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Justin Trudeau, Canadá
Funcionário do governo Justin Trudeau (fotografia de 2022), no Canadá, denuncia que projeto de lei impulsionado pelo primieiro-ministro prevê prisão perpétua por expressões.| Foto: EFE/ Mariscal

Para proteger as crianças da exploração sexual, o Canadá deve aprovar a Lei de Danos Online, diz o governo do primeiro-ministro Justin Trudeau. “Sou pai de dois meninos pequenos,” disse o ministro da Justiça, Arif Virani. “Farei o que for necessário para garantir que seu mundo digital seja tão seguro quanto o bairro em que vivemos. As crianças são vulneráveis online. Elas precisam ser protegidas da exploração sexual online, do ódio e do cyberbullying.”

Mas o projeto de lei de Virani é totalmente desnecessário para proteger as crianças. Seu real objetivo é permitir que juízes condenem adultos à prisão perpétua por coisas que disseram e por até um ano por crimes que não cometeram, mas que o governo teme que possam cometer no futuro.

Como tal, a Lei de Danos Online de Trudeau e Virani (Projeto de Lei C-63) é a mais chocante de todas as legislações totalitárias, iliberais e anti-iluministas que foram introduzidas no mundo ocidental em décadas.

A legislação de censura do governo do Partido Liberal, quando considerada no contexto do abuso sistemático de poderes governamentais por Trudeau durante e após a pandemia da Covid, além de novos subsídios para propaganda governamental, estabelece um novo patamar em totalitarismo crescente nas sociedades ocidentais.

Em uma declaração incomumente longa em resposta a uma série de perguntas feitas pelo Public, o departamento de “Patrimônio Canadense” do governo Trudeau, que regula a imprensa, tentou amenizar nossas preocupações. “O Projeto de Lei C-63 visa reforçar os direitos dos canadenses de expressar seus pensamentos e opiniões”, disse o oficial anônimo, “criando um espaço online mais seguro e inclusivo”.

Mas o porta-voz do governo prosseguiu para confirmar a chocante verdade sobre a legislação: ela colocaria pessoas na prisão perpétua por coisas que disseram, especificamente, “defender genocídio”.

“O Projeto de Lei C-63 aumentaria a pena máxima especificamente por defender genocídio de 5 anos para prisão perpétua”, disse um porta-voz anônimo do governo canadense, “e de 2 anos para 5 anos, para cada acusação, pela promoção deliberada de ódio (seção 319 do Código Penal)” [ênfase adicionada].

Isso significa que alguém que escreva algo que um oficial do governo decida ser “defesa de genocídio” enfrentará uma pena máxima mais longa do que alguém que estupre uma criança.

E o que poderia contar como “defender genocídio”? Atualmente, há políticos proeminentes ao redor do mundo que dizem que os apoiadores de Israel estão defendendo o genocídio do povo palestino e que os apoiadores do Hamas estão defendendo genocídio contra o povo judeu. Imagine se estivessem no poder. Sob a legislação de Trudeau, eles não poderiam enviar seus inimigos políticos para a prisão perpétua?

O fato de as pessoas discordarem sobre o que constitui discurso de ódio está no cerne do problema. “Vez após vez”, observa a ex-presidente da ACLU [União Americana de Liberdades Civis], Nadine Strossen, “diferentes tomadores de decisão no mesmo país discordam sobre se uma expressão em particular viola ou não as leis pertinentes de ‘discurso de ódio’.”

Para aplicar tudo isso, a lei proposta criaria uma nova Comissão de Segurança Digital com poderes superlativos para policiar conteúdo. “A amplitude dos poderes é notável”, notou o analista jurídico Michael Geist. As “portarias da Comissão para tornar conteúdo inacessível, poderes de investigação, oitivas que, sob certas circunstâncias, podem ser fechadas ao público, atribuição de estabelecer normas e códigos de conduta, e o poder de impor multas de até 6% das receitas globais dos serviços afetados pela lei.”

