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Elon Musk, dono da Tesla, SpaceX e Twitter/X: para a esquerda, ele é igual a Hitler.
Elon Musk, dono da Tesla, SpaceX e Twitter/X: para a esquerda, ele é igual a Hitler.| Foto: Alexander Becher/EFA/EPA

Uma expressão ganhou força nas redes sociais nos últimos dias: “internacional fascista”.

Não se trata de um termo novo. Surgiu entre as duas guerras mundiais, para definir a cooperação, não oficial, entre os regimes de países como Itália, Alemanha, Portugal e Espanha – que na época compartilhavam de ideologias nacionalistas, autoritárias e, em muitos casos, racistas.

Mas o conceito vem sendo resgatado já há algum tempo pela militância de esquerda, e voltou de vez à tona após a revelação dos Twitter Files Brasil e o embate público entre o bilionário Elon Musk e o ministro do STF Alexandre de Moraes.

Para acadêmicos, jornalistas e influenciadores esquerdistas, há um conluio entre líderes mundiais e grandes empresários ligados à direita (ou melhor, “extrema direita”) para proteger políticos, impulsionar negócios e “subverter a democracia”.

Um dos principais disseminadores dessa teoria da conspiração é o historiador e cientista político Christian Lynch, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), colunista do canal Meio e colaborador eventual de diversos veículos de imprensa.

Em uma série de tuítes postados no último domingo (7), e reverberada por toda a bolha esquerdista, ele fez um “alerta”: “O Brasil está sofrendo um ataque orquestrado da internacional fascista, via [Viktor] Orbán, [Benjamin] Netanyahu e Elon Musk. Nosso país é precioso para o seu projeto ditatorial: ela já o teve na mão e o perdeu na eleição de 22 e no golpe fracassado de 8/1”.

Lynch ainda disse que o grupo “tenta jogar o sistema político contra o STF para salvar Bolsonaro e deixá-lo no jogo”. Também acusou Musk de ser “o braço midiático da internacional facho-reacionária”.

“A luta pela liberdade na boca dele é a defesa do direito de subverter as salvaguardas do Estado de direito democrático e ajudar todos os populistas da internacional que veem no judiciário seu principal entrave”, afirmou.

E concluiu: “Está na hora de lhe descer a mesma lâmina que lhe estão passando na União Europeia. A República precisa regulamentar as redes sociais para sobreviver aos ataques de seus inimigos”.

Os posts de Christian Lynch inflamaram os meios de comunicação apoiadores do governo Lula. Influencers e sites como ICL Notícias, Revista Fórum, Brasil 247, Brasil de Fato, Opera Mundi, O Cafezinho, Intercept Brasil e Diário do Centro do Mundo compartilharam a fala do professor e inundaram a internet com textos e vídeos para alimentar a teoria conspiratória.

No ICL Notícias (comandado pelo ex-banqueiro milionário convertido ao socialismo Eduardo Moreira), o jornalista e escritor Cesar Calejon engrossou o coro.

“A gente está lidando com uma possível ascensão de uma internacional do fascismo. Que tem bilionários sociopatas, como esse canalha que é o Elon Musk. Que tem o [Donald] Trump, que vem dizendo que, se não for eleito, vai ter um banho de sangue nos EUA. São medidas absurdamente análogas ao que foi o nazifascismo na década de 1930 do século passado”, disse.

Calejon aproveitou para bajular o presidente da República. “No Brasil, graças a Deus a gente teve o Lula para conseguir uma sobrevida e estabelecer uma espécie de última linha de resistência contra a consolidação do bolsonarismo, que é a face nacional dessa internacional do fascismo que está hoje atuando no mundo inteiro.”

Em sua conta no X, o advogado Walfrido Warde (que já representou o PSOL e o PCdoB e é amigo pessoal de Guilherme Boulos) foi pelo mesmo caminho.

“Se Trump vencer nos EUA e [Marine] Le Pen na França, Lula será, gostem ou não dele, com seus acertos e desacertos, o último bastião político de uma ideia de mundo baseada na democracia e na alteridade de pensamento e de discurso. Isso explica o embate de escala global que já se trava e que tem como ponto de fuga o nosso STF.”

Outros artigos publicados nos últimos dias incluem no time da “internacional fascista” lideranças políticas como Javier Milei (Argentina), André Ventura (Portugal), Santiago Abascal (Espanha), Narendra Modi (Índia) e Rob Roos (Holanda), além de empreendedores do Vale do Silício – cabeças de um suposto “imperialismo digital”.

Jornalistas apontam elo entre a família Bolsonaro e a suposta “rede internacional de extrema direita”

Veículos da chamada “mídia tradicional” também abraçaram a ideia, mas sem tanta ênfase na palavra “fascismo”.

Em seu blog no portal G1, a jornalista Daniela Lima, âncora da GloboNews, assinou um artigo intitulado “Musk joga água no moinho da extrema direita no Brasil já de olho na eleição de Trump”.

No texto, ela estabeleceu uma conexão entre Donald Trump, Elon Musk e Jair Bolsonaro. “Se Donald Trump vencer, o cenário para a manutenção da ordem institucional no Brasil – e o devido andamento dos processos sobre Bolsonaro – se desdobrarão em outras condições de temperatura e pressão.”

