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As medidas que o governo italiano está tomando para proteger as empresas de “predadores” estrangeiros parecem tiradas da cabeça de Mussolini.
As medidas que o governo italiano está tomando para proteger as empresas de “predadores” estrangeiros parecem tiradas da cabeça de Mussolini.| Foto: Pixabay

Nos anos 1920, os três maiores bancos italianos tinham uma participação considerável nas grandes empresas do país. Aproximadamente dois anos depois do crash da Bolsa de Nova York, em 1929, a Itália viveu seu próprio crash, com as ações caindo em média 30%. Os bancos se perceberam numa enrascada: se vendessem os bens ao preço de mercado, perderiam todo o capital investido.

Por esse motivo, em 1933 o regime fascista criou o Instituto Italiano para a Reconstrução Industrial (IRI, na sigla original). O governo nacionalizou os bancos e destinou as ações que eles tinham das empresas a um controlador específico, a serem administradas por tecnocratas capacitados. O próprio Mussolini considerava a medida uma “casa de convalescença” para as empresas italianas que em breve se recuperariam. O IRI mais tarde foi usado por Franklin Roosevelt como um modelo para seu National Recovery Administration [Departamento de Recuperação Nacional]. Somente nos anos 1990 é que o IRI foi desmantelado e as empresas que ele controlava acabaram privatizadas; a holding foi liquidada em 2000. Em outras palavras, a Itália precisou de 70 anos para tirar as empresas controladas pelo Estado da sua “casa de convalescença”.

Em geral, os especialistas concordam que a Covid-19 pode se tornar uma crise tão séria quanto a de 1929. É possível que isso faça com que o Estado se apodere de empresas privadas. Em muitos países, isso seria uma consequência imprevista da quarentena prolongada, mas na Itália tudo parece parte de um plano.

Desde o início do surto de Covid-19, o mercado acionário italiano perdeu cerca de 20% de seu valor. Como acontece em épocas de crise, empresas antes sólidas, como a Fiat Chrysler, ENI ou Tenaris, perderam algo em torno de 45% em valor de mercado, em comparação com o ano passado. O medo do ataque hostil de “predadores” estrangeiros aumentou.

A princípio, e numa estratégia clássica, o short-selling [apostar na baixa de uma ação] foi proibido. Desde então, juntamente com várias medidas que previam garantir a liquidez das empresas italianas graças à oferta de garantias estatais aos credores, o governo italiano está engendrando um aumento do seu poder. Isso terá consequências graves.

A Itália tem uma versão própria das “golden shares” britânicas. Trata-se de uma série de regras criadas em 2012 e que permitem que o governo estabeleça as condições para a compra de ações por estrangeiros ou até proíba uma operação de compra. No começo, a medida se aplicava somente aos “setores estratégicos”: empresas relacionadas à defesa nacional, telecomunicações, transporte e energia. Claro que é difícil saber que setor é estratégico antes de você precisar dele. Quem pensaria que a produção de máscaras era algo estratégico antes da pandemia de Covid-19?

O governo reagiu a isso não redefinindo o conceito, e sim o ampliando. Primeiro, ele começou a incluir entre os setores estratégicos empresas “intensamente tecnológicos”: uma definição intencionalmente ambígua. Agora o governo de Giuseppe Conte ampliou seu poder de veto a bancos e seguradoras, empresas de infraestrutura, de nano e biotecnologia, de inteligência artificial robótica e segurança cibernética, e empresas que lidam com “informações sensíveis, incluindo dados pessoais”, além da cadeia de suprimentos da indústria alimentícia.

Não importa que os novos acionistas sejam empresas europeias. Esse, por sinal, é outro prego no caixão do mercado único europeu. Se uma empresa quiser incluir um novo acionário de fora da União Europeia com mais de 10% ou mais de um milhão de euros, tem de pedir a autorização do governo.

Vou reforçar: isso serve para qualquer empresa. As medidas se aplicam também a empresas privadas não listadas na Bolsa. Os limites dos setores mencionados podem ser ampliados para incluir também os fornecedores (sobretudo no caso das empresas de telecomunicação) — o que, num mundo tão conectado, significa que estamos falando de uma parcela considerável da economia italiana e praticamente todas as empresas de capital aberto do país.

A medida (que deve vigorar até o dia 31 de dezembro, mas que, claro, pode ser renovada) é mais um golpe nos pequenos investidores italianos. Se eles só podem vender as ações a seus compatriotas, o valor dessas ações provavelmente não aumentará.

Além disso, a medida provavelmente criará um problema para as start-ups italianas, sobretudo as de novas tecnologias. Se elas buscarem investidores-anjo ou fundos de investimento ansiosos por conectá-las as suas empresas-irmãs no Vale do Silício, a vida delas vai ser um inferno. Se todos os países geram certa quantidade de boas ideias, o dinheiro fluirá para aqueles com a economia mais aberta.

O mais importante é que, a fim de “proteger” os empresários italianos de predadores internacionais, a medida de fato lhes tira, e nisso estão incluídos os fundados e os donos de empresas de médio porte, sua propriedade. Um país como a Itália deveria se importar com suas alianças geopolíticas, mas isso não tem muito a ver com acabar com os direitos à propriedade privada. A essência de uma propriedade é sua capacidade de vendê-la se assim o desejar. Se você não pode vendê-la, ela não é sua.

Essa é uma questão que deveria assombrar os governantes italianos: depois que a quarentena acabar, quantos empresários do país decidirão não voltar aos negócios? O ambiente extremamente regulamentado e a burocracia bizantina são características do cenário italiano, e os capitalistas sabem como lidar com isso. Mas se sua propriedade é tirada de você no meio da pandemia ou se eles sentem que não são mais donos da empresa que construíram, eles talvez se sintam tentados a jogar a toalha.

Os bancos italianos podem acabar cheios de empresas porque os donos preferiram deixar de quitar as dívidas. A participação exagerada dos bancos no setor acionário pode torná-los ainda mais vulneráveis depois da Covid-19 e das taxas de juros 0. A nacionalização, ou um novo IRI, será então a única opção do governo italiano, fazendo o setor voltar a 1933. O governo italiano parece ansioso diante dessa oportunidade.

*Alberto Mingardi é diretor geral do Istituto Bruno Leoni e pesquisador no Cato Institute.

© 2020 National Review. Publicado com permissão. Original em inglês
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