O porta-voz do governo Trudeau enfatizou que as leis canadenses permitem ao governo emitir uma “ordem de paz” para encarcerar pessoas antes de cometerem qualquer crime. “As ordens de paz são ferramentas bem estabelecidas na lei criminal canadense que são usadas para prevenir que um crime seja cometido em primeiro lugar”, disse o porta-voz. “Uma ordem de paz só será imposta quando um tribunal estiver satisfeito de que há motivos razoáveis para acreditar que um crime será cometido”.

Mas não é apenas a apologia ao genocídio ou a promoção deliberada de ódio que agora pode levar a sentenças de prisão perpétua. Sob o novo projeto de lei, se alguém violar qualquer lei federal e os tribunais considerarem que a lei foi violada por razões de ódio, essa pessoa também pode ser sujeita à prisão perpétua.

“Pessoas podem ser presas por até 12 meses apenas porque outras pessoas temem que possam cometer discurso de ódio no futuro”, observou Joanna Baron, diretora executiva da Fundação pela Constituição Canadense. “As opções são um ano de prisão ou usar uma tornozeleira eletrônica, submeter-se a testes de DNA, submeter-se a monitoramento contínuo.”

Vamos ser claros. O governo Trudeau está tentando criar um “pré-crime” não diferente do tipo retratado no filme distópico de Steven Spielberg de 2002, “Minority Report”. A principal diferença é que, nesse filme, parecia haver muito mais certeza de que a polícia estava prevenindo assassinatos. No caso da lei de discurso de ódio do governo, o crime é usar as palavras de maneiras que ofendem o governo.

Na realidade, o que está acontecendo no Canadá é um terrível ataque a dois princípios fundamentais do iluminismo: a liberdade de expressão e a igualdade de justiça perante a lei. Muitos canadenses estão indignados, buscando entender o que exatamente está acontecendo. Por que uma democracia liberal de longa data colocou no poder uma pessoa e um partido comprometidos em destruí-la?

Oh, Canadá

Strossen observa em seu livro “Hate: Why We Should Fight It With Free Speech, Not Censorship” (trad. livre: “Ódio: por que devemos enfrentá-lo com liberdade de expressão, não com a censura”) que as leis canadenses de discurso de ódio foram usadas no passado contra nacionalistas franco-canadenses, contra um líder comunitário judeu e contra um palestrante pró-Israel. O governo insiste que suas definições de ódio são específicas o suficiente para evitar confusão. Mas Strossen documenta como os tribunais têm aplicado de forma subjetiva as leis de discurso de ódio ao redor do mundo.

E o novo projeto de lei levaria tudo a um novo extremo. Especialistas concordam que isso criará um efeito inibidor. Como tal, apesar das alegações do governo em contrário, esse efeito inibidor parece ser o propósito pretendido do projeto. O governo Trudeau quer incutir medo nas pessoas para controlar o que elas dizem.

Trudeau é o pioneiro de uma nova maneira de os governos assumirem controle sobre o ambiente de informação — espalhando desinformação e exigindo censura — que é semelhante, mas diferente dos esforços que estamos vendo em lugares como Califórnia, Austrália e Nova Zelândia.

Pessoas em todo o mundo ocidental ficaram com razão alarmadas quando Trudeau, em fevereiro de 2022, invocou pela primeira vez na história do Canadá a Lei de Medidas Emergenciais e congelou as contas bancárias de pessoas que doaram para o protesto do "Comboio da Liberdade", liderado por caminhoneiros exigindo o fim das obrigações de vacinação contra a Covid-19. Trudeau justificou tais atos demonizando caminhoneiros canadenses comuns como nazistas e racistas.

Depois, Trudeau aprovou uma Lei de Transmissão Online e uma Lei de Notícias Online, que deram ao governo novos poderes expansivos para regular o que acontece e o que se pode ver na Internet.