Já no Valor Econômico, Maria Cristina Fernandes apontou uma aliança improvável entre Musk, a direita nacional, golpistas bolivianos, fascistas alemães e o crime organizado no Brasil (por meio da figura do deputado federal Chiquinho Brazão, acusado de envolvimento no caso Marielle Franco).

“Elon Musk não pode tudo. A manutenção da prisão do deputado Chiquinho Brazão pelo plenário da Câmara dos Deputados demonstrou que há limites para que uma tese intragável, como a soltura de um dos acusados de ter mandado matar Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes, ganhe adeptos nas redes”, disse.

A jornalista ainda afirmou: “Os aliados de Brazão adiaram a votação na tentativa de esfriar o tema. Quando Musk pousou no Brasil abriu-se um clarão. Aliado aos golpistas na Bolívia e aos fascistas na Alemanha, o dono do X pinçou seus parceiros no Brasil entre os sócios do crime organizado na Câmara. (...) A reação que pautou a votação demonstrou que o eleitor é de direita, mas não é trouxa”.

Outra reportagem publicada nessa esteira, porém pelo jornal O Globo, trouxe como título “Rede internacional de extrema direita usou ‘Twitter Files’ para propagar versão bolsonarista de 'ditadura' no Brasil”.

Conforme escreveu o jornalista Guilherme Caetano, “Antes de o bilionário Elon Musk começar os ataques ao STF, lideranças nacionais e estrangeiras já aproveitavam a viralização do caso para associar Lula ao autoritarismo”.

Caetano ainda afirmou que as relações do bolsonarismo com líderes conservadores estrangeiros são desenvolvidas pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP).

De acordo com o repórter, o parlamentar foi nomeado, em 2019, representante sul-americano do grupo The Movement, criado por Steve Bannon (ex-conselheiro de campanha de Donald Trump) para fortalecer a “rede internacional de extrema direita”.

Até o veterano da imprensa Ruy Castro, cronista da Folha de S. Paulo, deu seu pitaco sobre o tema. “A internacional da extrema direita apenas começou”, disse.

Segundo Castro, a tal rede “já detém o governo na Itália, Polônia, Hungria e Holanda. Integra ou apoia o governo na Finlândia, Suécia e Grécia. Cresce a galope na França. Chegou perto nas eleições em Portugal e Espanha. Pândega ou trágica, venceu na Argentina. Promove o terror na Alemanha, no Canadá e na Nova Zelândia. E os EUA podem ter Trump de volta” .

O texto de Ruy Castro traz um erro factual: o governo da Polônia não é de direita. O país é comandado desde o fim de 2023 pelo premiê Donald Tusk, de esquerda e pró-União Europeia.

O biógrafo ainda comparou o dono do X a Hitler. “Elon Musk, o Führer das plataformas digitais, encarna esse programa. Seu desacato ao Brasil [ele cita o embate com Alexandre de Moraes] poderia ter sido ditado por Bolsonaro. Mais cedo do que pensamos, o mundo pagará caro por essa tecnologia sem pátria e sem freios”.

Teorias à parte, o único fato confirmado é que realmente existe um bloco político organizado em nível internacional: o da esquerda. Vide inciativas como o Foro de São Paulo e as tentativas de Lula, amplamente divulgadas, de unir forças com a China, a Rússia e outras nações não alinhadas à noção do Ocidente de democracia liberal.

Esquerda já começou a perseguição aos jornalistas que divulgaram os Twitter Files 

Além de fomentar a tese conspiratória, a matéria de O Globo identificou erroneamente os jornalistas Eli Vieira e David Ágape – autor e colaborador, respectivamente, da reportagem publicada na Gazeta do Povo sobre os Twitter Files Brasil.

Questionando a imparcialidade dos profissionais, o repórter alegou que eles são “alinhados com o bolsonarismo” – o que é uma inverdade.

Mas o ICL Notícias foi além. Em um programa transmitido no YouTube na última segunda-feira (8), o jornalista Leandro Demori (conhecido por coordenar ataques em grupo contra colegas que levantam denúncias com relação ao governo do PT), chamou os dois de “vagabundos” e revelou dados pessoais de Ágape no ar.

Segundo Demori – que também é apresentador, contratado a peso de ouro, da emissora estatal TV Brasil –, David Ágape não possui a isenção necessária para produzir esse tipo de conteúdo, pois já prestou um serviço para a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP).

Em seguida, mostrou uma nota fiscal, referente a esse trabalho, com seu nome completo, telefone e endereço residencial, expondo dados pessoais e colocando em risco a integridade física de Ágape.

Procurado pela reportagem da Gazeta, o jornalista afirma que prestou um serviço de consultoria para um amigo que atua como assessor de Zambelli, porém não sabia que a nota emitida iria diretamente para a cota parlamentar da deputada.

“Se eu soubesse, não teria feito esse trabalho. Não sou apoiador e nunca trabalhei para nenhum político. Não vejo problema nisso, não é crime. Mas está claro que essa é uma tentativa de me desmoralizar”, diz o jornalista, que pretende processar Demori pela divulgação de informações privadas.

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