, e se transformar em uma máquina de propaganda identitária, os grandes estúdios se desconectaram de quem sempre os sustentou: a chamada “audiência média”, mais preocupada em buscar diversão e uma fuga para as dificuldades da realidade. 

Mais do que isso, o segmento passou a despertar indignação e até repulsa por parte desse público — um sentimento representado pelo termo “Hollyweird”. Junção em inglês de Hollywood com a palavra weird (estranho, esquisito), a expressão é usada para descrever os aspectos bizarros, excêntricos e elitistas da cultura das celebridades.

Não que a meca do audiovisual seja uma novata na guerra cultural. Pelo contrário. Desde praticamente seu início, a indústria do entretenimento foi utilizada pelos Estados Unidos como uma de suas mais eficientes ferramentas de soft power (a capacidade de influenciar outros países por meio da cultura, dos valores e da diplomacia, sem o uso da força militar ou econômica). 

Mas o radicalismo doutrinário da última década, acentuado após a comoção pelo assassinato de George Floyd, em 2020, é comparável apenas ao período do Macarthismo. Obviamente, nenhum profissional foi preso depois de ser dedurado pela patrulha woke — como aconteceu nos tempos da perseguição aos comunistas. A destruição de carreiras, hoje, se dá na forma de boicotes profissionais e dos famigerados “cancelamentos”. 

Quando havia debate 

“A liberdade de expressão tem sofrido nos últimos tempos. Todo mundo hoje só tenta ser politicamente correto”, disse recentemente o ator Dennis Quaid ao podcast do empreendedor Patrick Bet-David. 

“Cancelado” depois de interpretar o conservador Ronald Reagan (1911-2004) na cinebiografia do ex-presidente americano, Quaid também tem sido desdenhado pelos colegas por sua recente aproximação com o cristianismo. Na entrevista a Bet-David, ele conta que caiu em todas as tentações possíveis de Hollywood (incluindo o vício em drogas), porém teve seu “vazio preenchido” após a leitura da Bíblia. 

O ator ainda comparou a era politicamente correta do cinema com o New Hollywood, movimento de forte direcionamento ideológico que marcou a produção das décadas de 1960 e 70. Naquela época, marcada pelas lutas por direitos civis e protestos contra a guerra do Vietnã, diretores como Martin Scorsese, Francis Ford Coppola e Dennis Hopper buscavam criticar o “sonho americano” com filmes subversivos e antiautoritários.

“Hollywood já tinha viés de esquerda nos anos 60 e 70. Mas as pessoas agiam da forma oposta. Naquele tempo havia debate, em vez de todos apenas tentando agradar”, afirma Dennis Quaid.

Dennis Quaid numa cena de "Reagan": "A liberdade de expressão tem sofrido nos últimos tempos" (Foto: Dilvulgação/ShowBiz Direct)

Engenharia social 

Uma prova de que a indústria do entretenimento americana forçou demais a mão em sua guinada ideológica é um artigo recente do jornal Los Angeles Times — considerado um veículo lean left (“inclinado à esquerda”). 

Intitulado “Como Hollywood perdeu a guerra cultural”, o texto admite, sem rodeios, que o setor se tornou “um braço de relações públicas do Partido Democrata” e usou de sua influência para promover “engenharia social”. 

Segundo o jornalista Matt Brennan, editor de cultura do Los Angeles Times, os estúdios não conseguiram conceber uma visão atraente da “América progressista” que gostariam de mostrar ao mundo. Diante dessa incapacidade, acomodaram-se em uma solução mais segura: lançar conteúdos aprovados por grupos focais formados por minorias identitárias. 

Ou seja: apostaram na opinião emitida por pequenos painéis — de no máximo 20 pessoas, que assistem a prévias de filmes e séries para depois dar feedbacks voltados ao ajuste dos roteiros e estratégias de marketing. 

Brennan ainda menciona o surgimento de um ecossistema de mídia conservador, autossustentável e anti-mainstream (composto por plataformas como Fox News, DailyWire+ e Angels Studios, esta última responsável pela série bíblica “The Choosen”). E conclui afirmando que o ativismo de Hollywood priorizou a performance das celebridades progressistas, quando deveria almejar resultados políticos reais. 

O dinheiro fala 

Há um novo clima favorável ao conservadorismo nos Estados Unidos, estimulado pela eleição de Donald Trump — que incluiu em suas promessas de campanha o combate à cultura woke

Logo no início do mandato, ele encerrou projetos de DEI (diversidade, equidade e inclusão) no governo federal e sugeriu ao setor privado que fizesse o mesmo. Em seguida, num efeito cascata, centenas de empresas anunciaram a reavaliação ou extinção de suas “ações afirmativas”. 

Em seu texto para o Los Angeles Times, Matt Brennan até cogita a possibilidade de Hollywood se curvar aos conservadores “para não irritar o presidente Trump”. Mas a verdade é que a indústria do entretenimento terá de reavaliar sua rota de qualquer jeito neste ano, e por um motivo que, para executivos e artistas, está acima da guerra cultural: dinheiro. 

Segundo a revista de negócios Forbes, as bilheterias domésticas (referentes aos EUA e Canadá) arrecadaram US$ 8,7 bilhões em 2024 — uma queda de 23,5% em relação aos US$ 11,3 bilhões de 2019, considerado o último ano “normal” do mercado, pois antecedeu a pandemia. O faturamento também foi 3,3% menor do que o registrado em 2023 (US$ 9,04 bilhões).

A retração é atribuída, pela indústria, às greves ocorridas no ano retrasado, que resultaram em um número mais reduzido de lançamentos. Especialistas, no entanto, afirmam que a crise também se deve à competição global (as produções estrangeiras cada vez mais conquistam público, especialmente em streaming) e à mudança de foco do público (hoje mais ligado às redes sociais). 

Há, ainda, um terceiro fator crucial. Hollywood enfrenta uma dificuldade de se reinventar — e isso vai além de uma adaptação à nova realidade fragmentada da comunicação. 

Depois de anos patinando na ideologia, os estúdios precisam iniciar um retorno ao que essa indústria sempre soube fazer de melhor: contar histórias que reúnam o público, em vez de separá-lo por “identidades”.

VEJA TAMBÉM:

Use este espaço apenas para a comunicação de erros