Em janeiro, os jornalistas Alex Gutentag e John Morrison noticiaram que o governo Trudeau havia usado desinformação para justificar sua repressão ao Comboio da Liberdade. A Polícia Montada Real do Canadá (RCMP), a força policial nacional do Canadá, então promoveu essa informação falsa para outras nações de língua inglesa da coalizão de inteligência "Cinco Olhos" (composta por Austrália, Canadá, Nova Zelândia, Reino Unido e Estados Unidos).

Esta descoberta é significativa porque contribui para esclarecer um padrão de agências de inteligência dos EUA, Reino Unido, Austrália, Nova Zelândia e Canadá, que colaboraram em vigilância desde a Segunda Guerra Mundial, sendo flagradas abusando de seus poderes para investigar e perseguir inimigos políticos de autoridades eleitas.

Além deste elemento governamental inorgânico, há também um elemento cultural em jogo. O Canadá tem a reputação de ser uma nação de pessoas educadas e de temperamento leve. Com um governo democrático liberal na tradição da Grã-Bretanha mais do que dos Estados Unidos, o Canadá, nas últimas décadas, empreendeu esforços extraordinários para reconhecer injustiças históricas e criar inclusão entre grupos historicamente marginalizados, incluindo as Primeiras Nações, minorias raciais e imigrantes.

Mas, nos últimos anos, Trudeau voltou essa boa vontade cultural contra a liberdade de expressão, a democracia liberal e o Estado de direito. Não é surpresa que o governo esteja buscando poderes abrangentes para censurar pessoas em nome da redução do preconceito. Está claro que, no Canadá e em outras nações ao redor do mundo, governos, incluindo suas agências de inteligência, estão trabalhando com ONGs para usar como arma uma cultura de compaixão e gentileza contra as liberdades básicas que as nações ocidentais consideraram garantidas por centenas de anos.

Trudeau é só o começo

Leis de discurso de ódio falham em seus próprios termos. Durante os 15 anos antes de Hitler assumir o controle da Alemanha, houve mais de 200 ações penais baseadas em criminalização de expressão antissemita, observa Strassen em seu livro. Assim, as leis na verdade ajudaram os nazistas a ganhar atenção e apoio.

A boa notícia é que muitos grupos estão levantando sérias preocupações sobre o novo projeto de lei e seu impacto na liberdade de fala e de expressão.

Por exemplo, o principal jornal do país publicou um editorial contundente. O Globe and Mail chamou o projeto de lei proposto de “fatalmente falho” e concluiu que “pode haver um equilíbrio a ser encontrado entre endurecer as sanções contra o discurso de ódio enquanto se protege a liberdade de expressão e o devido processo legal. Os membros do Partido Liberal não encontraram esse equilíbrio.”

E algumas ONGs, como a Fundação pela Constituição Canadense, estão reagindo. Baron disse que desconhece outros países que impõem penas de prisão perpétua por discurso de ódio.

“O Reino Unido e a Austrália introduziram legislação semelhante sobre danos online, focadas em coisas como as plataformas terem um dever de cuidado para com o usuário e a legislação de proteção à criança”, disse Baron. “Pelo que sei, nenhum de seus pacotes tinha disposições criminais semelhantes envolvendo discurso de ódio, muito menos contra o público”.

Mas é para onde essas nações podem estar se encaminhando. O Canadá parece estar desempenhando um papel semelhante ao da Irlanda: pressionar os limites na guerra contra a liberdade de expressão e a democracia. A boa notícia é que, à medida que esse padrão se torna visível, nos tornamos menos vulneráveis a ele.

Cabe aos amantes da liberdade de expressão no Canadá, nos EUA e em outras nações ocidentais expor o que parece ser um esforço coordenado pelos governos para regular a fala no mínimo e minar a liberdade de expressão e a democracia no máximo.

O ministro da Justiça Virani está certo em querer que seus filhos estejam seguros tanto no mundo real quanto online. O problema é que, embora não sejamos as suas crianças, ele está tentando nos tratar como tal, assim como todos os governos totalitários fazem.

©2024 Public. Publicado com permissão. Original em inglês.

Conteúdo editado por:Eli Vieira
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